12 Março 2019
Como reduzir uma mineração saqueadora que somente beneficia grandes corporações a uma essencial que responda às necessidades dos povos?
Em visita a Lima, o Pe. Darío Bossi, coordenador da Rede Igrejas e Mineração, dialogou sobre os objetivos e visões deste movimento de caráter ecumênico que nasceu em 2013. Uma rede em constante crescimento que se alinha junto às comunidades vítimas dos grandes projetos extrativistas, enquanto se mostra dialogável para uma reconversão do sistema mineiro na América Latina e em outras partes do mundo.
Padre Darío Bossi. Foto: Observatorio de Evangelización en Movimiento
A reportagem é de Mónica Villanueva e Beatriz Garcia, publicada por REPAM, 05-03-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Frente ao grande conflito, pode escolher onde se colocar: junto à empresa, em posição neutra ou ao lado das vítimas. Esse último é, em nossa opinião, onde a Igreja deve estar. Isso não significa ignorar o diálogo, mas devemos interpretar o problema da mineração a partir do ponto de vista das vítimas, que são as comunidades, mas também é a Mãe Terra que, como diz o Papa Francisco, é talvez a vítima maior nessas situações”. Missionário cambojano de origem italiana, o padre Darío Bossi é coordenador da Rede “Igrejas e Mineração”. Igrejas, no plural, porque essa rede se define como um espaço ecumênico, conformado por comunidades cristãs, equipes pastorais, congregações religiosas, grupos de reflexão teológica, leigas, leigos, bispos e pastores, que busca responder aos desafios dos impactos e violações dos direitos socioambientais provocados pelas atividades mineiras. Um espaço diverso cujos nexos principais são a fé e a esperança na construção de um mundo, que tem como bandeira a dignidade.
Brumadinho depois do rompimento da barragem. Foto: Rede Igrejas e Mineração
O padre Darío indica que se deve escutar o grito dos povos que buscam libertação. “Nossa responsabilidade é caminhar junto com eles para essa libertação”, acredita com firmeza. Suas palavras soam contundentes e com suma convicção no que dizem. Em especial quando se aborda um dos termos-chave: desenvolvimento. Sim, esse desenvolvimento que os povos empobrecidos e com menos possibilidades desejam, porém que necessita de um equilíbrio para que, como diz o Papa Francisco, saiamos da cultura do descarte que agora asfixia o planeta. “É um mito, uma mentira dizer que a mineração contribui para o desenvolvimento dos povos ou dos países porque, ao contrário, acaba acumulando muito dinheiro no capital de poucas pessoas, poucas empresas e deixando muitos impactos. Nós advogamos que não é com esse tipo de extrativismo intensivo, violento e sem limites que se garante o desenvolvimento”, detalha.
Sombras e medos que, em ocasiões, deixam lugar à esperança. A posição adotada por El Salvador é uma delas. Um país que, ainda que pequeno e em razão de suas dimensões não conta com a mesma problemática ambiental que outros países maiores da América Latina, deu as costas à mineração, promulgando uma lei que proíbe e que aposta em um desenvolvimento que não consuma ainda mais a Mãe Terra. “É um desafio forte para nossos países, que são maiores e têm uma relação maior com a mineração, ver como passar de um extrativismo saqueador e destrutivo à mineração essencial. Como reduzir para que a mineração responda unicamente às necessidades dos povos e não mais ao interesse financeiro de capital das grandes corporações?”, interroga Bossi, “contribuir para essa mudança é o nosso propósito”.
O trabalho da Rede Igrejas e Mineração se coloca em vários cenários. O primeiro deles é na articulação entre territórios e comunidades para que não se sintam ilhados. “Esse é o problema maior porque, frente às gigantes da mineração, muitas vezes aliadas ao Estado, uma comunidade pequena se sente impotente”, expõe o padre Bossi, “porém quando começa a entender que os mesmos danos, as mesmas reivindicações vêm de outras comunidades irmãs, isso a empodera, lhe dá inspiração e força”.
A segunda dimensão, ou âmbito, é a nível interno, nas próprias igrejas. Dialogar e falar com as hierarquias, os padres, os bispos, as ordens religiosas e demais atores. Nesse caso se trata, sobretudo, de assessorar “para que entendam como a Igreja pode ajudar uma comunidade afetada e como se relacionar com as empresas para não cair no erro de se fazer amigo de alguém que te promete somente alguns poucos benefícios em troca de impactos violentos sobre muita gente”.
Um terceiro cenário chave é o da incidência política sobre as empresas. Nisso o desafio é complexo de enfrentar e resolver, porque “como fazer para que essas empresas respeitem finalmente a vontade das comunidades, seus direitos e os da mãe natureza?”.
Ainda que a maior parte de sua atividade se centre na América Latina, onde surgiu depois o primeiro encontro desenvolvido em Lima, em novembro de 2013, a Rede Igrejas e Mineração, pouco a pouco, vai tecendo novas relações ao redor de todo o mundo. O crescimento é livre, intuitivo, não existe uma inscrição ou afiliação. “Articulamos em vários países da América Central, no Equador, Colômbia, Peru, Brasil, Argentina e Chile e temos também a necessidade de dialogar com a América do Norte, onde muitas empresas mineradoras têm sede, porém onde também existem muitos movimentos sensíveis e aliados, da mesma forma que falamos com a Europa”, explica Bossi. Inclusive, conta, no ano passado foi realizado um fórum social sobre a mineração na África do Sul, onde surpreendentemente se confirmou a semelhança em problemáticas que também são vividas nos países africanos e a necessidade de intercambiar experiências com as igrejas latino-americanas. A abertura, assegura o coordenador, é total.
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“É uma mentira dizer que a mineração contribui para o desenvolvimento dos povos”, afirma Pe. Darío Bossi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU