21 Setembro 2018
"A verdade é que a reforma real depende dos ensinamentos da Igreja. Não simplesmente de uma mudança de estruturas", escreve Joan Chittister, irmã beneditina em Erie, na Pensilvânia, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 20-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Em meio à angústia que acompanhou a revelação de quantidades de abuso sexual de crianças sem paralelo na Igreja Católica, o clamor por reformas fica mais intenso a cada dia.
Para alguns, é um chamado para a eliminação do celibato por ser um modo de vida antinatural e, portanto, impossível. Para outros, trata-se de barrar os homossexuais do sacerdócio, como se a homossexualidade fosse em sua essência um modelo de imoralidade em vez de simplesmente outro estado de natureza - assim como a heterossexualidade com suas próprias aberrações imorais. Para muitos, trata-se de uma falta de desenvolvimento psicossocial nos seminários; para outros, trata-se da liberalização da Igreja desde o Concílio Vaticano II, não importando que a maior parte dos ataques tenha ocorrido, aparentemente, antes do final do Concílio.
De fato, há tantas explicações para essa crise na moral, na espiritualidade, na Igreja e na confiança quanto há pessoas, dioceses, pais, padres, advogados, ou quem quer que seja. Mas há um elemento em que todos parecem concordar: deve haver arrependimento. Deve haver responsabilização. Deve haver reforma.
Ótimo. Mas como que isso deveria ser?
A maioria dos pedidos de reforma também exige a reforma das estruturas. O grande consenso parece se agrupar em torno de questões de como e para quem as vítimas podem registrar queixas. As perguntas são infinitas: quem criará os comitês de abuso sexual? Quem indicará as comissões? Quem estará nesses conselhos, nesses escritórios oficiais, como funcionários oficiais? Tanto pessoas leigas quanto pertencentes ao clero? E quanto do trabalho desses comitês será compartilhado com o público? Acima de tudo, quem terá a autoridade final para julgar esses casos: o presidente do grupo, o bispo da diocese, uma cúria em Roma, um tribunal papal, o Papa - como o Papa Bento XVI declarou que ele mesmo faria - ou um júri de pares?
Bem, seja qual for a resposta a esses aspectos técnicos legais, concordo que alguma reforma da estrutura é essencial. O dano causado pelo sigilo pontifício e pela sua noção de que os escândalos eclesiásticos deveriam ser mantidos ocultos, e não expostos, agora é embaraçosamente claro. Uma mudança nas estruturas é obviamente imperativa.
Ao mesmo tempo, não concordo que uma mudança nas estruturas por si só realmente mude muita coisa. Não em uma Igreja cuja teologia da autoridade papal exclusiva vem do Papa Gelásio no século V. Pelo contrário: vamos precisar muito mais do que estruturas. Como o próprio Papa Francisco disse à conferência dos bispos chilenos em maio: "Seria uma omissão séria de nossa parte não aprofundar nas raízes... a dinâmica que possibilitou que tais atitudes e males ocorressem."
O fato é que as estruturas validam o processo. Mas o processo não garante senão a adesão aos valores, aos ideais e - em uma Igreja - qualquer que seja a teologia que os sustente. É a teologia que conta.
Estruturas foram usadas para validar o mal para sempre. Como no presente. Nada que os tribunais canônicos tratassem lidaria de maneira adequada com o mal do abuso infantil enquanto eram os próprios bispos, em conjunto com Roma, que forneciam o sigilo que mantinha o problema. Em nome do santo sigilo, os bispos e seus advogados podiam intimidar os acusadores com acordos de confidencialidade, rotular as próprias crianças de mentirosas, e assim incutir a culpa no lugar errado e manter a Igreja livre de escândalos, "pelo bem dos fiéis", é claro.
De fato, devemos "mergulhar nas raízes" da Igreja. Das quais, penso eu, há pelo menos quatro.
Francisco é dolorosamente claro sobre uma dessas raízes - o flagelo do clericalismo que cria um sistema de castas no cristianismo católico.
O clero compõe menos de 1% da Igreja. Mas o clericalismo torna seus integrantes superiores ao resto da Igreja no poder, na presunção da santidade, na autoridade paroquial absoluta e como guardiões da responsabilização. Isso move o clero para anos-luz de distância do Jesus que "não viu ser igual a Deus como uma coisa a se apegar". Move o resto de nós para falar sobre ser o "Povo de Deus" - como se soubéssemos que éramos - mas depois não chama a Igreja clerical para a discussão pública sobre as grandes "verdades" teológicas.
O que a declaração de Francisco falha em desmascarar, no entanto, é a segunda questão que deve ser abordada: o fato é que o clericalismo foi além do clero. Eram policiais, advogados, funcionários e até pais católicos que protegiam pedófilos ao recusarem-se a fazer reclamações, ouvir as crianças ou romper o sigilo que protegia os agressores. Ela diz que a teologia da própria Igreja deve ser retomada. Diz que o resto da Igreja deve crescer para ser igual à cristianização da própria Igreja.
Uma terceira dimensão do problema é certamente a teologia da obediência que deriva, é claro, da nossa definição de Igreja e do papel do clero, mas afeta a vida pessoal dos católicos de uma maneira particularmente insidiosa. Ela transforma a obediência na Igreja - um compromisso de "ouvir o Espírito" - em obediência cega, uma espécie de código militar ligado a uma série de oficiais de comando clericais.
Como resultado, 100% das decisões, o discernimento e as perspectivas morais dos leigos são simplesmente ignorados. Conferências nacionais de bispos, dioceses e párocos - o 1% clerical da Igreja - hesitam em estabelecer leis elaboradas por poucos, exceto as proclamadas apenas pelo clero.
O Papa Paulo VI jogou com a noção de consulta clerical/leiga sobre a questão do controle de natalidade - certamente uma questão para o sacramento do matrimônio, se é que já vi alguma. Mas então, no final, sob pressão do cardeal Karol Wojtyla, que mais tarde viria a ser o Papa João Paulo II, Paulo VI rejeitou o conselho de alguns dos mais fortes casais leigos católicos do mundo e declarou que a legislação de controle de natalidade é obrigatória. E nós sabemos onde isso os levou.
E finalmente, sob tudo isso, o quarto elemento necessário da reforma está na teologia do sacerdócio, que insiste que a ontologia do ser humano é modificada pela ordenação sacerdotal. Tradução: um padre não é como outros seres humanos. A ordenação lhes dá uma marca especial, uma marca eterna. Então, valendo-se desse raciocínio, eles conectam seu caráter especial, seu lugar especial na Igreja, sua autoridade especial, sua santidade especial.
Para ser honesta com vocês, nunca conheci alguém que não fosse especial de uma maneira especial. Reservar isso para o sacerdócio obviamente distorce o caráter do restante da Igreja. Como tem sido.
De onde estou, me parece que o que acabamos conseguindo foi um pecado contra a consciência adulta e a infantilização do laicato. O que nós finalmente acabamos conseguindo foram questões da Igreja, clericalismo, obediência e ontologia humana sem resposta e sem tentativa de resolução.
O que nós acabamos conseguindo foi uma Igreja que ainda vive no século passado enquanto finge ter respostas para as perguntas deste. Mas foi exatamente isso que eles fizeram no século XVI, quando Martin Lutero queria falar sobre o celibato, a venda de relíquias e a publicação da Bíblia no vernáculo, para que todos, não apenas o clero, pudessem lê-la.
A verdade é que a reforma real depende dos ensinamentos da Igreja. Não simplesmente de uma mudança de estruturas.
Como diz a música: "When will they ever learn?" ("Quando é que eles vão aprender?", em tradução livre).
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Para uma mudança real, devemos chegar a quatro raízes mais profundas do que as estruturas da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU