22 Novembro 2019
"O discurso do Presidente e do seu Ministro do Meio Ambiente sugere repetidamente que as leis ambientais podem ser violadas impunemente. Foi enviada uma mensagem clara de que não haverá consequências para essas violações quando os Ministros do Meio Ambiente e da Agricultura visitaram uma plantação ilegal de soja em uma área indígena no Mato Grosso", escreve Philip Martin Fearnside, doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978, em artigo publicado por Amazônia Real, 20-11-2019.
Em 18 de novembro, o governo brasileiro divulgou um valor preliminar para o desmatamento da Amazônia de “2019”, o que se refere ao período de agosto de 2018 a julho de 2019. Os números mostram um aumento de 29,5% em relação ao ano anterior, com um total de 9762 km² desmatado neste período, mais do que o dobro da taxa quando o famoso declínio do desmatamento no Brasil terminou em 2012.
O anúncio foi feito em conjunto pelos Ministros da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, com o último, o Ministro Ricardo Salles, alegando que os números indicam que o governo de Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo presidencial em janeiro de 2019, não resultou em um aumento nas taxas de desmatamento. Ele argumentou que o aumento do corrente ano é apenas parte da tendência de alta que se mantém desde o ponto mais baixo de 2012. Uma versão anterior em inglês deste texto foi publicada pela Mongabay.
Infelizmente, o aumento do desmatamento em 2019 pode, sim, ser atribuído ao governo Bolsonaro, apesar da sequência de mudanças na taxa de desmatamento ao longo dos anos desde 2012 ter se aproximado do aumento percentual recorde de 2019 duas vezes (em 2013 e 2016). Embora o aumento percentual deste ano seja apenas ligeiramente superior aos dos dois anos com percentuais semelhantes, deve-se lembrar que os dados do PRODES divulgados em 18 de novembro cobrem apenas o ano até 31 de julho, e a taxa de desmatamento nos meses seguintes explodiu até níveis muito acima dos mesmos meses do ano anterior: em agosto, a taxa de desmatamento foi 222% acima do valor de 2018 e o valor de setembro foi 96% maior.
Essa parte do “efeito Bolsonaro” só será refletida nos dados do programa PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), quando os números para “2020” forem divulgados daqui a um ano.
Os aumentos do desmatamento e do fogo são resultados da constante retórica anti-ambiental e das ações concretas no desmantelamento das agências ambientais do país e na suspensão efetiva de multas por desmatamentos ilegais. A retórica e os retrocessos institucionais foram documentados em detalhes em um artigo publicado revista Environmental Conservation e disponível em português no site da Amazônia Real.
O discurso do Presidente e do seu Ministro do Meio Ambiente sugere repetidamente que as leis ambientais podem ser violadas impunemente. Foi enviada uma mensagem clara de que não haverá consequências para essas violações quando os Ministros do Meio Ambiente e da Agricultura visitaram uma plantação ilegal de soja em uma área indígena no Mato Grosso, onde posaram para fotografias com as máquinas e elogiaram a operação.
As pessoas na fronteira do desmatamento não seguem a publicação de decretos e leis no Diário Oficial nem leem os detalhes das mudanças legais relatadas nos principais jornais. Em vez disso, suas informações são provenientes das mídias sociais, que espalham rapidamente as notícias de cada discurso inflamado do presidente e de seus ministros contra as agências ambientais do governo e contra ambientalistas e ONGs ambientais.
É o clima gerado por esse discurso que influencia o comportamento. Este ano, muitas pessoas que foram apanhadas em flagrante por violar uma lei ambiental respondem imediatamente que o presidente “liberou” tudo.
O desmatamento aumentou desde 2012 devido ao aumento contínuo de forças que causam a perda de florestas, como mais estradas que dão acesso à floresta, mais população e mais investimentos. O efeito indireto da expansão da soja, sem dúvida, desempenhou um papel importante, com os plantadores de soja comprando muitas fazendas de gado no Mato Grosso, incluindo fazendas no Cerrado, além daquelas na área que originalmente era floresta amazônica. Esses fazendeiros usam o dinheiro das vendas de terras para comprar terras muito mais baratas na floresta amazônica mais ao norte, especialmente no Estado do Pará, onde desmatam em larga escala para estabelecer novas fazendas.
O Pará é o maior contribuinte para o desmatamento desde 2006, quando ultrapassou o Mato Grosso como o desmatador campeão.
As perspectivas para 2020 são sombrias. Os dados do PRODES para o ano nominal “2020” incluirão o desmatamento que já ocorreu a partir de agosto de 2019, que até agora totaliza 3929 km2 com base no sistema de monitoramento DETER (o total oficial a ser produzido pelo sistema PRODES será ainda maior, já que o sistema DETER não registra parte do desmatamento).
A estação chuvosa já começou, mas, quando a estação seca voltar em 2020, pode-se esperar outro aumento no desmatamento. Nada mudou no discurso da administração presidencial e o desmantelamento das instituições ambientais do país continua. As várias estradas, barragens e outros projetos planejados na Amazônia implicam em mais desmatamento.
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Os novos números de desmatamento confirmam o “efeito Bolsonaro”, apesar das negações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU