22 Outubro 2019
Paul Kingsnorth (Inglaterra, 1972) sonhava que a sociedade acabaria acordando. Que mais cedo ou mais tarde abriria os olhos, buscaria soluções e mudaria sua vida para evitar as consequências da crise climática. Sonhou que, como ativista, poderia salvar a Terra e evitar o ecocídio. Mas, foi ele que acabou acordando e precisou assumir que entre manter uma vida repleta de comodidades ou renunciar algumas delas para conter a destruição ambiental, a humanidade optou pela primeira.
“Após anos trabalhando no ambientalismo para salvar o mundo, tinha deixado de acreditar que a luta tradicional fosse eficaz”, escreve o ativista em Confesiones de un ecologista em rehabilitación (Errata Naturae, 2019). Nesta coletânea de ensaios, Kingsnorth - ex-editor da revista The Ecologist, das publicações do Greenpeace e da Open Democracy – afirma que a crise climática é inevitável e explica o motivo pelo qual acredita que o movimento ambientalista esqueceu qual é o seu objetivo. Sua crítica é que foram “absorvidos” pelos partidos de esquerda, que abandonaram o ecocentrismo em favor do utilitarismo e do capitalismo e que sua mensagem se baseia em uma “obsessão monomaníaca”: o CO2 e a redução de emissões.
A entrevista é de Matías de Diego, publicada por El Diario, 20-10-2019. A tradução é do Cepat.
Em seus ensaios, é bastante crítico ao movimento ambientalista. Reconhece que conseguiram colocar suas demandas no centro do debate social e político, mas também afirma que esses êxitos “lhes custaram a alma”. Em que erraram?
Essa é uma das grandes questões levantadas no livro. E o que sinto é que durante muito tempo os verdes tiveram medo de tratar a Terra como um ser vivo a mais ou de fazer valer os direitos do resto dos seres vivos sobre os dos humanos. Na medida em que o tempo foi passando, os verdes foram se tornando cada vez mais utilitaristas. Penso que isso era inevitável, porque estão tentando mudar uma sociedade que não fala de outra coisa a não ser de números e que não está interessada em nada além do crescimento. Mas, talvez isso esteja começando a mudar novamente.
Não souberam perceber que estavam adotando um discurso cada vez mais utilitarista ou não queriam vê-lo?
Talvez um pouco dos dois. Para os primeiros grupos ambientalistas, foi uma decisão pragmática adquirir esse discurso - o do utilitarismo, crescimento e o capitalismo – porque queriam ser levados a sério pelo poder. Mas, em muitos casos, o poder acabou mastigando-os e cuspindo. Os verdes precisam ser muito transparentes nisso e deixar claro que não estão apenas enfrentando a tecnologia e os acordos políticos, mas, ao contrário, estão contra toda a cosmovisão que existe por trás das sociedades baseadas no crescimento industrial: o progresso, o crescimento, o antropocentrismo e o individualismo. É muito difícil, mas é o que se deve fazer.
Também critica que tenham optado por um “enfoque reducionista” no momento de traçar como devemos enfrentar o desafio apresentado pela crise climática.
Há uma tendência - e podemos ver isso nos grupos radicais mais jovens - de colocar em enfrentamento o que chamamos de “o povo” com outra coisa que chamamos de “a elite”. Mas, no caso do discurso ambientalista, é necessário encarar que “o povo” – incluindo a nós - não está disposto a desistir de seus smartphones, fast-food, as viagens de baixo custo, roupas baratas, carros e a tecnologia. Precisamos assumir que as mudanças que necessitamos gerar farão com que todos nós tenhamos que começar a viver de uma maneira mais simples e austera. E não acredito que estejamos dispostos a isso.
Não considero que seja possível culpar os verdes por tentar gerar essas mudanças sistêmicas e falhar na maioria das ocasiões. Em retrospectiva, é muito fácil criticar ou reclamar deles, mas fui ativista por décadas, sendo assim, eu sou tão responsável quanto qualquer um por tudo isso. Não podem ser culpados porque estão enfrentando um sistema muito poderoso, que possui um alcance global e no qual estão encerradas milhões de pessoas.
Foi um erro a aproximação dos ‘verdes’ com a política?
Suas reivindicações são políticas, isso é inevitável. O que eu lamento é o fato de terem se aliado tão estreitamente com os partidos de esquerda. A política ecológica deveria estar muito além do eixo esquerda-direita, ao menos como a entendemos agora. Mas, também é verdade que os partidos de direita adotaram uma posição geralmente hostil frente às reivindicações dos verdes. A partir da política, é possível gerar uma mudança sistêmica, mas não acredito que tais tipos mudanças sejam possíveis.
Considera que já não é possível evitar a crise climática, que reduzir as emissões não resolverá o problema.
Devemos fazer o que for preciso para reduzir as emissões o máximo possível, mas já existe muito CO2 na atmosfera. Agora, que nós todos estamos massivamente comprometidos com a mudança climática, temos que fazer o que estiver ao nosso alcance para reduzir todos os impactos, mas não podemos reverter ou evitá-la. Reduzir as emissões é bom. Mas, se alguém diz que evitará a crise climática reduzindo as emissões, não está dizendo a verdade.
Você propõe se afastar da luta, deixar para trás a ação e passar para a inação. Em que consiste esse processo de reflexão?
Nossas sociedades precisam aprender a parar. Deixe de crescer, deixe de expandir, pare de consumir, pare de criar. Viva e faça isso de forma austera e simples, preste atenção e tente reduzir seu impacto no mundo. Já sabemos o que precisa ser feito, mas as estruturas de crescimento que existem em nossas sociedades tornam isso praticamente impossível.
Outra de suas propostas é construir relatos que falem sobre o futuro, que nos ajudem a entender a natureza como um valor em si. É possível mudar o mundo com base em relatos?
Não sei se é possível, mas sei que já existem relatos que podem nos ajudar. As sociedades tribais e as culturas de baixo impacto climático vêm contando-os há milênios. São histórias nas quais a Terra tem um valor em si, nas quais as pessoas são apenas um animal a mais e nas quais existe um vínculo espiritual entre os seres humanos e o resto do planeta. Temos que aprender novamente a viver em pequena escala, e esses relatos podem nos ajudar.
É possível convencer as sociedades modernas de que a natureza deve ser entendida como um valor em si e não como um meio para atingir um fim?
Provavelmente, não. Mas, temos que tentar, porque se a sociedade não começar a entender isso, entrará em colapso e aprenderemos de uma maneira muito mais difícil.
Alguma coisa mudou desde que você escreveu esses ensaios?
Tudo mudou muito. E essas mudanças, como o surgimento de alguns grandes movimentos ativistas - como Extinction Rebellion e Friday For Future -, deixaram claro que o acordo neoliberal posterior a 1990 está sendo derrubado e algo diferente está surgindo. Além disso, os impactos das mudanças climáticas são cada vez mais rápidos e difíceis de negar. Estamos vivendo no que Winston Churchill chamou de “a era das consequências”. Agora, é necessário ver para onde nos conduz.
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“A política ecológica deveria estar muito além do eixo esquerda-direita”. Entrevista com Paul Kingsnorth - Instituto Humanitas Unisinos - IHU