04 Abril 2018
O ex-jornalista especializado em questões religiosas no Le Monde explica seu desânimo com a evolução da Igreja. Ele deplora a estigmatização dos “católicos de esquerda” e a ascensão dos “católicos intransigentes”, muitas vezes próximos à extrema direita.
A eleição presidencial de 2017 revelou um fato importante: o catolicismo francês é cada vez mais poroso às ideias da extrema direita. Ex-cronista religioso do Le Monde, Henri Tincq alarma-se em seu último livro, La Grande Peur des Catholiques de France [O Grande Medo dos Católicos da França] (Éditions Grasset). Esse mundo católico, que se tornou minoritário, é atravessado por dúvidas, muito dividido desde a oposição frontal conduzida pelo movimento La Manif pour tous contra a Lei Taubira.
A entrevista é de Bernadette Sauvaget, publicada por Libération, 02-04-2018. A tradução é de André Langer.
Você é um católico ferido?
Em parte, sim. Eu não reconheço mais a Igreja da minha juventude, o catolicismo em que fui educado, onde militava quando era jovem e sobre o qual escrevi muito no início da minha carreira como jornalista. Era um catolicismo social, aberto, generoso, missionário, ecumênico, que buscava o diálogo com outras religiões e com o mundo ateu. A ascensão das forças de direita, e até de extrema direita, no catolicismo francês é uma cruel decepção. Ela se traduz em reflexos identitários, neoconservadores, que desfiguram a história e o patrimônio da Igreja em nosso país.
Em 2017, a eleição presidencial foi um choque?
Um choque, sim. Um de cada dois católicos praticantes votou em François Fillon no primeiro turno. Não havia, portanto, uma moralidade, digamos, “duvidosa” quanto à sua relação com o dinheiro? Mas, no segundo turno, quatro de cada dez católicos praticantes votaram em Marine Le Pen. O que é surpreendente é que entre os dois turnos, o episcopado não ousou pronunciar-se explicitamente para que os eleitores católicos vetassem Marine Le Pen. Isso é uma novidade. Eu me lembro das repetidas, fortes e combativas declarações dos cardeais Jean-Marie Lustiger e Albert Decourtray nos anos 80 e 90 contra a Frente Nacional e as advertências do episcopado contra o voto em Jean-Marie Le Pen nas eleições presidenciais de 2002.
Existe uma radicalização católica?
Eu não uso muito a palavra “radicalização”, mais reservada às evoluções que há no Islã. Eu prefiro falar em “intransigência”, em “catolicismo intransigente”. Esse é o termo que os historiadores usam para descrever o catolicismo no século XIX e começo do século XX, contrário a qualquer adaptação às evoluções da sociedade moderna. O intransigentismo foi conceituado por Emile Poulat, grande historiador e sociólogo, para descrever a luta dos católicos contra as ideias da Revolução, dos Direitos Humanos e da República.
Eu tenho medo de uma espécie de filiação entre esse catolicismo “intransigente” do passado e o catolicismo “identitário” de hoje. Ele é jovem, assenta-se sobre um clero jovem que quer reafirmar mais contundentemente as raízes e os valores católicos. Não devemos confundi-los com os “tradicionalistas”, herdeiros do bispo cismático francês Marcel Lefebvre (1903-1991), que rejeitaram o legado modernista do Concílio Vaticano II. Mas a fronteira é cada vez mais porosa entre esse novo catolicismo intransigente e os tradicionalistas em processo de reconciliação com o Vaticano.
Uma das contribuições do seu livro é enfatizar o vigor desse catolicismo integrista. Houve algum erro de apreciação a seu respeito?
Em 1988, eu participei, como jornalista do Le Monde, em Ecône, na Suíça, da ordenação ilegal de bispos pelo bispo Lefebvre, líder dos integristas católicos. Ao lado de muitos outros observadores, eu dizia para mim mesmo que esse pequeno movimento contrário a qualquer evolução da Igreja e do Concílio Vaticano II acabaria como uma pequena seita. Não foi exatamente isso que aconteceu. E é uma surpresa para mim. Este pequeno mundo integrista fez mais do que resistir. Ele continuou a prosperar. Os “lefebvristas” têm 600 padres ao redor do mundo, a grande maioria dos quais estão na França. Atualmente, eles têm mais de 200 seminaristas. Este número deve ser comparado com o dos 650 seminaristas somente na formação atualmente nas dioceses clássicas da França. A Igreja está perdendo muitos sacerdotes. Mas os tradicionalistas e as comunidades católicas, chamadas “novas”, que são próximas a eles, dispõem de tropas jovens e determinadas.
Quais são as características desse novo “intransigentismo” católico que você vê surgir na França?
Eu distingo essencialmente três. Esse catolicismo “neoconservador” desafia fortemente a hegemonia cultural e moral da esquerda. Nós vimos isso no La Manif pour tous. Essa não foi apenas uma contestação da Lei Taubira e dos casais gays, mas um questionamento mais global do modelo cultural de uma esquerda considerada por eles “laxista” e até “imoral”. Prossegue com os projetos de expansão da procriação medicamente assistida (PMA) e da gestação subrogada (GPA) [barriga de aluguel].
A segunda característica diz respeito ao islamismo. Esses católicos neo-intransigentes questionam a tradição de diálogo que a Igreja sempre quis ter com o mundo muçulmano. Eles estão em clara oposição ao Papa Francisco, que diz e reitera a necessidade de acolher os refugiados. Também a laicidade é cada vez mais um tema de discórdia. Esses neoconservadores acreditam que a reafirmação da laicidade foi longe demais. Vemos isso, por exemplo, na questão dos presépios, na proibição de afixar cruzes em prefeituras, como em Ploërmel, ou nos cemitérios.
Em seu livro, você se insurge contra o que está acontecendo com os “católicos de esquerda”. Por quê?
Acredito que estamos perdendo um legado que não diz respeito apenas ao catolicismo, mas a toda a sociedade francesa: dos católicos liberais, muito minoritários no século XIX, dos católicos sociais, dos “abades democratas”, dos católicos resistentes sob a Ocupação. Após um século de batalhas, os católicos franceses “aproximaram-se” da República. E para alguns, eles se tornaram os motores da luta pós-guerra pela liberdade e a democracia, ativos na reconstrução da França.
Na época, o sindicalismo cristão era tão poderoso quanto a CGT. Edmond Mayor, Jacques Delors e Michel Debatisse passaram pelos movimentos de ação católica. Esses “católicos de esquerda” realizam uma ligação óbvia entre o seu compromisso de fé e o dever de agir na sociedade pelo seu progresso. Como podemos ignorar esse legado? E desacreditar este catolicismo sob o pretexto de que alguns estavam próximos do mundo operário e das formações marxistas...?
Esses católicos de esquerda desapareceram? Ou são inaudíveis?
O envelhecimento do catolicismo francês afeta particularmente esses católicos ditos de esquerda. Eles não representam mais as forças militantes do passado. Eles tiveram que enfrentar duas grandes frustrações. A primeira está relacionada aos pontificados de João Paulo II e Bento XVI, durante os quais esses católicos viram o descenso do grande fôlego do Vaticano II. A segunda é o resultado dos fracassos da esquerda, incluindo a “segunda esquerda” rocardiana [referência a Michel Rocard, falecido em 2016] próxima a eles, que não respondeu às suas esperanças.
No entanto, estes “católicos de esquerda” continuam ativos na vida das paróquias e das associações, cada vez mais engajados em formas militantes muito concretas: a reinserção dos desempregados, a acolhida dos refugiados, o apoio à moradia social, a luta contra a precariedade. É um compromisso discreto, mas próximo da realidade dos sofrimentos, a serviço de uma transformação concreta da sociedade. São formas de ação muito louváveis, que nada têm a ver com o ativismo e o triunfalismo da Igreja de outrora, e com as quais, pessoalmente, concordo e me tranquilizam.
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“A ascensão das forças de direita no catolicismo é uma cruel decepção”. Entrevista com Henri Tincq - Instituto Humanitas Unisinos - IHU