06 Setembro 2019
O Concílio Vaticano II, mesmo depois de mais de cinquenta anos desde seu encerramento, ainda precisa avançar em alguns pontos que não tem sido aplicados na vida da Igreja. Um dos grandes estudiosos do Concílio e suas conclusões é o Padre José Oscar Beozzo, que em sua longa trajetória teológica tem aprofundado sobre os ensinamentos recolhidos na última grande assembleia da Igreja universal.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
A Igreja se prepara para mais uma assembleia, o Sínodo para a Amazônia, bem menor é claro, mas que na linha do Vaticano II pretende buscar novos caminhos, que fazem referência não só àquilo que está ao interior da Igreja, mas também à questão da ecologia integral, uma preocupação cada dia mais presente na sociedade. O Padre Beozzo define o Sínodo como um grande teste nesse campo.
Na entrevista ele faz uma leitura histórica das últimas décadas da Igreja, tentando mostrar elementos que possam ajudar a entender alguns dos aspectos que aparecem no processo sinodal, numa tentativa de abrir perspectivas de cara ao futuro da missão da Igreja na Pan-Amazônia e dos povos que a habitam, especialmente os povos originários, guardiões ancestrais da Mãe Terra, da Casa Comum.
Recentemente o Papa Francisco falou que o Sínodo para a Amazônia é filho da Laudato Si', a gente poderia dizer que o Sínodo para a Amazônia também é filho do Vaticano II?
Todos os sínodos nascem com a decisão de Paulo VI na última sessão do concilio, dessa novidade na Igreja. O senado, um conselho que não são somente os cardeais, mas associar a Igreja toda, a caminhada da Igreja e os temas mais importantes para a vida da Igreja, a começar pelos presidentes das conferências episcopais, e depois com bispos eleitos por cada Conferência Episcopal a cada sínodo para participar segundo uma proporção. No caso do Brasil são quatro, um por cada cem bispos para cada sínodo.
Os padres conciliares tinham pedido que fosse uma espécie de Senado permanente, de contato para dirigir à Igreja, um colégio. O sínodo, ele não nasce como um organismo permanente, mas também não é uma organismo da cúria. Ele é convocado a cada vez, e segundo, ela não é deliberativo, como são os concílios, ele pode ser se o Papa decidir. Então aquele sonho de conselho permanente e deliberativo, isso não se concretizou até hoje. Só que há uma mudança com o Papa Francisco, ele recupera a intuição inicial, e leva a causa do concílio, com um instrumento solene na vida da Igreja, ele acaba de fazer uma constituição apostólica, que o documento mais solene que o Papa pode fazer fora dos concílios.
Mesmo nos concílios, as constituições são os documentos chave, fundamentais. Então, o sínodo, ele é regido por uma constituição apostólica, e ele quer colocar o sínodo numa posição chave no governo da Igreja.
O Vaticano II foi uma tentativa de abrir a Igreja à realidade do mundo, de escutar os sinais dos tempos uma tentativa de falar para o mundo todo. O Sínodo para a Amazônia aborda o tema da ecologia integral, que uma realidade que atinge a todas as pessoas, independentemente da sua crença, da sua condição. Como o Sínodo para a Amazônia pode repercutir na vida da sociedade, na realidade mundial hoje?
Houve dois momentos nos últimos sessenta anos em que a Igreja colocou um tema fundamental para a vida do mundo todo, que foi a Pacem in Terris, após a crise dos mísseis em Cuba, a questão da crise nuclear, e que o Papa São João XXIII, pela primeira vez, muda a doutrina da Igreja na questão da guerra. Ele diz, diante das armas modernas, químicas, biológicas e nucleares, nenhuma guerra é justa. Sempre teve na doutrina tradicional a guerra defensiva e justa, mas ele disse que nenhuma guerra é justa diante do desastre, da hecatombe que ela pode produzir. Ela foi acolhida no mundo todo, e é o primeiro documento na história da Igreja que não é dirigido às pessoas da Igreja simplesmente. Todos os documentos eram dirigidos aos cardeais, aos arcebispos, aos fiéis, e esse daí é dirigido a todos os homens de boa vontade, a gente diria hoje aos homens e mulheres de boa vontade.
E a Laudato Si' é o segundo documento da Igreja que eu diria tem um impacto tão profundo quanto a Pacem in Terris, porque de novo trata de uma crise de sobrevivência da humanidade e socioambiental. O Sínodo da Amazônia, eu acho que é um grande teste de quanto a Igreja, nessa área tão sensível, como é a Amazônia, em relação ao clima mundial, questões da água, da preservação ambiental, do respeito aos povos que vivem outras formas de vida, ele vai ser um grande passo de quanto a Igreja é capaz realmente de assumir no seu dia a dia, na sua realidade as grandes propostas da Laudato Si'.
A Laudato Si' é um documento que repercutiu na vida da sociedade, às vezes até despertou mais interesse do que dentro de alguns ambientes da própria Igreja. Depois de quatro anos de publicação da Laudato Si', como a gente percebe que isso está tomando corpo, está se introduzindo dentro da sociedade, dentro da vida da Igreja?
Eu penso assim, a Laudato Si', como ela tem esse destino amplo, ela acolhe toda pesquisa, reflexão dos cientistas, que cita diretamente aquele painel da ONU, cita diretamente as conclusões do cientistas e toma como ponto de partida. Acolhe a prática da Igreja no mundo inteiro, e isso é muito importante. Na caminhada em relação às questões da crise ambiental nas Igrejas locais. Um belo documento das Filipinas, onde se pergunta o que vocês fizeram com nosso país, por causa dos desastres, e vai passando documentos da Igreja do Brasil, documento da Igreja da França, documentos dos Estados Unidos. Ela recolhe a caminhada dos Igrejas locais nessa questão.
Mas depois, tem um belo respiro na questão espiritual, logo no começo, dos números nove a doze da Laudato Si', são textos diretos do Patriarca Bartolomeu, patriarca ecumênico de Constantinopla, que é um dos grandes defensores da questão do compromisso das Igrejas com a questão climática. Recolhe documentos do Conselho Mundial de Igrejas, mas depois vai além, ele vai à escuta dos mestres espirituais, das diferentes religiões. Então você tem textos de místicos muçulmanos, ele escuta à humanidade inteira, por meio de grandes literatos, de Borges, na Argentina. Se trata de uma caminhada da humanidade, de um selo de autoridade moral que nenhum outro documento tem. Ele foi decisivo para o Acordo de Paris, a carta o precede em alguns meses e aquilo foi um empuxão do acordo que ninguém esperava que pudesse acontecer.
Daí para frente, eu vejo assim, muitas universidades que lidam com a questão ambiental, o tem como livro de texto, de leitura obrigatória, para várias cadeiras das universidades, o texto do Papa, porque ele acrescenta, não só dados científicos, mas um grande aporte nessa busca, pelas pessoas de boa vontade, os partidos verdes, ecologistas do mundo inteiro, a juventude, ficaram encantados, porque é um texto de grande qualidade, de grande profundidade e apelo. Então, acho que a Laudato Si', você tem razão que alguns ambientes de Igreja, que estão muito voltados só para questões internas, liturgia, muito pano, eles vem a Laudato Si' como algo estranho, mas não é, e sim um texto que está preocupado com o destino da humanidade, preocupado com a crise socioambiental.
O senhor falou sobre o encontro de Paris, um dos seus grandes defensores hoje é o presidente da França, Emmanuel Macron, que de fato, ele insistiu para na última reunião do G7 falar sobre a Amazônia desde esse ponto de vista da preservação ambiental e do cuidado do planeta. Ele chegou colocar no Twitter que nossa casa tinha pegado fogo o que provocou até um conflito diplomático entre o Brasil e a França. Poderíamos dizer que aquilo que o Papa defende nesse campo da ecologia integral está no mínimo provocando questionamentos, uma reação dos líderes políticos no mundo?
Eu penso assim, como eu disse antes, a posição dele tão clara, tão decisiva, tão superior das picuinhas políticas que podem ter, e existem, e são normais, essa posição superior de um apelo à humanidade toda, foi decisiva para que se chegasse a um acordo que se achava impossível os Estados Unidos na época, China, ter se aderido ao acordo, houve uma convergência. E como aconteceu em Paris, evidentemente, a França se sentiu um pouco madrinha do acordo. Eram todos os países, mas ela sentiu essa conferência como própria.
Eu penso que o presidente Macron, ele é defensor antes dessa crise, desse momento, mas também ele está espicaçado, o partido dele afundou, e nas eleições ao parlamento europeu, a segunda força política na França é o Partido Verde, e em vários países da Europa. O político sempre procura para onde o vento está soprando, e o vento sopra neste momento na direção da crise socioambiental, que está reclamando uma política mais severa é mais responsável em relação ao meio ambiente.
O desastre ambiental que o governo Bolsonaro tem provocado na área ambiental, onde houve uma carta de todos os ministros anteriores, e é a segunda, de todos os anteriores ministros do meio ambiente, de governos tão diferentes como Collor, Sarney, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma, todos os ministros, unanimemente, já vinham denunciando esse descaso com a Amazônia, com o meio ambiente, e de modo particular com essa total indiferença em relação ao desastre que está acontecendo na Amazônia, acusando Deus e todo mundo, e não a própria política governamental, onde teve uma carta desses ministros todos, dirigida ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, pedindo uma moratória e parar todas as medidas legislativas que ferem o meio ambiente, que são muitas, abrir as áreas indígenas à mineração, um desastre.
Eles pedem uma moratória, se colocam à disposição para uma consulta pública no país, sobre o sistema, eles se colocam a disposição do parlamento para estar presentes, trazer os cientistas e que o parlamento assuma suas responsabilidades, já que o governo federal é um disparate, o atual ministro de meio ambiente, e todo o que o governo não só vem falando, mas executando, desmonta o IBAMA, desmonta o ICMBio, todos os organismos governamentais que cuidam do meio ambiente, foram realmente desarticulados, destroçados, por esse atual governo.
Outra das questões que aparece no Vaticano II, mas que depois perdeu muita força é a questão de uma igreja ministerial. O Instrumento Laboris do Sínodo para a Amazônia quer recuperar essa Igreja ministerial, e inclusive insistindo no protagonismo das mulheres. Como isso pode repercutir na vida da Igreja na Amazônia e na vida da Igreja Universal, essa tentativa de recuperar uma das linhas principais do Vaticano II?
A grande virada teológica do Vaticano II, no plano eclesial, ela tem duas pernas, se a gente pode dizer assim, a primeira e principal é de deslocar a definição da Igreja da hierarquia. Quando eu estudei teologia, a primeira tese do tratado de eclesiologia era o Romano Pontífice, na primeira tese começava tratando do Papa e também o primeiro esquema preparatório do Vaticano II começava pela hierarquia, e foi uma grande batalha, e o voto decisivo depois do capítulo inicial tratar as grandes figuras da Igreja no Antigo Testamento e no Novo, era o capítulo II, dizer, que é a Igreja? E a definição que se propôs da Igreja é o Povo de Deus.
Isso altera profundamente a base sobre a qual você pensa a Igreja, que é o Povo de Deus. Você desloca da hierarquia, do Sacramento da Ordem, como estruturante da Igreja, para o batismo. Ele que é a estrutura fundante da Igreja, com um sacerdócio régio, profético, de governo, que está em todos os batizados. O apostolado, a chamada à santidade, está em todas as pessoas, não é, como se dizia na Ação Católica, não é o mandato da hierarquia para você poder fazer alguma coisa. Não, não é mandato, o mandato nasce do batismo, e daí deriva uma concepção diferente de ministérios. Batizado deveria ser semente, estar facultado para todos os ministérios, cabe a Igreja regular isso.
Cada batizado poderia em se, desdobrar todos os diferentes ministérios na Igreja, e isso aconteceu no pós-concilio, em todas Igrejas, houve uma profusão de novos ministérios, e muitas Igrejas reconhecem esses ministérios. No dia de Pentecostes há uma grande cerimônia, onde o bispo confere esses mistérios de ministros extraordinários do batismo, do matrimônio, de ministros extraordinários da Eucaristia. Já tem um caminho, e as comunidades, elas mesmas criam os seus mistérios, e todas essas comunidades que o padre acabou fechando, não autorizando os ministérios, quando o padre não está presente, eles tem os ministérios necessários, né. Sempre são mulheres que dirigem a comunidade que pregam a Palavra, que organizam a celebração e os serviços, as visitas. Você tem esses ministérios bíblicos dentro da Igreja. O que falta é um passo de ter um selo de reconhecimento do estado, desses ministérios dentro da Igreja.
Depois do Vaticano II e das primeiras conferência do episcopado latino-americano foi surgindo e se institucionalizando o Conselho Episcopal Latino-americano, o CELAM. Em nível Pan-Amazônico, a REPAM foi uma tentativa, não só desde o episcopado, mas desde a Igreja como um todo, de articular essa caminhada da Igreja Pan-Amazônica. Uma das sugestões do Instrumento de Trabalho é incentivar ainda mais essa articulação Pan-Amazônica, como ajudar a Igreja da Pan-Amazônia a tomar consciência de que a caminhada, a luta, não só da Igreja, como dos povos na Pan-Amazônia são comuns, e a gente tem que caminhar nessa direção de uma Igreja Pan-Amazônica que que vive a fé e caminha junto?
Essa consciência da singularidade da Amazônia nasceu bem antes, você tem iniciativas como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), aqui no Brasil, que é de 1972, e depois começou uma articulação dessas mesmas questões, por exemplo indígenas, com o Peru, Bolívia. Todo o esforço depois de uma teologia índia, ter uma consciência, ter um selo. Essa sempre foi uma região chamada entre aspas de missionária. Nesse momento significava uma Igreja menor, que dependia do estrangeiro que vinha aqui, tinha um pedacinho para cada congregação. Isso foi sendo superado com uma articulação, com um acréscimo nessas dimensões, mas não ia no coração do problema, que era a questão indígena. Acabou havendo uma especie de articulação no cuidado dos povos indígenas na região Amazônica.
Claro que a REPAM acabou consolidando esse caminhar, trazendo outros elementos, né, e ela foi fundamental na preparação do Sínodo da Amazônia. Então, é possível que se consolide uma articulação mais permanente e reconhecida, dentro de estruturas como o CELAM que tem seu departamento de missões, que tem esse espaço amazônico, como aconteceu com o sul de México, com as dioceses de Chiapas, Tecoatepec, como aconteceu com a Amazônia peruana. Depois isso foi se destruindo pela política de nomeação de bispos que permaneceu no episcopado de João Paulo II e Bento XVI, nessas regiões que tinham um ímpeto missionário, uma liberdade.
Estou pensando no Equador com Leónidas Proaño, nos bispos dominicanos na Amazônia peruana. Tudo isso foi muito desarticulado e pode ser reorganizado. O Sínodo está sendo um teste para isso, falta que os bispos assumam, não são todos que assumem, mas a região amazônica é uma área que exige um trabalho no dia-a-dia da Igreja, não de manutenção de estruturas, mais de criação de novas formas de pastoral, de acompanhamento, de formas de viver a Igreja.
Então, a REPAM pode ser um espaço onde essas coisas são chocadas e nascem, e o Sínodo pode dar uma institucionalidade ampla, e não apenas regional. E aí a discussão seriam os trabalhos de como se tecem os laços mais fortes, como acontece no Brasil com a CNBB, como acontece no CELAM e uma articulação missionária aqui na Amazônia. Sempre que se cria um organismo novo, tem que garantir a liberdade de cada membro desse organismo, mas também como ele tece os laços com as estruturas inferiores, isso é um desafio.
Na CNBB, nos diferentes episcopados que fazem parte da Pan-Amazônia, realmente existe essa consciência pan-amazônica que possa ajudar diante das ameaças que a Amazônia e seus povos estão sofrendo hoje?
Eu penso que essa é uma consciência crescente, que não se pode ignorar. Mas eu penso assim, num centro industrial como São Paulo, eles tem um pouco de dificuldade, como Igreja, para dizer, bom a Amazônia é uma problema meu, embora hoje, com todos os estúdios que existem, São Paulo não existe sem os rios aéreos que fazem chover lá em São Paulo e até em Buenos Aires. Uma consciência dessa interligação e que a Amazônia não é questão de pulmão do mundo, pois solta oxigênio e come oxigênio, mas ela é um regulador fundamental para essas regiões do sul do país, onde estão quase dois terços da população e três quartos dos PIB nacional, elas iam ser um deserto, como é o Atacama no Chile, ou os desertos da África. São desertos no sul e no norte, como o deserto de Sonora no México ou o deserto de Gobi, na China, tudo na mesma faixa, que não chove, pela rotação dos ventos, e tudo, menos aqui na América do Sul. Porque a Amazônia é a chave de manter áreas que seriam áridas no restante do mundo, pela formação climática, e não é por causa da floresta amazônica, além de ter um imenso lençol subterrâneo, o maior do mundo, em Álter do Chão.
O Rio Amazonas joga no oceano 18 milhões de metros cúbicos de água, que é mais do que todos os outros nove maiores rios do mundo, e além disso tem esses rios aéreos que são chave na agricultura, também até na Argentina, e que estão ocupando o debate científico, o debate climatológico, e tem clara consciência que essas regiões dependem disso. Aquilo de que tudo está interligado, aqui é muito mais sério, nós vivemos da Amazônia, mesmo zonas que estão distantes.
A consciência de tudo isso foi muito sacudido com o projeto de Igrejas irmãs, aqueles que saíram de igrejas de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, e enviaram seus missionários, e os bispos foram visita-los, ganharam consciência. Não é geral, mas já é diferente de uma total indiferença que havia, lá era para os estrangeiros, não para nós. Essas igrejas não tinham uma conexão, nem faziam parte da CNBB no começo. Só que com o Concilio, João XXIII disse que todos os que tinham responsabilidade ministerial no território venham para o Concilio, e todo mundo apoiou. Os bispos que acataram são incorporados à vida da CNBB, depois ter criado uma comissão interna da Amazônia, o cardeal Hummes ter assumido isso com tanto empenho, eu creio que isso mudou o panorama, e em outros países também.
De todas as intuições que trouxe o Vaticano II, que a gente sabe que depois nem todas foram concretizadas, aquelas que ainda faltam concretizar, até que ponto o Sínodo para a Amazônia pode ajudar nisso?
Eu assinalo dois déficits na recepção do Vaticano II, na questão eclesiológica. Tem três documentos eclesiológicos que são aprovados solenemente e publicados no mesmo dia, no dia 21 de novembro de 1964, a Lumen Gentium, o documento Unitatis Redintegratio, que é parte integrante do projeto de Igreja e suas relações ecumênicas, e também Orientalis Ecclesiarum, o documento do Oriente. A Igreja respira com dois pulmões, o pulmão oriental, o mais antigo, e o pulmão ocidental, latino. E a gente dizia, a Igreja faz assim, mas não, faz assim na área ocidental, latina. Por exemplo, os padres não cassam na Igreja, mas em todas as outras 19 Igrejas orientais católicas, os padres são casados. Numa Igreja que é a grandona, católica, ocidental, tem um regime. Em outras questões, a língua da liturgia é o latim, mas não é, tem o rito alexandrino, que a liturgia é em grego, tem o rito bizantino católico, a liturgia é em armênio, nas Igrejas católicas da Armênia.
Você tem uma diversidade de ritos, e isso é reconhecido na Sacro Sanctum Concilium, essa diversidade faz parte da mesma aprovação da Lumen Gentium, que está de braço grudado com toda a questão do ecumenismo e de braço grudado com o reconhecimento da diversidade e da riqueza das Igrejas católicas orientais. Esse é um déficit, a Igreja continua só pensando na Igreja latina, não pensa que a Igreja católica é formada pela Igreja latina e por 19 Igrejas que não são latinas, e são católicas, e tem regimes distintos, vivem a sinodalidade de maneira muito profunda. O Patriarca Maximus IV no Concilio, ele fez um discurso, a língua oficial era o latim, ele se levantou e falou em francês, desafiando. Não que ele não soubesse latim, foi para desafiar a assembleia.
E depois disse, as Igrejas do Oriente não devem nada à Igreja de Ocidente, nem na sua teologia, nem na sua eclesiologia, nem na sua liturgia, nem nos Padres da Igreja, que são do Oriente, estamos em comunhão com Roma, mas não somos romanos, o qual é uma coisa muito importante, o cardeal Maximus abalou o Concilio. Então, esse para mim é um déficit, quando se trata a Lumen Gentium, nenhuma das escolas de teologia, não trata junto com os outros dois documentos que foram aprovados no mesmo dia e fazem parte de um bloco eclesiológico.
A eclesiologia, ela tem duas pernas, uma que é a Lumen Gentium e outra que é a Gaudium et Spes, a Igreja no mundo de hoje, ela não existe para sim, ela tem uma missão no mundo, ela existe para fora. Não se pode pensar a Igreja sem amarrar essas duas pontas. Eu me recordo nos cinquenta anos do Vaticano II, eu estava numa comissão, estava tudo sendo decidido assim, num ano a constituição sobre a liturgia, outro ano não sei o que, e eu falei, onde está a Gaudium et Spes, como se isso caísse das nuvens. Aí assumiu, o ano 2016 foi consagrado ao estudo da Igreja na sociedade, o serviço na sociedade, mas ela escapa nos seminários, escapa na vida cotidiana. Sem pensar que nós não somos católicos, não somos fieis ao Concilio se não amarramos essas duas pontas, que o regime interno da Igreja está ligada a sua missão no mundo. Essa é outra grande questão, esse é outro grande movimento eclesiológico fundamental para que a Igreja não se feche em si mesma como vem acontecendo nos últimos tempos.
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“O Papa Francisco quer colocar o sínodo numa posição chave no governo da Igreja”. Entrevista com José Oscar Beozzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU