24 Setembro 2018
“Não permitam que o mundo faça vocês acreditarem que é melhor caminhar sozinhos. Não cedam à tentação de ficarem fechados em si mesmos, de tornarem-se egoístas ou superficiais diante da dor, da dificuldade ou do sucesso passageiro”. Essa foi a mensagem que o Papa Francisco transmitiu aos jovens lituanos, reunidos na praça defronte à Catedral da cidade de Vilnius, na qual se encontra uma particular atração turística: a “pedra mágica”. Segundo a tradição popular, a partir deste ponto teve início a histórica corrente humana de protestos que em 23 de agosto de 1989 conectou Vilnius com Riga e Talin, e que marcou o começo da libertação dos estados bálticos da dominação soviética. Segundo a lenda, se a pessoa der a volta ao redor da pedra (na qual está escrita a palavra “stebuklas”, “milagre” em lituano), seus desejos serão realizados.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 22-09-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
Nas palavras do Papa argentino, no entanto, não há referências às lendas, mas sim um convite concreto para não ceder ao egoísmo nem ao mito do sucesso, ou seja, a não esquecer nunca que “o que acontece com o outro acontece comigo”. Francisco escutou os testemunhos de dois jovens. O de Mônica, que graças ao exemplo de sua avó e da comunidade de uma paróquia franciscana, aprendeu a não odiar seu pai, que batia nela e vivia bêbado. Depois falou um jovem já casado, Jonas, portador de uma doença autoimune que o obriga a se submeter à diálise três vezes por semana e que aprendeu a aceitar sua situação e a ter esperança. Francisco agradeceu a eles por suas palavras:
“Muito obrigado Mônica e Jonas por seus testemunhos. Recebo vocês como amigos, como se estivéssemos sentados juntos, em algum bar, contando coisas da vida, enquanto tomamos uma cerveja”.
O Papa convidou a voltar a pensar em suas histórias para “descobrir nelas o passo de Deus… Porque Deus sempre passa por nossas vidas. E um grande filósofo já dizia: ‘Eu tenho medo quando passa. Medo de não me dar conta’. Como esta catedral, vocês experimentaram situações que os desmoronaram, incêndios dos quais parecia que não seria possível se recuperar. Tantas vezes este templo foi devorado pelas chamas, caiu e, no entanto, sempre teve quem decidisse voltar a levantá-lo, não se deixaram vencer pelas dificuldades, não cruzaram os braços”.
“A vida, o modo de ser e a morte de teu pai, Mônica; tua doença, Jonas, poderia ter devastado vocês... E, no entanto, estão aqui, compartilhando suas experiências com um olhar de fé, fazendo-nos descobrir que Deus lhes deu a graça de suportar, para levantarem-se, para continuarem caminhando na vida”.
Depois, Bergoglio destacou algumas circunstâncias a que ambos os jovens se referiram: “Mônica, tua avó e tua mãe, a paróquia franciscana, foram para ti como a confluência destes dois rios: assim como o Vilna se une ao Neris, tu te somaste, te deixaste levar por essa corrente de graça. Porque o Senhor nos salva, fazendo-nos parte de um povo. Ninguém pode dizer “eu me salvo sozinho”, estamos todos interconectados, ‘em rede’”.
“Não permitam que o mundo faça vocês acreditarem que é melhor caminhar sozinhos – exortou Francisco. Sozinho não se chega nunca; sem amor, sem amigos, sem pertença a um povo, sem essa experiência tão bonita que é arriscar juntos... não se pode caminhar só. Não cedam à tentação de ficarem fechados em si mesmos, olhando para o próprio umbigo, de tornarem-se egoístas ou superficiais diante da dor, da dificuldade ou do sucesso passageiro. Voltemos a afirmar que “o que acontece com o outro, acontece comigo”, vamos contra a corrente desse individualismo que isola, que nos torna egocêntricos e vaidosos, preocupados somente com a imagem e com o próprio bem-estar. Preocupados em como me veem, é feia a vida em frente ao espelho. Ao contrário, é bonita a vida com os outros, com a família, com os amigos, com a luta de meu povo, assim a vida é bela. Somos cristãos e queremos apostar na santidade, mas apostem na santidade a partir do encontro e da comunhão com os outros, atentos a suas necessidades. Nossa verdadeira identidade pressupõe a pertença a um povo. Não existem identidades de laboratório, nem identidades destiladas, nem identidades "puro-sangue". Estas não existem. Existe a identidade do caminhar juntos, do lutar juntos, do amar juntos. Existe a identidade da pertença a uma família, a um povo. Existe a identidade que te dá o amor, a ternura, a preocupação com os outros. Existe a identidade que te dá a força para lutar e, ao mesmo tempo, a ternura para acariciar”.
“De que outro modo – perguntou Bergoglio – batalharíamos contra o desânimo diante das doenças e dificuldades próprias e alheias, diante dos horrores do mundo? Como faríamos sem a oração para não acreditar que tudo depende de nós, que estamos sozinhos diante do corpo a corpo com a adversidade? ‘Jesus e eu, maioria absoluta!’, dizia Santo Alberto Hurtado”.
“O que também tem sustentado vocês na vida – afirmou o Papa – é a experiência de ajudar aos outros, descobrir que perto de nós há gente que sofre, inclusive muito mais do que nós mesmos. Mônica: você nos contou sobre teu trabalho com crianças deficientes. Ver a fragilidade dos outros nos situa, evita que a gente viva se lamentando das próprias feridas. Quantos jovens deixam o país por falta de oportunidades, quantos são vítimas da depressão, do álcool e das drogas! Vocês sabem disso muito bem. Quantas pessoas maiores estão sozinhas, sem ninguém com quem compartilhar o presente e temerosas de que volte o passado”.
“Queridos jovens, vale a pena seguir a Cristo. Se a vida fosse uma peça de teatro ou um videogame – explicou o Pontífice argentino – estaria contada por um tempo determinado, um começo e um final onde se fecha a cortina ou alguém ganha a partida. Mas a vida é medida por outros tempos, não com os tempos do teatro ou do videogame; a vida se joga em tempos parecidos com o coração de Deus; às vezes se avança, outras se retrocede, se ensaiam e se tentam caminhos, se mudam […] A vida sempre é um caminho. A vida é sempre caminhar buscando a direção correta, sem medo de voltar se eu me enganar. O mais perigoso é confundir o caminho com um labirinto: esse andar dando voltas pela vida, sobre si mesmos, sem escolher pelo caminho que conduz para a frente. Por favor, não sejam jovens de labirinto, do qual é difícil sair, mas jovens em caminho. Nada de labirinto; em caminho!”
“Não tenham medo de se decidirem por Jesus – convidou Francisco ao concluir seu discurso –, a abraçar sua causa, a do Evangelho, da humanidade, de serem humanos. Porque Ele nunca deixará a barca de nossa vida, sempre estará na esquina de nossos caminhos, jamais deixará de nos reconstruir, mesmo que às vezes nos empenhemos em nos incendiar”.
O Papa concluiu recordando que o testemunho dos dois jovens “falava da avó, da mãe… Gostaria de dizer a vocês, e com isso eu encerro, tranquilos, mas gostaria de dizer que não se esqueçam das raízes de seu povo. Pensem no passado, falem com os mais velhos, não é chato falar com os idosos. Procurem os mais velhos e peça para que eles falem sobre as raízes de seu povo: as alegrias, os sofrimentos, os valores; assim, tomando as raízes, vocês colherão de seu povo, no futuro, um fruto maior. Se vocês querem, queridos jovens, um povo grande, livre, peguem das raízes a memória e joguem-nas adiante. Muito obrigado!”.
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Francisco aos jovens: “Não permitam que o mundo faça vocês acreditarem que é melhor caminhar sozinhos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU