18 Setembro 2017
Renda básica universal, semana de trabalho de 15 horas, ampla abertura das fronteiras... O historiador Rutger Bregman nos explica sua estratégia para mudar o mundo.
O historiador e jornalista holandês Rutger Bregman escreveu um ensaio resolutamente otimista sobre as capacidades que as nossas sociedades têm para se comprometerem com a inovação social. Solidamente documentado, Utopies réalistes (Utopias realistas) foi traduzido para 17 países e é um sucesso nos Países Baixos e no Reino Unido. Renda básica, redução drástica do tempo de trabalho, abertura das fronteiras... tudo está aí. Delirante? Menos do que possamos imaginar.
A entrevista é de Jean-Claude Noyé, publicada por La Vie, 23-08-2017. A tradução é de André Langer.
O título do seu livro é um oxímoro assumido. O que você quer dizer com “utopias realistas”?
Na introdução, eu cito o escritor Oscar Wilde: “O progresso é a realização das utopias”. A abolição da escravatura, o estabelecimento da democracia e a marcha pela legalidade entre homens e mulheres são algumas das utopias nas quais apenas um punhado de vanguardistas acreditava outrora. Na sua época, eles eram descritos como irrealistas. Mas elas se tornaram realidade.
Quais são, então, os pontos-chave da sua utopia para o futuro?
Eu vou mencionar quatro: a erradicação total da pobreza no mundo, uma reavaliação do que é o trabalho com uma drástica redução do tempo que lhe é concedido, a instauração da renda básica, a ampla abertura das fronteiras aos trabalhadores migrantes. Para cada um desses pontos, eu apoio o meu argumento em estudos rigorosos realizados por institutos especializados. Eles mostram que esse programa é viável e derrubam os estereótipos. Como a ideia de que, se os pobres receberem dinheiro, deve haver uma contrapartida da parte deles e haver um controle dos resultados esperados. Eu cito um estudo do Banco Mundial que mostra claramente, ao contrario, que os melhores resultados são obtidos quando a distribuição de dinheiro é feita sem contrapartida. Os pobres conhecem suas necessidades muito melhor do que os burocratas da ajuda ao desenvolvimento. A pobreza é um dos maiores desperdícios de potencial humano. Sua erradicação teria efeitos positivos globais, inclusive para os países ricos. Eles têm interesse nisso.
Outra causa que está perto do seu coração, a semana de 15 horas... Você não está sendo arrojado demais?
Eu estou convencido de que nós podemos, em um primeiro momento, reduzir a semana de trabalho remunerado em um terço. Não se trata, no entanto, de sentar no sofá e não fazer mais nada. Existem muitas atividades não remuneradas, portadores de sentido e socialmente úteis para fazer. Cada vez mais pesquisadores afirmam que um dos principais desafios do futuro é o tédio. De fato, nós estamos dando grandes passos rumo a um mundo em que, quer queiramos ou não, o trabalho se tornará cada vez mais raro. Até mesmo o trabalho acadêmico será, no longo prazo, ameaçado pela digitalização e pela robotização. No entanto, a nossa sociedade continua assentada sobre o valor do trabalho. Nós devemos tomar todos os empregos, todo o nosso tempo e estruturar as relações sociais. Mudar o paradigma implica um sistema educacional completamente diferente, destinado a preparar os jovens para a vida em geral, em vez de ajudá-los a entrar no mercado de empregos inúteis, quando não perigosos. Hoje, 30% a 40% dos jovens altamente diplomados ganham muito dinheiro, especialmente no setor da especulação financeira, para exercer atividades tóxicas. Podemos continuar por muito tempo assim?
Mas como podemos apoiar economicamente uma drástica redução do tempo de trabalho, do jeito que você propõe?
Você acredita que o que estamos fazendo atualmente é economicamente sustentável? Veja os efeitos do esgotamento dos recursos naturais e do aquecimento global. Obviamente, esse sistema não está funcionando... Pelo contrário, uma redução no tempo de trabalho no nível global poderia reduzir significativamente a quantidade de CO2 emitida no século XXI. De fato, nós sabemos que os países que tem a semana de trabalho mais curta também possuem uma pegada ecológica mais branda. Para consumir menos, é preciso começar a trabalhar menos ou, melhor, para consumir a nossa prosperidade sob a forma de lazer.
Pesquisadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT) também demonstraram que a partilha do trabalho contribuiu, em grande medida, para a resolução da última crise financeira. Esta medida, especialmente em tempos de recessão, com um desemprego atingindo picos e uma produção que excede a demanda, pode ajudar a atenuar o choque. O que é menos conhecido: os países com a semana de trabalho mais curta também estão no topo da classificação da igualdade entre homens e mulheres. Finalmente, os países com maiores disparidades de riqueza são aqueles que têm justamente a semana de trabalho mais longa. Evidentemente, a redução no número de horas trabalhadas não pode ser feita de uma só vez. Ela deve voltar a ser novamente um ideal político e, por exemplo, ir de mãos dadas com o desenvolvimento de um sistema de pensões mais flexível e de disposições favoráveis à licença paternidade e à assistência à infância.
O que você espera da renda básica, que é, na sua opinião, o complemento desta redução do tempo de trabalho?
Pela primeira vez na história, nós somos ricos o suficiente para financiar uma renda básica confortável. Isso permitirá que uma pessoa possa recusar um emprego que ela não quer. Será a primeira vez na história. As pessoas terão finalmente a opção de escolher a quantidade de tempo que elas querem consagrar ao trabalho remunerado e o volume de tempo que elas dedicam ao trabalho voluntário ou à sua própria vida. Seus dias serão menos monótonos e elas deixarão de estar presas de manhã até a noite aos seus computadores, em seus escritórios. Com a renda básica, uma pessoa não se sentirá mais obrigada a estudar contra a sua vontade, exclusivamente com o objetivo de ganhar dinheiro.
Eu relato no meu livro a experiência chamada Mincome, realizada na década de 1970 em Dauphin, no Canadá. Infelizmente, ela ficou limitada no tempo; mesmo assim, foi um sucesso, como relata uma vasta literatura. O desempenho acadêmico de jovens adultos, que retardam o casamento, melhorou consideravelmente. O tempo de trabalho diminuiu apenas 1% para os homens e 3% para as mulheres, o que invalida totalmente o argumento de que a alocação automática de uma renda mínima garantida tornaria as pessoas preguiçosas. O mais notável foi uma queda de 8,5% no número de hospitalizações. Anos depois, a violência doméstica também diminuiu. Quatro outras experiências temporárias foram realizadas na década de 1960 em cidades dos Estados Unidos, com o mesmo impacto positivo.
Então você acredita em uma reorientação virtuosa da sociedade graças à renda básica?
Com certeza. Eu penso, por exemplo, que o mercado de trabalho vai mudar e que a diferença entre o trabalho forçado e a atividade realizadora desaparecerá. Resta saber se essa renda incondicional deve ser usada para pagar coisas básicas e tirar as pessoas da pobreza ou para satisfazer as necessidades. Mas isso não é uma panaceia. A sua implementação deve ser acompanhada por uma política social abrangente destinada, por exemplo, à fixação dos preços dos aluguéis nas grandes cidades, por exemplo, em Paris. Porque, de fato, uma renda básica de mil euros não permite viver ali de forma decente. Ainda assim, permitiria àqueles que querem morar em cidades menos caras fazê-lo mais facilmente...
Como você justifica a abertura ampla e incondicional das fronteiras aos migrantes?
A União Europeia está gastando milhões para afastar as pequenas embarcações do Mediterrâneo. Isso não freia o afluxo de candidatos à imigração, mas permite que os traficantes de seres humanos façam negócios e custe a vida de milhares de pessoas... O artigo 13 da Declaração dos Direitos Humanos não afirma que todos têm o direito de deixar o seu país? Em um século, talvez, nós vamos olhar para essas fronteiras da mesma maneira como nós olhamos hoje para a escravidão e o apartheid. Ainda de acordo com o Banco Mundial, se todos os países desenvolvidos permitissem a entrada de apenas mais 3% dos imigrantes, os pobres do mundo inteiro teriam 305 bilhões a mais à sua disposição. Isso corresponde a três vezes a soma total de todas as ajudas para o desenvolvimento!
Um leitmotiv atravessa o seu livro: as ideias, por si sós, podem mudar o mundo...
A vanguarda de ontem é o senso comum de hoje. A questão não é saber se as novas ideias podem superar as antigas, mas como. Tome o pensamento neoliberal e suas implicações econômicas. Após a guerra, ele foi totalmente marginal. Em menos de meio século, seus promotores, os economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman, alternados por think tanks, depois jornalistas e políticos, derrotaram o pensamento de Keynes, defensor da regulação do mercado pelo Estado. Hoje, a esquerda é culpada por ter fracassado na proposição de uma alternativa confiável (e que faça sonhar) ao capitalismo desenfreado. Falta-lhe o ingrediente mais essencial para a mudança política: a convicção de que existe realmente um outro caminho. Ora, sempre e necessariamente existe uma alternativa. A semana de quinze horas, a renda básica universal e um mundo sem fronteiras... estes são sonhos loucos, mas por quanto tempo?
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Utopias realistas. “Sempre existe uma alternativa”. Entrevista com Rutger Bregman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU