27 Novembro 2012
"Você fornece as fotos", explicou um barão da imprensa americana a seu fotógrafo. E, então, segundo reza a lenda de fins do século 19, completou: "E eu forneço a guerra." O atual conflito entre militantes do Hamas e as forças de Israel, interrompido após um cessar-fogo firmado na quarta-feira, produziu imagens impactantes, retratando mortes e sofrimento, que prontamente começaram a circular pelas redes sociais, sem que nenhum dono de jornal precisasse intervir.
A reportagem é de Michel Rocard, publicada no portal Project Syndicate e reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, 26-11-2012.
O Exército de Israel, que chegou à conclusão de que não foi bem-sucedido na tentativa de explicar suas ações durante a última guerra contra os palestinos de Gaza, travada no fim de 2008, desta vez, se preparou para fazer um serviço melhor, segundo notícias divulgadas em Israel.
O bom das redes sociais - como músicos, jornalistas e empresas aprenderam com rapidez - é que, quando a coisa é bem feita, o próprio público faz o trabalho, passando as mensagens para outras pessoas, que as repassam para outras tantas. No entanto, pode ser arriscado misturar a gravidade de uma guerra com uma mídia que, muitas vezes, parece ter obsessão pela trivialidade.
De fato, Israel já tinha sido criticado por conta de um programa instalado no blog de seu Exército - algo iniciado meses antes do conflito em Gaza -, que concede "divisas" aos visitantes por contribuições à causa feitas nas redes sociais. Um crítico acusou Israel de transformar a guerra em um "game".
Uma coisa é certa: quem recruta as redes sociais, perde o controle de sua mensagem, como, por exemplo, quando um post pega fogo no Twitter. E, dessa forma, os resultados iniciais para os israelenses não foram tão positivos assim.
Poucas horas depois de Israel ter assassinado Ahmed Jabari, o chefe do braço militar do Hamas, provocando disparos de mísseis palestinos na direção de seu território, o Twitter oficial dos militares israelenses, que agora tem 200 mil seguidores, publicou posts que mostravam mísseis caindo sobre a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade, a Ópera de Sidney e indagavam: "O que você faria?" Embaixo, vinha a nota: "Compartilhe isso, se você acha que Israel tem o direito de se defender".
No entanto, essa mensagem "light" foi acompanhada de um comportamento online mais agressivo, imediatamente acusado de impróprio. Os militares israelenses colocaram um vídeo no YouTube mostrando o assassinato de Jabari. O site de compartilhamento de vídeos tirou por alguns instantes o filme do ar, mas, depois, tornou a colocá-lo disponível, informando que a remoção tinha sido um erro.
O Exército também postou no Twitter uma foto de Jabari com um fundo vermelho, cor de sangue, e a palavra "Eliminado" carimbada, além de uma mensagem provocadora que dizia: "Recomendamos que nenhum militante do Hamas, de baixo ou alto escalão, saia de seu esconderijo e mostre a cara na rua nos próximos dias".
O post suscitou uma resposta das Brigadas al-Qassam, o braço militar do Hamas, dirigida à unidade do Exército que controla sua conta no Twitter: "Nossas mãos abençoadas alcançarão seus líderes e seus soldados onde quer que eles estejam. Vocês abriram as Portas do Inferno sobre vocês". Nesse dia, o diálogo entre os feeds de língua inglesa que os dois inimigos mantêm no Twitter parou por aí.
Para os jornalistas que acompanharam o recente mergulho dos militares israelenses nas redes sociais, as demonstrações verbais de valentia deram lugar a posts cujo foco era o sofrimento entre a população de Israel. A mudança faz sentido, dizem eles, porque o material comemorando os sucessos militares terá sua repercussão limitada aos que já apoiavam o país antes do início das hostilidades.
Gilad Lotan, um cientista de dados que estuda como a informação se espalha pelas redes sociais, diz que Israel conseguiu passar sua mensagem.
"A propaganda dos militares israelenses forneceu a seus defensores, em todo o mundo, munição digital que eles podem usar para compartilhar e descontextualizar, dando sua própria versão da luta de Israel", afirma. "E deu certo. Essas mensagens, fotos e vídeos foram muito compartilhados no Twitter, no Facebook, no Instagram e no Tumblr."
Para Ali Abunimah, do site pró-palestinos Electronic Intifada, com sede em Chicago, prestar atenção no branding online de ambos os lados é desviar os olhos da realidade. "Você pode despender anos de trabalho e gastar rios de dinheiro", disse. "Pode fazer um esforço enorme para controlar a versão dos fatos, mas a realidade é que, quando o míssil cai e destrói uma casa, isso é o que determina a narrativa sobre os acontecimentos."
Durante o conflito, o uso das mídias sociais facilitou o encasulamento de ambos os lados. Foram criadas hashtags rivais no Twitter: #pillarofdefense, do lado israelense, e #gazaunderattack, do lado palestino. Às vezes, os mesmos acontecimentos foram reproduzidos por cada um com sentidos radicalmente diferentes.
Mísseis disparados de Gaza que caem perto de Jerusalém são festejados pelo Twitter das Brigadas al-Qassam como prova da capacidade de suas forças de levar o conflito para o território do inimigo, ao passo que o Twitter dos militares israelenses usa a notícia como exemplo de agressão gratuita.
Na quinta-feira, num raro caso de polinização cruzada, as Brigadas al-Qassam, que têm 40 mil seguidores no Twitter, retransmitiram um post das forças israelenses, informando que cinco soldados haviam sido feridos por um míssil palestino.
Nesta semana, o empenho para moldar as percepções do conflito chegou ao topo do governo israelense. Na noite de segunda-feira, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu postou para seus 120 mil seguidores no Twitter um agradecimento pelos esforços dos israelenses nas redes sociais: "Gostaria de agradecer a todos os cidadãos de Israel e do mundo inteiro que estão participando do esforço nacional de informação".
Sendo o Twitter o que é, logo veio a resposta: "@netanyahu, é difícil escrever esforço nacional de informação com 140 caracteres. Que tal usar só propaganda daqui para a frente?" Não tardou para que Netanyahu postasse, pela segunda vez, uma foto da semana passada, mostrando um bebê israelense (com o rosto apagado) que havia sido ferido por mísseis disparados de Gaza, com a legenda: "Para o Hamas, toda vez que há vítimas civis, isso significa que a missão foi bem-sucedida".
Mais ou menos na mesma hora em que Netanyahu postou pela primeira vez a foto do bebê ferido, as Brigadas al-Qassam usaram o Twitter para compartilhar fotos de uma criança morta num ataque israelense. Em ambos os casos, as imagens eram acompanhadas de um comentário. O de Netanyahu: "Acabo de ver a foto de um bebê israelense todo ensanguentado. O Hamas tenta atingir nossas crianças deliberadamente". O Brigadas al-Qassam: "Onde está a cobertura da imprensa para os crimes que Israel comete em Gaza?"
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Lutando com armas e postando no Twitter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU