14 Novembro 2019
É cardeal e alemão, porém não parece nem um, nem outro. Walter Kasper sorri como um mediterrâneo e, apesar de ser um dos cardeais amigos do Papa e um dos grandes teólogos vivos (assistente de Hans Küng durante cinco anos), não se orgulha de nada. Isso sim, faz teologia de joelhos, como disse dele o próprio papa Francisco.
E, em Barcelona, no segundo dia do Congresso sobre “A contribuição do papa Francisco à teologia e à pastoral”, deu boa prova disso. Tanto que o moderador da mesa, o professor Fuster, despediu assim sua intervenção: “Agradecemos o discurso valente e cálido (pouco alemão) do cardeal Kasper sobre a alegria”.
De fato, sua apresentação, intitulada “A alegria do Evangelho, chave propositiva da fé”, concluiu perguntando-se, com valentia e parresia, sobre a existência da alegria na Igreja. Com essa análise realista da situação: “Na Igreja atual, não somente há alegria. O entusiasmo inicial depois da Evangelii Gaudium desapareceu. A Igreja se encontra novamente no poço de muitos esforços diários, e mesmo assim, de muitas tensões internas”.
A reportagem é de José Manuel Vidal publicada por Religión Digital, 13-11-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
E de fato, continuou o cardeal, “hoje, assim como ontem, muitos dentro e fora da Igreja veem o papa Francisco como portador da alegria e como um maná do céu, mas em troca, proporcionam pouca ou nenhuma alegria a esse Papa”.
Segundo Kasper, estamos em uma situação eclesial com “demasiados escândalos, sobretudo os terríveis escândalos dos abusos que ocupam tudo. É como se uma névoa de desventura tivesse sido depositada em diversas partes da Igreja, não deixando passar a luz e cobrindo tudo o que nela há de bom”.
Nesse contexto de névoa eclesial, as “objeções chovem de distintas partes”. E partes contrapostas dos progressistas e os conservadores. A esses últimos, segundo Kasper, “não gostam da novidade perene do Evangelho e confundem uma Igreja renovada com uma Igreja nova, uma Igreja em saída com uma Igreja que se retira. Não querem uma Igreja sem saída, mas sim uma casa e uma Igreja como refúgio de segurança, em um mundo que desaparece em um movimento cada vez mais acelerado e que, às vezes, parece desbocado”.
Enquanto os conservadores buscam a segurança do “sempre se fez assim”, os progressistas (os quais o cardeal chama liberais, em várias ocasiões), querem outra dinâmica, porém na direção liberal: “a democratização da Igreja, ordenação feminina, abolição do celibato e assim sucessivamente. Projetam essas expectativas sobre o papa Francisco”.
O que acontece, na opinião do purpurado alemão, é que “o papa não é um liberal, mas sim um radical, isso é, alguém que volta às raízes. E, por isso, as expectativas liberais não formam parte da sua agenda. Para ele, o que urge é uma alternativa aos pobres, a crítica ao capitalismo selvagem, o apoio aos imigrantes, uma nova relação com a Criação e uma nova cultura da moderação e da alegria”.
E, por isso, “o Papa decepciona os progressistas e não se adapta à concepção liberal e progressista do sempre mais, sempre mais depressa e sempre segundo à última moda”.
Conclusão: “Tanto os ultraconservadores, quanto os progressistas mais extremos, ficam decepcionados. Os extremos se tocam”.
Decepcionados e escandalizados, tal e como ocorreu com Jesus e com todos os Papas que precederam Francisco. Ainda que, no caso de Bergoglio, “essa contradição se percebe mais claramente devido, entre outras coisas, ao fato de que o panorama midiático na era digital mudou rapidamente e as minorias hoje podem se fazer ouvir com mais força, graças aos novos meios de comunicação. Por isso, a nível digital, a Igreja ainda tem muito a aprender”.
Em qualquer caso e depois de reconhecer a brecha digital eclesial, Kasper assegura, citando Martin Buber, que “a Igreja não é uma agência publicitária e o êxito não é um dos nomes de Deus”. Por isso, a Igreja começa suas celebrações com uma mea-culpa, algo que não fazem “nem agências, nem congressos de partido algum”.
Segundo Kasper, pois, “sempre haverá escândalos na Igreja” e, frente a eles, não cabe não se indignar, nem se lamentar em vão, mas sim suportá-los “com senso de humor”. E de fato, o cardeal alemão propôs que “um dos próximos Sínodos da Igreja deveria reintroduzir a figura do bobo da corte, que coloca diante de nós um espelho para que não tenhamos outro remédio além de rirmos”.
E Walter Kasper concluiu desejando a todos “a alegria da verdade”. Antes, no desenvolvimento da sua conferência, apontou que “a alegria é o sinal distintivo do pontificado de Francisco”, que irrompeu com força no “ambiente de morte” eclesial, depois da renúncia de Bento XVI, o escândalo do Vatileaks e dos abusos do clero.
Por isso, a “Evangelii Gaudium foi um documento libertador” e “trouxe um novo ar à Igreja e um estupor extraordinário ao mundo”. Porque “não podemos ser cristãos com cara de funeral” e “a característica dos anunciadores do Evangelho é a alegria”.
E isso é o que Francisco vem explicando ao longo desses anos com “seu carisma que sabe explicar de uma maneira sensível conteúdos teológicos complicados, para que os ouvintes os entendam e os façam ter vida”. E isso é uma arte e um sinal de profundida no conhecimento: “Meu mestre teológico me disse uma vez: ‘Se entenderes algo de verdade, então poderás explicar de uma forma simples’”.
Essa mesma chave da alegria se repete em outros documentos papais, como a Amoris Laetitia, na qual o Papa chega a falar das alegrias do amor sexual, na Laudato Si’, que é “uma visão genial de que a natureza é o livro de Deus, com o qual nos fala e faz brilhar sua beleza e sua bondade”, e a Gaudete et exsultate, na qual explica a alegria no dia-a-dia do cristão.
Na continuação, quem interviu foi o arcebispo de Tarragona, Joan Planellas, com sua palestra intitulada “Fazer teologia em diálogo com a vida”, na qual, como disse o professor Fuster, “com um discurso claro e sintético e sempre consistente, nos apresentou a teologia como uma teologia do povo, uma teologia em saída como a Igreja, uma teologia ampla e global e sempre em diálogo com a cultura e as ciências”.
Depois de fazer um recorrido histórico do tema que apresentava, dom Planellas, que antes de ser arcebispo foi (e segue sendo) um reputado teólogo, insistiu que, como diz o papa Francisco, “há de se evitar todo divórcio entre teologia e pastoral, entre fé e vida”.
Por isso, na sua opinião, precisa se fazer teologia desde o povo de Deus e desde o sensus fidei porque “todos somos e temos que ser discípulos missionários” e porque “ninguém se salva sozinho”. Disso que a “proposta do Papa se enquadra na Teologia do Povo, que exclui a luta de classes e aposta pelos pobres”.
Se trata, pois, segundo Joan Planellas, de "uma teologia em saída que vai desde a montanha ao monte das Oliveiras, sem cair nem no agnosticismo, nem no pelagianismo". Isso é, uma “teologia em diálogo com a cultura e com as ciências” e que, como pede o Papa, “frequente as fronteiras, recupere a familiaridade do realmente humano, saiba escutar os pobres da terra e estabeleça amizade com eles”.
Uma Teologia atenta à vida das pessoas, porque “os bons teólogos cheiram a povo e à rua e com sua reflexão derramam bálsamo e vinho nas feridas dos pobres”. Como o bom samaritano.
E o teólogo, feito arcebispo (o qual a Igreja catalã, e espanhola, esperam muito), concluiu sua intervenção com essas sete recomendações:
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“O Papa decepciona tantos aos progressistas quanto aos conservadores. Os extremos se tocam”, afirma o cardeal Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU