14 Novembro 2019
Grãos de soja provenientes de 2,6 milhões de hectares de fazendas não registradas estão sendo exportados para a China e para a Europa através de comerciantes norte-americanos, de acordo com um relatório recém-divulgado.
A reportagem é de Shanna Hanbury, publicada por Mongabay,11-11-2019. A tradução é de Caio Saad.
Considerada uma das principais fomentadoras do desmatamento no país, a soja é a principal commodity brasileira. As exportações somaram mais de 33 bilhões de dólares em 2018. A cifra inclui a safra cultivada em fazendas não registradas, que burlam a legislação ambiental.
No total, 12% das fazendas de cultivo de soja na Amazônia e no Cerrado não possuem registros, e dois terços da safra dos municípios com maior concentração desses pontos cegos seguem para a exportação, a maioria para a China (39%) e a Europa (12%). O mercado doméstico recebe 33%.
As empresas norte-americanas ADM, Bunge e Cargill são as maiores exportadoras de soja destas áreas, além da brasileira Amaggi, maior produtora particular de soja do mundo.
Há mais de 2,6 milhões de hectares de plantações de soja — uma área quase do tamanho de Alagoas — em terras não registradas na Amazônia e no Cerrado, cujo destino principal é China e a União Europeia. Os dados são de um relatório lançado na semana passada pela Trase, uma iniciativa para a transparência de cadeias de produção, em parceria com a ONG Imaflora.
Considerada uma das principais fomentadoras do desmatamento no país, a soja é a principal commodity do Brasil, com exportações avaliadas em mais de 33 bilhões de dólares em 2018. No entanto, por trás desse número estão lavouras em terras não registradas e que possivelmente burlam leis ambientais, segundo Luis Fernando Guedes Pinto, pesquisador colaborador e engenheiro agrícola na Imaflora.
Na Floresta Amazônica e no Cerrado, 12% das plantações de soja ainda não têm registro de terras. Ainda assim, indica o estudo, dois terços da safra dos municípios com maior concentração desses pontos cegos seguem para a exportação, em maior parte para a China e para a Europa, expondo os países importadores a um alto risco de compra de soja irregular.
“Vimos que 88% das plantações de soja na Amazônia e no Cerrado estão registradas, mas 2,6 milhões de hectares ainda não estão”, diz André Vasconcelos, pesquisador da Trase e da Global Canopy e colaborador do relatório. “Foi uma surpresa, principalmente, ver que 67% está sendo exportado.”
Os achados ocorrem em meio a uma grande crise ambiental no Brasil, incluindo o aumento do desmatamento e os incêndios de agosto na Amazônia, ao mesmo tempo em que o presidente Jair Bolsonaro cumpre as promessas de enfraquecer as proteções ambientais desde que assumiu, em janeiro.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) brasileiro dá a proprietários de terras acesso a crédito e títulos de propriedade, mas também os responsabiliza pela conservação de trechos de suas propriedades. Implementada em 2012, a medida exige que todas as propriedades rurais declarem e façam o georreferenciamento de suas terras, uma exigência primária de cumprimento do Código Florestal.
Na época, a medida foi um avanço para alcançar maior transparência e responsabilidade, desde que todos os proprietários de terras fizessem a devida inscrição até 2015. No entanto, o prazo chegou e, em meio a múltiplos adiamentos, uma medida aprovada este ano simplesmente derrubou qualquer data limite específica para registro.
Segundo o estudo, da produção de soja brasileira não registrada, a China importa 30%; a União Europeia, 12%; e o restante vai para o mercado doméstico, em maior parte para a alimentação de gado.
“A gente primeiro calcula a proporção da soja que é exportada de cada município, e aplica essa proporção à área não registrada de cada município”, diz Vasconcelos. “Muitos exportadores não têm ideia se estão comprando com o CAR ou sem o CAR.” A norte-americana ADM e a chinesa COFCO, ambas entre as principais processadoras de alimentos do mundo, correm o sério risco de enviar soja de fazendas não registradas para a China. Já a Bunge e a Cargill, duas outras empresas norte-americanas de commodities, além da brasileira Amaggi, maior produtora particular de soja do mundo, são as principais exportadoras de soja de alto risco para a Europa.
Em comunicado, a Amaggi declarou que 95% de seus fornecedores estão registrados no CAR, acrescentando que possui um sistema de georreferenciamento para avaliação e monitoramento das fazendas responsáveis pelo seu abastecimento de grãos. Bunge, Cargill, ADM e COFCO se recusaram a comentar, transferindo a responsabilidade à Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal (Abiove).
A Abiove contestou o relatório, alegando que os dados das lavouras de soja não registradas no CAR estão superestimados e que os percentuais de áreas sem registro que constam no relatório são questionáveis. “Os dados mais recentes do CAR mostram que até o final de agosto de 2019 havia 498 milhões de hectares registrados na base do SICAR. Isso significa um vazio de apenas 4 milhões de hectares, não 180 milhões de hectares”, afirmou a Abiove em comunicado.
Além disso, a Abiove disse que o desmatamento causado pela soja representa apenas 1,4% na Amazônia e 7% no Cerrado, citando um estudo de agronegócio com dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe).
Somando suas pesquisas aos dados de satélite referentes ao desmatamento coletados pelo Inpe, os autores do relatório também encontraram uma forte correlação entre o número de fazendas de soja não registradas e o desmatamento. “Quase todo o desmatamento recente ligado à expansão de soja aconteceu no Cerrado e na Amazônia”, segundo o relatório.
Em meio à visita de Bolsonaro à China na semana passada em busca de relações comerciais mais fortes, e a um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul em andamento, os autores do estudo pediram que o Cadastro Ambiental Rural fosse incluído como exigência básica para acordos comerciais internacionais. Seria, segundo eles, uma forma de conter o desmatamento ilegal.
“A China é a maior importadora de commodities com riscos florestais e tem o poder enorme de implementar medidas para maior conformidade no Brasil”, diz Vasconcelos. “Vemos isso como uma grande oportunidade para aumentar a transparência na agricultura brasileira”.
Para Fabio Feldmann, ambientalista responsável por boa parte da legislação ambiental da Constituição Federal de 1988, a pressão doméstica é tão importante quanto. “No plano doméstico, temos um terço. Mas quem está comprando? Temos que ter uma cobrança maior da sociedade brasileira”, afirma. Isto é importante também no nível político, ele acrescenta, para que a pressão pela conservação não seja rotulada como uma conspiração comercial contra o agronegócio brasileiro.
Em 17 de outubro, Bolsonaro sancionou a remoção do prazo de registro e de penas pela não adesão ao CAR. A decisão do presidente acontece em meio a uma série de medidas que afrouxam a proteção ambiental, incluindo a ampliação da mineração na Amazônia, a criação de estradas que passam por áreas de floresta virgem e a aprovação de centenas de pesticidas.
O relator do projeto de lei, o senador Irajá Abreu (PSD), defendeu a medida, dizendo que muitas áreas do Brasil rural não possuem forte presença do governo. Logo, os fazendeiros não conseguem se registrar.
Embora a regularização de terras possa ser difícil para pequenos proprietários rurais sem recursos, a soja é uma commodity que só faz sentido para produção em larga escala, de acordo com Luis Fernando Guedes Pinto, da Imaflora. “Para a soja, é uma exigência simples porque são grandes fazendeiros. Pequenos agricultores nem sempre têm acesso a georreferenciamento e à internet, o que é uma barreira. Mas para a soja, em relação aos grandes ruralistas, é o primeiro passo”, disse.
Pinto alerta que, sem um prazo para registro de propriedades, o Código Florestal não se vincula mais a fazendas não registradas. “Sem prazo, não há pressão”, diz. “Ninguém está ilegal, mas não está dentro da lei.” Ele compara a situação a dirigir um carro sem placa, sem precisar seguir nenhuma regra.
O relatório indica que as fazendas de soja estão concentradas em municípios de algumas regiões específicas do Brasil, o que deve facilitar o registro. Em apenas um município, Formosa do Rio Preto, na Bahia, foram encontrados mais de 70 mil hectares de lavouras não registradas e mais de 260 mil hectares de desmatamento.
Em resposta à Mongabay, autoridades municipais de Formosa do Rio Preto afirmaram não ter deparado “com situações em que houvesse plantio de soja ou outro cultivar por grandes produtores sem o CAR”. De acordo com o comunicado, o governo local está trabalhando para o crescimento sustentável e participou de diversas campanhas de registro ambiental, em nível estadual, voltado a pequenos proprietários.
De acordo com Fabio Feldmann, o Cerrado tem sido usado pelo agronegócio como uma moeda troca. “Hoje, talvez o bioma mais ameaçado seja o Cerrado”, diz. “Há uma negociação com ruralistas que é o seguinte: a gente preserva a Amazônia, mas usa o Cerrado.”
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China e União Europeia estão importando soja de fazendas brasileiras não registradas, indica relatório - Instituto Humanitas Unisinos - IHU