02 Julho 2019
“Foi uma grande alegria recebê-lo”. Por telefone, a voz vibrante de dom Flávio Giovenale, bispo de Cruzeiro do Sul, no estado do Acre, Brasil, testemunha a satisfação pela recente publicação do Instrumentum laboris do próximo Sínodo dos Bispos dedicado à região panamazônica.
A reportagem é de Fabio Colagrande, publicada por Vatican News, 30-06-2019. A tradução é do Cepat.
O prelado é um missionário salesiano, de origem piemontesa, que durante anos dirigiu a Região Norte II da Conferência Episcopal Brasileira e como bispo conhece profundamente a igreja amazônica.
“Foi um documento muito aguardado – explica aos microfones da Rádio Vaticano Itália – e foi preparado levando em consideração também nossas sugestões. Parece-me que, realmente, apreendeu o que nós no grupo da Amazônia Oriental Brasileira tínhamos proposto”.
Colocando novamente a população amazônica no centro
O documento, intitulado Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, pede um processo de conversão ecológica e pastoral que permita ser seriamente questionado pelas periferias geográficas e existenciais.
“A conversão ecológica – argumenta dom Giovenale – significa colocar no centro a população concreta. O Papa Francisco utiliza muitas vezes este conceito e não é por acaso que denunciou, em Puerto Maldonado, em 2018, uma corrente ecológica que coloca em primeiro plano a proteção de animais e plantas e se esquece do ser humano. Aqui, no entanto, partimos da necessidade de colocar no centro a população amazônica”.
“Nós nos perguntamos como esta população vive e como podemos garantir que tanto o ambiente físico como o pastoral respeitem esta realidade concreta”.
Uma conversão ecológica que parte do real
“É uma realidade particular, enormemente diferente, por exemplo, da Itália”, acrescenta o bispo de Cruzeiro do Sul.
“Se tomássemos as proporções amazônicas e as aplicássemos na Itália, teríamos só duas dioceses em todo o território, com uns sessenta sacerdotes. Teríamos um sacerdote para cada província e meia”.
“Isto deixa claro que a ‘conversão ecológica’ deve partir do real. Certamente, assume princípios ‘belos, bons e santos’, mas é necessário levar em consideração que estes princípios são bons para uma realidade diferente, como a do sul do Brasil, por exemplo, que é muito diferente da nossa. Devemos partir da realidade concreta em que vivemos e garantir que o Reino de Deus seja anunciado e inseri-lo aqui”.
O dano de uma persistente mentalidade colonial
O Documento de Trabalho do próximo Sínodo descreve, então, uma Amazônia ameaçada pela destruição e exploração do meio ambiente e pela violação sistemática dos direitos humanos fundamentais de sua população.
“Confirmo plenamente estas palavras”, comenta dom Giovenale. “Quando se fazem projetos de desenvolvimento para a Amazônia, muitas vezes, para traçá-los, se conta com pessoas de boa vontade que, não digo que sejam desonestas, mas, sim, que conhecem outras realidades geográficas e sociais”.
“E, por tanto, podem combinar solenes bobagens, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista pastoral”.
“Quando a tudo isto – explica o prelado – se acrescenta a cobiça e o desejo de ganhar custe o que custar, então o ser humano já não conta”.
“Aqui, é que surgem a exploração, a injustiça e uma série de situações que são claramente denunciadas neste Documento. Geralmente, a Amazônia é vista como um repositório grande e interminável. Você vem, assalta o que pode e depois parte.
Continua sendo uma mentalidade colonial para a qual a população local não é necessária. Ao contrário, se os indígenas exigem que seus direitos sejam protegidos, são acusados de estarem contra o progresso. Tem ocorrido derramamento de sangue, massacres, antigos e atuais, de índios locais, de todas as raças e religiões, assassinados porque queriam uma Amazônia à medida da população amazônica”.
Católicos sem a Eucaristia?
Na terceira parte do Documento de Trabalho, convida-se os Padres sinodais da Amazônia para discutir os novos caminhos para a Igreja na região e se escreve que é necessário passar de uma “Igreja que visita” a uma “Igreja que permanece” também através de ministros que emergem dos próprios habitantes locais.
“Este caminho não só é possível – comenta dom Giovenale – como também é uma das coisas que buscamos propor, há anos, e este Sínodo é finalmente uma boa oportunidade”.
“Nosso problema – continua o bispo de Cruzeiro do Sul – é que aqui na diocese temos um sacerdote a cada 5.000 quilômetros quadrados. Se aplicássemos estas proporções para a Itália, que possui uns 300.000 quilômetros quadrados, teríamos uns sessenta sacerdotes em toda a península. Com um fator agravante: aqui, não há ferrovias e só há 200 km de estradas pavimentas e 350 km de caminho de terra, em toda a diocese. O resto são só rios, arroios e caminhos pelos quais só é possível transitar a pé”.
“A consequência – afirma dom Giovenale – é que a maioria das 300 comunidades e aldeias habitadas por centenas de pessoas pode participar da Santa Missa uma vez ao ano, quando o sacerdote consegue visitá-las. Das 300 comunidades, só 20 podem celebrar a missa todos os domingos e cinquenta uma vez por mês. “É claramente uma situação que requer mudanças extraordinárias”, explica o prelado.
“Se de fato a Eucaristia é o centro da vida da Igreja, então, nós somos católicos”, acrescenta o bispo.
Portanto, “devemos assumir estes desafios – conclui dom Giovenale – que são diferentes daqueles que vocês têm na Europa. Nossa realidade é muito condicionada pela geografia, por isso a conversão ecológica é para nós a outra face da conversão pastoral”.
Leia mais
- Sínodo Pan-Amazônico: Integralidade e interligação. O Instrumentum Laboris tem o mesmo espírito da Laudato Si’. Entrevista especial com Dom Roque Paloschi
- Instrumentum Laboris do Sínodo para a Amazônia, um novo passo de “um 'kairós' para a Igreja e o mundo”
- O Sínodo para a Amazônia não deve se concentrar “apenas na ordenação de homens casados”. Balanço de Mauricio López sobre as reações ao Instrumentum Laboris
- Membros do Conselho Pré-sinodal esperam que o Instrumentum Laboris responda à escuta do povo
- “Igreja vê com muito sofrimento este momento triste do Brasil”. Entrevista com D. Roque Paloschi
- "Nossa missão está no Evangelho", afirma dom Roque Paloschi
- “Ameaças e ataques anti-indígenas ocorrem nos três poderes do Estado”, denunciou Dom Roque Paloschi na Assembleia Geral dos Bispos
- Questão indígena no Brasil: “falta uma posição mais decidida do governo central”. Entrevista especial com Dom Roque Paloschi
- A Igreja em defesa da dignidade dos povos da Amazônia. Entrevista especial com Dom Roque Paloschi
- Por "uma Igreja com rosto amazônico e com rosto indígena". O Sínodo Pan-Amazônico e a busca de um novo paradigma de evangelização. Entrevista especial com Paulo Suess
- Sínodo Pan-Amazônico. O Documento Preparatório e o Questionário - início de um diálogo para buscar novos caminhos. Entrevista especial com Paulo Suess
- Vaticano abre as portas para a ordenação de homens casados em regiões isoladas
- O que Jesus instituiu, a Eucaristia ou o celibato dos padres?
- Sínodo sobre a Amazônia, Baldisseri: não é um prelúdio para a abolição do celibato e do sacerdócio feminino
- Porque o Sínodo da Amazônia "poderia mudar a Igreja para sempre"
- Papa Francisco nomeia relator e secretários especiais do Sínodo para a Amazônia
- O Sínodo para a Amazônia e a invenção do verbo amazonizar
- "O Sínodo da Amazônia nos ajuda a voltar novamente ao essencial da missão". Entrevista com Charly Azcona, missionário na Amazônia equatoriana
- “A Amazônia é nossa” – Um Sínodo para a Pan-Amazônia. Dom Erwin Kräutler apresenta 10 desafios para Igreja na Amazônia
- O que é o Sínodo para a Amazônia?
- Seminário de preparação para Sínodo da Amazônia tem inscrições abertas
- "Riscos e oportunidades do Sínodo para a Amazônia". Reflexão do jesuíta Víctor Codina
- Sínodo para Amazônia. “Hoje a Amazônia pode se sentar na mesa do Planeta Terra e levantar a sua voz”. Entrevista com D. David Martinez de Aguirre
- “Que o Sínodo possa vir ao encontro, não de expectativas, mas de necessidades das comunidades da Amazônia”. Entrevista com Dom Mário Antônio da Silva
- Sínodo representa oportunidade para “amazonizar” o mundo, afirma professora
- Amazônia: Sínodo especial já tem Documento de trabalho
- "O Sínodo nos desafia a ir além dos espaços onde estamos". Entrevista com Irmã Zully Rojas
- Na Amazônia um Sínodo para responder à crise ecológica global
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A Amazônia é vista como um repositório interminável. Você vem, assalta o que pode e parte”, denuncia bispo da Diocese de Cruzeiro do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU