08 Mai 2015
A França pode ser tradicionalmente apelidada de "a filha mais velha da Igreja", mas não é nenhum segredo o fato de que as relações entre pai e filha estão desgastadas há muito tempo. Ultimamente, as tensões que chiavam entre a Igreja e o Estado têm estado em alta fervura.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 06-05-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
A mídia francesa inundou-se de matérias sobre o fato da nomeação de Laurent Stefanini como próximo embaixador do país para o Vaticano ter sido bloqueada porque ele é gay. Stefanini, que diz ser um católico praticante, é atualmente chefe de protocolo do governo e é descrito como um funcionário altamente capaz.
Os diplomatas do Vaticano consideram uma cortesia dos governos não nomear católicos cujas vidas pessoais estejam em conflito com o ensinamento da Igreja, porque o Vaticano vê isso como uma ingerência na vida interna da Igreja. Assim, a escolha de um católico abertamente gay pelo presidente socialista François Hollande foi vista por eles como uma provocação deliberada.
Para uma grande parte da opinião pública francesa, no entanto, o veto foi visto como algo mesquinho e intolerante.
Enquanto isso, muitos católicos na França ficaram indignados na segunda-feira ao saber que um juiz tinha ordenado que a cidade de Ploermel, na Bretanha, faça a remoção de uma estátua de João Paulo II de sua praça principal, alegando que ela viola uma lei de 1905 que decreta a separação entre Igreja e Estado.
A estátua foi um presente para a cidade do escultor russo-georgiano Zurab Tsereteli, e foi concebida como um símbolo de amizade entre a Rússia e outros países com uma herança cristã. É também uma atração turística de Ploermel, uma pequena cidade de 9 mil habitantes, onde a única outra grande atração é um carnaval anual.
Não é a primeira vez que algo desse tipo acontece. Anteriormente, uma ordem foi dada para que fosse removida uma estátua de Maria de um parque público que beira o Lago Genebra na cidade de Publier.
Essa decisão foi tomada mesmo com a oposição do prefeito de Publier, um homem de esquerda e "livre pensador", conforme sua própria definição, que, juntamente com um padre local, fez um contrato de arrendamento privado no pequeno pedaço de terra onde a estátua está localizada, dispositivo destinado a protegê-la da lei de 1905. O prefeito Gaston Lacroix disse que a estátua é um marco local, e que até os muçulmanos da cidade estavam a favor.
Os fiéis enxergam a repressão aos símbolos religiosos e populares tão mesquinha e fanática da mesma forma que os simpatizantes aos direitos dos homossexuais percebem o desprezo a Stefanini.
Isso acontece juntamente com uma decisão controversa das autoridades do metrô de Paris, decisão mais tarde revogada, que proibia a colocação de um anúncio publicitário para um concerto de um grupo musical popular, de padres católicos, cuja arrecadação beneficiaria os cristãos perseguidos no Oriente Médio.
Com certeza, a estrita interpretação da França sobre a separação entre Igreja e Estado não afeta apenas os católicos. Recentemente, uma menina muçulmana, de 15 anos de idade, foi mandada para casa duas vezes de uma escola em Charleville-Mézières por usar uma saia longa que o diretor considerou como uma demonstração de "ostentação" de sua fé.
O fato de outros credos também sentirem a picada, no entanto, não faz com que muitos católicos franceses sintam-se menos infelizes.
A boa notícia é que as relações entre Igreja e Estado ainda não atingiram o ponto de irreversibilidade. Por exemplo, as autoridades francesas anunciaram, recentemente, que soldados e a polícia vão proteger propriedades católicas após a prisão de um muçulmano marroquino que planejava atacar durante os serviços religiosos da Igreja.
Ainda assim, as recentes brigas sugerem a possibilidade de um novo ciclo de conflito entre secularistas e crentes franceses.
Há muito em jogo porque, para o bem ou para o mal, a Igreja francesa continua a ser uma força extremamente importante no catolicismo. Tradicionalmente, os prelados franceses estão entre os líderes intelectuais da Igreja, e muito da nova energia teológica tem borbulhado primeiro na França.
A França também tem um papel de liderança no mundo em desenvolvimento, onde se encontram dois terços dos 1,2 bilhão de católicos no planeta hoje.
No geral, a população católica das 40 nações onde o francês é a língua principal, em sua maioria na África, será mais ou menos de 280 milhões até o ano de 2050, representando um quinto de todos os católicos na Terra. A República Democrática do Congo por si só, tem quase 100 milhões de católicos em meados do século, e muitos ainda serão fortemente influenciados por tudo o que está acontecendo na França.
De uma forma abstrata, Francisco parece ser o papa certo para ajudar a Igreja francesa a esculpir um novo relacionamento com a maioria secular do país.
A aproximação com os não-crentes é uma marca registrada de seu papado, e sua agenda de justiça social desempenha um bom papel com a opinião pública francesa. Em janeiro de 2014, o presidente francês François Hollande fez questão de conhecer o Papa Francisco no Vaticano, algo que ele não tinha feito nas viagens anteriores a Roma, em parte porque, segundo as pesquisas de opinião na França, a popularidade do papa é muito maior do que a sua.
Mesmo que o seu francês seja um pouco irregular, esse papa sem dúvida consegue falar a língua da França.
Quando Francisco fez uma viagem de um dia para Estrasburgo em novembro a fim de abordar o Parlamento Europeu, ele não fez quaisquer outras paragens, porque disse que isso constituiria uma visita oficial à França e ele queria esperar para fazer essa visita direito.
Os eventos atuais sugerem que Francisco pode estar pensando sobre o agendamento a sua visita o mais rapidamente possível, porque senão colocar a relação entre Igreja e Estado de volta aos trilhos pode provar ser difícil até mesmo para ele.
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O Papa Francisco conseguiria diminuir a tensão entre Igreja e Estado na França? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU