04 Fevereiro 2016
Para o filósofo e ex-prefeito de Veneza, Massimo Cacciari, "é preciso realismo histórico. Agora, entre as pessoas, as uniões civis são um fato adquirido, e é impossível ignorar as transformações".
A reportagem é de Paolo Berizzi, publicada no jornal La Repubblica, 01-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O governo italiano segue em frente. Faz bem?
Sim.
Mesmo depois do Family Day no Circo Massimo?
A manifestação deve ser respeitada e compreendida. Expressa uma sensibilidade generalizada. Mas é uma praça contra a outra. Um a um, e bola no meio de campo.
E decide quem governa?
Não é esse o ponto. O ponto é que é necessário realismo histórico. Agora, as uniões civis são algo adquirido, culturalmente falando. Todos os países ocidentais estão indo nessa direção: eu me dou conta de que é algo extraordinário, mas estamos diante de uma transformação radical, social e cultural, que não pode ser ignorada.
Ninguém a ignora: é apenas uma questão de posições.
Se o senso comum e a orientação dominante superaram certas fronteiras, devemos nos adequar à história. É inútil ficar aí se perguntando por que e como. As leis caminham no mesmo ritmo.
Mas o problema, no entanto, surge: ou não?
É claro. Eu também entendo que é difícil aceitar a velocidade com que a nossa civilização muda. Até 50 anos atrás, no Ocidente, era impensável imaginar os cenários que hoje tomamos como óbvios. São um fato. Não tem história. Parece-me incrível como se abordam, com insustentável leveza, problemas que dizem respeito a sistemas de civilização Aqui, não se trata de leis e de emendas: é o conceito de família tradicional, que já foi ultrapassado.
Pode explicar?
Falar de família como ela era concebida antigamente significa defender uma trincheira já indefensável. Esses encastelamentos são até patéticos. Se chegamos ao cumprimento de novos tipos de família, isso significa que a história nos trouxe até aqui. No plano político e metodológico, estamos diante de uma tendência irreversível. Depois, haverá as sedes oportunas para se avaliar caso a caso.
Do matrimônio à união civil.
O termo matrimônio, neste ponto, deveria ser mudado. Porque a palavra "matrimônio" pressupõe a presença de uma mulher e de um homem. Agora, até eu, que sou solteiro, sou uma família...
Não lhe parece estranho?
Eu sou o último que pode julgar isso. É claro que o tema não podia e não pode ser abordado assim, superficialmente. Porque o fato de que qualquer tipo de união entre humanos é considerado como família, certamente, é surpreendente. Se pensarmos a respeito, desde que temos memória histórica, a família é formada por um homem e uma mulher. Mas, repito, a história segue em frente, e não reconhecer os seus sinais é impossível.
Então "sim" às uniões civis e "sim" também às adoções por parte das "novas famílias"?
As adoções vêm por consequência. Se seguirmos em frente, seguimos em frente em tudo. Depois que você reconheceu legalmente que dois homens são uma família, nesse ponto, você não pode impedi-los de adotar. É uma questão de coerência da política em relação à evolução da sociedade.
As grandes marcas comerciais entraram na onda e "piscam" para os novos clientes...
É normal. Se você tem que vender, você segue a moda. É a lei do marketing. Quem se surpreende com isso é ingênuo.
A pressão sobre o "Renzi católico" [em referência ao primeiro-ministro italiano] é normal?
Agora há pouco para se pressionar. A situação mudou. Acabaram-se os tempos em que a Igreja, ou parte dela, pressionava com a Democracia Cristã os temas sociais. Com o Papa Francisco, esses mecanismos desapareceram. A ingerência não faz mais sentido. Mesmo assim, a resposta do governo depois do Family Day dá a entender que, agora, as uniões civis vão se tornar lei.
É só o sinal da evolução ou também uma oportunidade para se aproveitar?
Isso nós vamos ver depois. Vai ser o tempo que vai definir se e quais vantagens isso vai trazer.
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Uniões civis: "As trincheiras devem ser superadas". Entrevista com Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU