23 Julho 2019
Esta é uma conversa sobre os 3, mas talvez até os 5 graus a mais que a Terra poderia alcançar até o final do século. Sobre o Antropoceno, ou seja, a época, esta, na qual o homem domina a existência de todos os seres vivos. Sobre as mudanças climáticas e suas consequências. Mas não entrem em pânico. Porque esta é, acima de tudo, uma conversa sobre as opções, muitas, que temos para reverter o curso; na esperança concreta de ter um futuro melhor; nas redes de colaboração que podem fazer a diferença. Sobre a ciência que precisa das disciplinas humanísticas e sobre as cidades que exigem uma revolução, inclusive no design. Sobre um razoável otimismo. E se quem fala isso é Harini Nagendra, ecologista e professora de Sustentabilidade na Azim Premji University em Bangalore, e Erle Ellis, cientista ambiental, professor da Universidade de Baltimore com um currículo imenso, significa que acreditar é uma possibilidade.
A entrevista é de Annachiara Sacchi, publicada por La Lettura, 21-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Nós não gostamos de utopias", afirmam os cientistas entrevistados.
Claro, vocês são cientistas. O que podemos esperar?
Harini Nagendra – Cientistas não são suficientes. O estudo das transformações da paisagem requer um profundo entendimento dos diversos fatores sociais, culturais e econômicos da mudança.
Erle Ellis – Nós não sabemos como o futuro será. Depende de como as sociedades interagirem entre si. No momento, esperamos um planeta em que seja mais difícil viver, com um ecossistema mudado, diferente.
Harini Nagendra – O difícil é mudar nosso comportamento para mitigar os efeitos do Antropoceno. Penso nas cidades, nascidas quando o problema não existia, onde continuamos a construir como se a questão existisse apenas nos livros. E destinadas a crescer, porque as populações se concentram ali. Vamos tomar como exemplo Milão: vai receber as Olimpíadas de Inverno, o que vai construir? Que edifícios vão ser erguidos? Mas, principalmente, o que acontecerá com as pessoas mais pobres?
Exatamente, o que vai acontecer?
Harini Nagendra – Nem todos poderão contar com as mesmas condições de vida, este será o efeito mais devastador do Antropoceno. O ponto não é "a humanidade vai sobreviver ou não", mas "quem sobreviverá dentro da humanidade". Os pobres terão que pagar as maiores consequências, países como Bangladesh sofrerão mais do que ... vejamos ... Nova York. Estamos percebendo isso?
Erle Ellis – Obviamente depende, não é um processo uniforme. Mas a consciência está crescendo rapidamente. Como o compromisso. Uma das perguntas que mais escuto é "O que devo fazer?" A resposta não é simples nem direta, e deve levar em consideração que vivemos em um mundo em que são evidentes enormes desigualdades. O futuro da humanidade, e não só isso, também depende do enfrentamento desses problemas de forma justa. É preciso entender se apenas poucos poderão adotar certos comportamentos, ou se a mudança envolverá as massas.
Vocês estão otimistas?
Erle Ellis – Eu sou um otimista com reservas. A chave para o otimismo é não esperar a utopia. Naturalmente, o futuro não será perfeito, muitos problemas continuarão a existir, mas podemos e devemos enfrentá-los. Sem pretender resolver as alterações climáticas com um piscar de olhos e, ao mesmo tempo, sem prospectar cenários apocalípticos. Não é realista imaginar mudar tudo de repente. A mudança ocorre tornando as pessoas mais sensíveis.
Harini Nagendra – Na Índia ninguém fala sobre aquecimento global, é como se as pessoas ainda não conseguissem fazer conexões apropriadas sobre o tema. E então devemos trabalhar na conscientização, que é um objetivo complexo tanto quanto os temas em jogo. Aqui estão elas: as mudanças climáticas que efeitos terão sobre as migrações? Os habitantes de Bangladesh submergido para onde irão? Quem eu quero ajudar? O que é meu e o que não é? São perguntas que impõem reflexões imponentes, e então o otimismo se torna ético, porque significa não desistir, porque não há outro planeta. Desistir não é uma opção, otimismo é compartilhar.
Vocês não têm fé em demasia na humanidade?
Erle Ellis – Os homens são a força mais poderosa da Terra. A Terra está se superaquecendo porque os homens construíram seu mundo. Quando as pessoas colaboram, podem fazer mais ou menos qualquer coisa, não é uma questão de força, mas de cooperação, e trabalhar juntos para resolver problemas é a condição para um futuro melhor.
Mas vocês disseram que o aquecimento global divide o mundo entre ricos e pobres, entre aqueles que se afogarão e aqueles que se salvarão nos arranha-céus hiper- tecnológicos.
Erle Ellis – Mais que a guerra, falamos de lutas, de conflitos. Mas sempre foi assim, muitas sociedades tiveram que enfrentar desafios ambientais no passado. Algumas entraram em colapso, outras se salvaram. Quais? Simples: aqueles que souberam distribuir recursos. Sobrevive-se quando os grupos de pessoas concordam em apoiar-se uns aos outros. É possível enfrentar qualquer desafio quando se é socialmente forte.
Harini Nagendra – A escola é o ponto de partida. Mas tenha cuidado, ensinar a separar o lixo e pegar o ônibus todos os dias está correto, mas se isso continuar sendo uma ação individual, pode se tornar deprimente e dar a sensação de ser uma gota no oceano. E se esse sentimento chegar às crianças, então está perdido. Quando, ao contrário, se fala sobre cooperação, se propõem trabalhos em grupo e eles são feitos, a perspectiva muda. É preciso dar exemplos fortes e concretos. Como o dos garotos de uma aldeia indiana que enviou de volta a várias empresas suas embalagens dizendo: "Nós gostamos de seus produtos, mas o resto não queremos". Assim nasce a consciência civil.
Partir de baixo, dos pequenos exemplos, é suficiente ou é preciso que os líderes governamentais comecem uma mudança real?
Harini Nagendra – É claro que os chefes de estado são necessários, mas a política responde ao que as pessoas pedem ...
Vocês nunca se sentem desmotivados?
Erle Ellis – Não. Por uma razão simples: há sempre uma possibilidade. Para um futuro melhor ou pior. Mesmo que fôssemos chegar aos famosos 5 graus. Se você renunciar à esperança, perderá a força para moldar o futuro.
Então, devemos estar confiantes?
Erle Ellis – Sim. É importante concentrar-se no futuro que podemos criar em vez dos maus hábitos que devemos evitar. Costumamos dizer isso em nosso grupo de trabalho: o que teria acontecido se Martin Luther King tivesse dito "Eu tenho um pesadelo"? Sua genialidade foi ver os cenários possíveis em um momento tremendamente difícil. E isso fez a diferença.
Harini Nagendra – Quando se fala de emergência climática, é necessário estimular as pessoas a raciocinar no curto prazo. Se você fala em 2100 ninguém se interessa, mas se você pensar em 2029, as pessoas dizem oh, isso vai acontecer durante a minha vida, talvez tenhamos que arregaçar as mangas e fazer alguma coisa.
Vocês diriam as mesmas coisas para jovens e idosos?
Harini Nagendra – Não. Eu diria ao idoso: "Faça alguma coisa agora". Eu daria ao jovem uma perspectiva de longo prazo. As mães, que pensam nas novas gerações, geralmente são o público mais atento e propositivo.
Erle Ellis – Transmitir a mensagem certa é importante. Assim como fazem as campanhas publicitárias, precisamos estar em sintonia com as pessoas e seus interesses. E nos perguntar: "As pessoas estão interessadas em dois graus? Elas têm alguma ideia do que dois graus significam ao longo de uma vida? É muito difícil para os cientistas transmitirem um conceito abstrato como a temperatura.
Então, é um problema de má comunicação?
Erle Ellis – Não, não apenas isso, pelo menos. O problema é a energia, o que acontece se não mais queimarmos combustíveis fósseis, algo que devemos fazer rapidamente. Com enormes perdas e enormes consequências para as populações mais pobres que até agora viveram graças à energia de baixo custo.
As populações mais pobres podem ter atitudes verdes?
Harini Nagendra – Falamos frequentemente de maus hábitos, mas não de infraestruturas, muito menos de cidades que deveriam ser projetadas para que você possa fazer suas compras perto de casa, sem precisar usar o carro todas as vezes. Em vez de criticar certos maus comportamentos, devemos nos concentrar no que podemos fazer.
Erle Ellis – Eis uma boa lição para Milão: é preciso uma design revolution. Penso nas cidades, mas também nas roupas, visto que as temperaturas subirão e teremos que estar prontos. As coisas podem mudar se houver uma forte motivação na base. Estou dizendo que o impacto do homem pode ser sistematicamente reduzido.
E assim salvar a natureza?
Erle Ellis – A natureza vai bem; é a sociedade que não sabe se adaptar às mudanças que ela própria provocou.
A revolução, portanto, precisa partir dos arquitetos, urbanistas e designers?
Harini Nagendra – E das escolas. Sem insistir nos aspectos científicos da mudança climática, mas introduzindo uma abordagem interdisciplinar ao explicar o que está acontecendo, envolvendo as matérias humanísticas. O que precisamos é de um pouco de imaginação. Precisamos de pessoas que trabalhem com imaginação e falem sobre o mundo: poetas, escritores, artistas, almas que saibam inspirar.
De que país o exemplo pode partir?
Harini Nagendra – De todos, cada um com sua própria especificidade.
Erle Ellis – Por enquanto, os Estados não estão muito envolvidos. Eles falam sobre isso, discutem, estudam, mas não fazem muito.
Então nada está acontecendo?
Erle Ellis – Não, as coisas acontecem. E para melhor. Mas a questão divide, enquanto a emergência climática pertence a todos porque todos queremos um futuro melhor. E a única maneira de lidar com isso é reconstruir as cidades.
Harini Nagendra – Grandes investimentos são necessários para sensibilizar a opinião pública.
Erle Ellis – E cooperação, a partir dos centros urbanos.
Harini Nagendra – Experimentando coisas simples, mas inovadoras. Imaginando o pior e o melhor 2029.
Como você se veem daqui a dez anos?
Erle Ellis – O pior: mais divisões, as sociedades incapazes de reagir, ninguém que concorda sobre o que fazer. O melhor: aquele em que se vê uma verdadeira colaboração entre sociedades, em que a maioria das pessoas está focada no futuro. Dez anos são poucos para obter resultados, mas poderia haver uma inversão. Pensem no hábito de fumar: antigamente era descolado, hoje não mais. Da mesma forma, pode-se mostrar o quanto é errado apoiar determinadas atividades, depois dos cigarros cabe às emissões.
Harini Nagendra – Eu concordo. O desafio agora vem do mercado, dos investimentos.
Pensar em ganhar dinheiro mais que com o petróleo? Parece impossível.
Harini Nagendra – Os governos devem entender isso, mas é óbvio que é difícil. É por isso que a opinião pública é necessária. Nós queremos a "pressão popular".
Erle Ellis – Isso pode ser feito. E também grandes empresas podem fazê-lo, sua reputação está em jogo (pensem no negócio dos cintos de segurança, que antigamente não existia). Investir em um futuro melhor não é loucura, mesmo que não acreditemos na utopia.
Harini Nagendra – Com pessoas que se comprometam todos os dias para resolver o problema.
Cientistas na linha de frente?
Erle Ellis – A ciência não te diz o que fazer, te diz o que acontece. Para ter o futuro que queremos, tudo depende da colaboração.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Clima, a nova luta de classes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU