09 Agosto 2017
"As ONGs que operam no Mediterrâneo fariam melhor em aceitar o código sugerido pelo Ministro do Interior, Marco Minniti. Não deveriam insistir ideologicamente sobre os homens armados a bordo dos navios, porque isso alimenta um debate surreal e hipócrita que distrai do verdadeiro objetivo: salvar o maior número de vidas". Massimo Cacciari, filósofo, ex-prefeito de Veneza e homem de esquerda, tenta olhar um pouco além da escolha de organizações, como a Médicos Sem Fronteiras, de não assinar o código . "Eu o aceitaria, mas contrapor que aqueles que não o compartilham estejam do lado dos contrabandistas de pessoas é inaceitável".
A entrevista é de Gianluca Roselli, publicada por Fatto Quotidiano, 08-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, Ernesto Galli della Loggia escreve que as ONGs precisam escolher entre a Itália e os contrabandistas.
Parece-me um debate mesquinho e enganoso. Parto de uma suposição: no Mediterrâneo nos últimos anos morreram centenas de milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças. Uma tragédia inaceitável. Eu vi isso. Se, eventualmente, existem algumas ONGs mancomunadas com os contrabandistas parece-me um fenômeno marginal em comparação com a tragédia humanitária que estamos testemunhando. Existem denúncias por parte dos magistrados, e em alguns casos, inclusive imagens. Essas situações serão avaliadas pela magistratura e pelas forças da lei. Diante de tragédias como essas podem existir patifes vindos qualquer lugar, prontos a explorar a situação na tentativa de enriquecer. Mas a premissa é que no mar há centenas de pessoas que morrem ou que correm o risco de morrer. Vamos tentar não cair na mais completa barbárie.
Em sua opinião, as regras impostas pelo governo italiano estão corretas?
Que o governo deixe subir quem quiser a bordo nos navios das ONGs. Se isso servir para evitar situações ambíguas, vamos colocar a bordo magistrados e policiais armados. Se as ONGs insistirem nesse ponto, estarão fornecendo um álibi para uma discussão inútil. Não é este o problema. O que me interessa é que seja salvo o maior número possível de vidas. Mas suspeito que na Itália há pessoas, que querem tornar as operações de resgate mais difíceis. Eu me pergunto se todas essas palavras não estariam servindo para cobrir a intenção de deixar entrar um menor número de migrantes.
É uma acusação ao governo Gentiloni?
Mais um aviso para a esquerda. A imigração é um assunto extremamente delicado sobre o qual será articulada a próxima campanha eleitoral. As políticas anti-imigrantes angariam votos para a direita. Se a esquerda segue Salvini nesse campo vai acabar se desnaturando e o seu povo não a seguirá mais. Além disso, ao se rebaixar ao nível dos populistas, entre o original e a cópia, as pessoas sempre escolhem o original. O governo Gentiloni está fazendo o que pode. O verdadeiro culpado é a Europa.
Totalmente ausente?
A Europa não se envolve com a imigração e com tantas outras áreas, como a política industrial. Se em Bruxelas e Estrasburgo não se ocupam dessas coisas, com o que deveriam se ocupar? Na costa da Líbia não deveriam ir só os navios italianos, mas um verdadeiro contingente europeu. Mas, ao contrário, vamos para lá sozinhos, sem a ajuda de ninguém, nem mesmo daqueles que deveriam.
E quem seriam?
A França, que na Líbia desde 2011 só vai somando desastres: nisso Macron parece um digno herdeiro de Sarkozy. Ele age, mesmo em nível diplomático, mas em seguida cai fora, deixando-nos sozinhos para lidar com a situação. Vamos voltar para as ONGs. Algumas parecem assumir comportamentos ambíguos, borderline. Não devemos perder de vista o aspecto mais importante. As ONGs estão ali porque nenhum país tem condições de realizar tantas operações de resgate, suprem um vazio da Europa e até da Itália. Jogar a culpa nelas está errado, é o sinal de um embrutecimento geral diante de uma tragédia humanitária.
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Migrantes no Mediterrâneo. “Salvar o maior número de vidas”. Entrevista com Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU