13 Dezembro 2018
Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos depende da pressão da sociedade para ser aprovado no Congresso, diz relator; futura ministra da Agricultura defende lei mais flexível.
A reportagem é de Pedro Grigori, publicada pelo projeto Por trás do alimento, uma parceria entre a Agência Pública e a Repórter Brasil, 11-12-2018.
Contraposto ao avanço de projetos de lei que visam flexibilizar as regras para a aplicação de pesticidas no Brasil, o Projeto de Lei 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), deve ir à votação no plenário apenas no próximo ano.
O projeto prevê uma política nacional mais criteriosa para permitir o uso de defensivos agrícolas. Se ele virar lei, pesticidas tidos como extremamente tóxicos – tal como o Paraquate, proibido na Europa, mas líder de vendas no Brasil – podem até ter a licença cassada.
Audiência Pública na Câmara dos Deputados discutiu a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos
No Congresso, deputados travam uma batalha em defesa de dois projetos de lei diametralmente opostos. O PL 6.299/2002, conhecido pelos opositores como “Pacote do Veneno”, pretende flexibilizar a legislação para o uso dos agrotóxicos no país. Por exemplo, o texto rechaça a palavra “agrotóxicos”, adota o termo “pesticida” e prevê que esses produtos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se outros órgãos reguladores, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído análises sobre os eventuais riscos.
A líder da bancada ruralista na Câmara e futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM) é uma das maiores defensoras do projeto. A deputada federal atuou como presidente da comissão especial que avaliou a matéria e articulou a aprovação, que ocorreu em junho deste ano. Por esse trabalho, recebeu de opositores o apelido de “musa do veneno”.
“Se o PL for aprovado, significa que a população vai ter um maior número de agrotóxicos no mercado e em um nível muito mais tóxico. O resultado disso é mais veneno no nosso corpo, alimento e água”, explica Murilo Souza, professor de Recursos Naturais do Cerrado na Universidade Estadual de Goiás. O projeto está pronto para plenário, mas mesmo com os esforços da bancada ruralista, não deve conseguir ser votado até 21 de dezembro, e deve ficar para a próxima legislatura.
Em resposta, a proposta do PnaRA se fortaleceu como uma ação da sociedade civil contra o programa apoiado pela bancada ruralista e pela futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM). O projeto surgiu por sugestão da sociedade civil à Comissão de Legislação Participativa apresentada em novembro de 2016 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e construída com a colaboração de mais de 300 entidades, entre ambientais, de saúde pública e reforma agrária.
O texto tem origem no Programa Nacional de Redução de Agrotóxico (Pronara), uma proposta de uma comissão nacional vinculada à Presidência da República durante o governo de Dilma Rousseff (PT), que acabou engavetado pela então ministra da Agricultura Kátia Abreu (PDT).
Alguns dos marcos são inéditos no país. Por exemplo, se a política de redução de agrotóxicos for aprovada, serão criadas zonas livres ou de uso restrito para agrotóxicos em áreas como de bacias hídricas, proteção ambiental e escolas.
O projeto proíbe também o registro de pesticidas classificados como extremamente tóxicos – entre eles podem estar o Paraquate, Atrazina e Acetato, por exemplo, que já são proibidos na Europa – e torna necessária a revalidação dos produtos após dez anos e, sucessivamente, a cada 15 anos. “O PnaRA propõe uma redução gradativa e contínua do uso de agrotóxicos, ao mesmo passo que teríamos a elevação na produção de insumos biológicos e aumento da produção de produtos orgânicos. Para a população, significa produzir alimentos mais saudáveis”, garante o professor Murilo Souza.
Entre os principais pontos está a estipulação de limites máximos de resíduos de agrotóxicos na água potável, de acordo com os menores índices vigentes hoje entre os países da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Também faz parte da proposta a institucionalização do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos e medidas de incentivo, como instituir crédito rural especial e diferenciado aos produtores rurais assentados em áreas de reforma agrária.
Em junho deste ano, uma Comissão Especial foi criada na Câmara dos Deputados para analisar a matéria do PnaRA. Enquanto membros da bancada ruralista apresentavam vários requerimentos para atrasar a votação, parlamentares favoráveis ao texto corriam para aprová-lo ainda nesta legislatura, impedindo que a comissão fosse extinta e o processo tivesse de recomeçar do zero em 2019.
O projeto foi aprovado na última semana, mas os opositores apostam que a iniciativa não terá fôlego para passar pelo Congresso Nacional.
Depois de apresentarem o programa à Casa, as entidades responsáveis pelo projeto e lideradas pela Abrasco procuraram suporte parlamentar. Um dos apoiadores foi o deputado Nilto Tatto (PT-SP), que levou o projeto até o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), com o pedido de criação de uma comissão especial para avaliar o texto.
Maia concordou com a solicitação, mas sofreu pressão da bancada ruralista, liderada pela Tereza Cristina, para que o projeto fosse apensado ao PL 6.299/2002, que tinha uma comissão especial própria. “O presidente pediu que eu conversasse diretamente com a Tereza, e conseguimos acertar que os projetos não fossem apensados. A partir daí o [Alessandro] Molon [PSB-RJ] me procurou pedindo para presidir a comissão, e acompanhado pelas entidades conseguimos mais apoio”, explica o petista, que é também o relator da comissão.
Mesmo com a vantagem numérica da Frente Parlamentar da Agropecuária – 261 parlamentares, segundo o site oficial –, Tatto acredita que é possível aprovar o texto no Congresso. “Esse projeto tem chances porque ele pode dividir as bancadas. Mas, para isso, precisamos levar o debate para a sociedade. Se ficar interno dentro da Câmara, eles vão se articular melhor e barrá-lo”, acredita.
Nilto Tatto (PT-SP) acredita que é possível aprovar o texto no Congresso
Alessandro Molon conta que a mobilização da sociedade civil organizada mostrou ao presidente da Câmara a necessidade de debater o texto. “Mostramos ao Rodrigo Maia que era preciso que se escutasse o lado que não era ouvido na ‘comissão do veneno’ e que para isso precisávamos da nossa própria comissão”, explica. Maia tem uma forte base eleitoral com caráter urbano, o que, segundo ambientalistas, levou-o a apoiar a criação do grupo para analisar a matéria, temendo a repercussão negativa.
Para Alessandro Molon (PSB – RJ) a mobilização da sociedade civil organizada mostrou ao presidente da Câmara a necessidade de debater o texto
Mesmo assim, após os sete meses de comissão, não houve nenhum membro da bancada ruralista que passou a apoiar o PnaRA, segundo Molon. “Estamos trabalhando para sensibilizá-los. Não há razão para se impor a essa visão de uma agricultura mais saudável. O Brasil virar um fornecedor de agropecuários saudáveis segue uma tendência e fará com que o mundo inteiro queira consumir mais produtos brasileiros”, afirma.
Mesmo se aprovado pelo plenário da Câmara, o PnaRa precisa ainda de aprovação do Senado Federal e da sanção presidencial.
A aprovação do texto não foi bem recebida pela Frente Parlamentar da Agropecuária. O deputado Valdir Colatto (MDB-SC), também membro da comissão, apresentou um relatório alternativo.
O projeto apresentado por Colatto se chama Política Nacional para o Incentivo a Redução do Uso de Pesticidas (PNIRP) e, segundo ele, evitaria insegurança jurídica e travas à agricultura convencional de grande escala.
O parlamentar diz no texto que é necessário reduzir o uso de agrotóxicos devido aos riscos à saúde pública, meio ambiente e vida animal, mas destaca que a agricultura tropical é caracterizada por um maior número de pragas e que, por isso, são necessárias maiores intervenções e uso de defensivos agrícolas para garantir “alta produtividade e competitividade”.
De acordo com o texto, o PnaRA conta com excesso de proibição e imposições que podem “gerar o efeito contrário ao pretendido, aumentando a ilegalidade e marginalizando a utilização”. Em todo teor do projeto, assim como institui o PL 6.299/2002, o termo “agrotóxico” é substituído por “pesticida” – uma bandeira da bancada do agronegócio.
Diferentemente do PnaRA, o texto de Colatto não expõe novos meios de fiscalização de pesticidas, além dos que já estão em vigor pela Lei Nacional dos Agrotóxicos, de 1989. O texto exclui a criação de zonas livres e de uso restrito para agrotóxicos.
Para o emedebista, o PnaRa vai ser derrotado no plenário. “É uma utopia achar que as pessoas vão trabalhar só com agricultura orgânica”, afirmou à Agência Câmara. Para ele, estão sendo levadas “mentiras para a população de que os produtos chegam à mesa com nível de defensivos agrícolas acima do tolerado”.
A reportagem da Pública procurou Colatto pelo telefone pessoal e pela assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até o fechamento desta publicação.
Durante os dois anos de tramitação do PnaRA, 1,5 milhão de brasileiros assinaram a petição #ChegaDeAgrotóxicos, em apoio ao texto. Membro do grupo temático de saúde e meio ambiente da Abrasco, Karen Friedrich destaca que o projeto não visa à extinção completa dos pesticidas. “É uma redução que ocorrerá em volumes diferentes e locais diferentes. É uma série de iniciativas que vão proporcionar à população e aos agricultores acesso à agricultura com menos tóxicos e mais orgânicos”, explica.
Segundo a especialista da Abrasco, o projeto será vantajoso até mesmo para agricultores que utilizam químicos fitossanitários. “Temos produtos que estão no mercado brasileiro há 30 anos, as pragas já criaram até resistência a eles. A partir do momento em que se restringe o uso de produtos mais tóxicos e avaliação de pesticidas antigos, o próprio produtor vai ter acesso a produtos mais modernos, todos vão ganhar com isso”, pontua.
Carla Bueno, membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, acompanhou as reuniões dos dois grupos que visam alterar a legislação brasileira sobre agrotóxicos. Segundo ela, a lei vigente dos agrotóxicos, de 1989, é progressista e tem um bom processo. “O PnaRA não vem no sentido de mexer na lei, mas sim como uma ferramenta para contrapor a flexibilização do uso de agrotóxicos. Na nossa leitura, não deveria ocorrer mais consumo de veneno.”
Carla destaca que no próximo ano o projeto servirá como voz da sociedade civil no debate sobre agrotóxicos. “A aprovação do texto neste fim de ano era tudo ou nada. Com ele, teremos um instrumento de contraponto ao PL do Veneno, em vez de estar no Congresso apenas para dizer não”, explica.
Para o professor de agroecologia do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (Iesa/UFG) Adriano Rodrigues de Oliveira, se o teor político da votação for deixado de lado, é possível, sim, ‘virar votos’. “O PnaRA é extremamente bem fundamentado. Ouve diferentes setores, desde a Abrasco à Fiocruz. Há uma legitimidade acadêmica e social. A capacidade de pressão para a aprovação no Congresso vai depender muito de como a sociedade será sensibilizada pelo projeto”, diz.
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Veja o que pode mudar caso projeto de redução de agrotóxicos seja aprovado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU