13 Outubro 2017
Yuval Noah Harari é uma estrela desde o lançamento do seu best-seller Sapiens, que vendeu milhões de exemplares. Após ter refletido sobre o nosso passado, o historiador quer descrever o nosso futuro em Homo Deus. Uma breve história do amanhã (Companhia das Letras, 2017). Brilhante, mas vazio.
A reportagem é de Franck Damour, historiador e ensaísta, publicada por La Vie, 14-09-2017. A tradução é de André Langer.
“É improvável que as novas religiões emerjam das cavernas do Afeganistão ou das madraças do Oriente Médio. Em vez disso, elas vão sair dos laboratórios de pesquisa. Assim como o socialismo conquistou o mundo prometendo salvação por meio do vapor e da eletricidade, nas próximas décadas as novas tecnorreligiões poderão conquistar o mundo prometendo salvação por meio de algoritmos e genes.”
A proposição formulada em Homo Deus, cuja tradução para o francês acaba de ser publicada, pode ser desconcertante. Um esquema de pensamento comum opõe técnica e religião: à primeira, corresponderiam os dispositivos materiais, os objetos tangíveis e úteis; à segunda, as ideias, os valores, as crenças em seres invisíveis. Mas essa oposição é, na verdade, uma construção moderna, nascida com a secularização e que talvez esteja se esgotando. Um sinal dessa perturbação seria a multiplicação, nos últimos anos, dos ensaios sobre as ligações entre tecnologia e religião. O livro de Yuval Noah Harari é um exemplo perfeito disso. Ele participa do revival positivista que, nos últimos 25 anos, vem ampliando a sua influência.
O positivismo de Auguste Comte propõe uma interpretação da história em três estágios: depois dos tempos teológico (paganismo) e metafísico (monoteísmo) viria o estágio em que a ciência e a técnica dissipariam a necessidade de encontrar sentido. Visto que sabemos como, não precisaríamos mais saber por quê. Esse esquema informa sobre o desejo de eficácia do nosso tempo. Ele se manifesta nos discursos “pragmáticos” na democracia, no solucionismo tecnocrático (esse tem lugar no pensamento político na Califórnia), nas técnicas de espiritualidade, da educação revisitada pelos neurocientistas ou pela medicalização de uma série de dificuldades psicológicas ou sociais...
Nesse contexto, ninguém se surpreende com o fato de que Yuval Noah Harari tenha encontrado um grande sucesso com o seu primeiro ensaio, Sapiens. Uma breve história da humanidade. O livro reconstrói a história humana à luz desse esquema, fazendo do homem acima de tudo um Homo technicus e do advento da máquina a vapor o fim dos deuses antigos. Homo Deus é a sua sequência lógica. Aí encontramos certamente a mesma maneira de escrever eficaz própria dos best-sellers.
Quando quatro grandes calamidades escrevem a nossa história – a fome, as epidemias, a guerra e a morte –, nós estaríamos em condições de vencer a mais poderosa de todas. A “guerra contra a morte”, a golpes de engenharia genética e de nanomedicina, começou no Vale do Silício. Seria importante se adaptar a essa nova situação em que o “direito à felicidade” vem acompanhado da reivindicação da longevidade. A solução virá da bioquímica: o Prozac ou a Ritalina seriam apenas os mensageiros de uma nova ordem tecnobiológica. De passagem, o Homo sapiens se dotaria de superpoderes, dominando seu organismo de um extremo a outro, fazendo dele um Homo deus, nova espécie comparável aos deuses pagãos.
Mas esse sucesso terá seu preço. Para nos tornarmos deuses, deveremos sacrificar a nossa liberdade às máquinas, que, em troca, nos darão a imortalidade. A história é conhecida desde os gregos até o poema O Grande Inquisidor, de Dostoievski. Harari a atualiza, marcando a dimensão política da crescente dissociação entre a inteligência e a consciência. Para o professor de história israelense, nós somos algoritmos vivos. Mais do que isso, tudo não passa de algoritmo, do organismo mais microscópico ao universo inteiro, passando pelas línguas, construções culturais, sistemas jurídicos, a quinta sinfonia de Beethoven, etc. Portanto, as supermáquinas que nós construímos e que logo calcularão ainda mais rapidamente que todas aquelas já existentes, poderão decidir tudo no nosso lugar. Esses algoritmos, sem se tornarem conscientes, serão cada vez mais inteligentes, e nós acabaremos por delegar a eles o nosso poder de decisão.
Para Harari, o progresso tecnológico está em condições de devorar a modernidade e a “religião humanista” que a constitui está prestes a ser substituída por uma religião dos dados digitais. Esse “dataísmo”, mais que o tecno-humanismo, assinala o fim da humanidade sob a forma de um suicídio voluntário e consentido por uma elite prestes a sacrificar sobre o altar da eficácia as massas que serão inevitavelmente marginalizadas pela automatização generalizada. Uma vez a liberdade dissolvida no big data e o indivíduo dissolvido na bioquímica, nada mais restará da epopeia humanista. Esse ensaio retoma uma trama hollywoodiana bem conhecida: o homem é apenas técnica; esta está prestes a fugir do seu controle e de fazê-lo desaparecer. Poderá ele se salvar? Melhor ler Mary Shelley [autora do romance Frankenstein ou o Moderno Prometeu, no original. Nota do tradutor].
Se o estilo é eficaz, se algumas analogias são intrigantes, a demonstração de Harari sofre de muitas fraquezas. As proezas anunciadas do big data são dadas como certo. A inteligência artificial já estaria acontecendo, sem que se saiba exatamente a que o autor está se referindo. Sua visão da religião como dispositivo narrativo e consolador é caricatural, e sua concepção da Idade Média como um tempo obscurantista e antitécnico faria Georges Duby se remexer no túmulo. Sua apresentação muito ingênua da técnica retoma os mitos mais batidos, guardando-se de situar em seu contexto econômico, social e político as evoluções que teriam, segundo ele, vencido a fome e as doenças.
Além disso, Harari mantém um discurso cujas consequências desastrosas ele denuncia... Esse discurso de Cassandra é frequentemente adotado pelos tecnófilos ideológicos, porque confirma a ideia de, basicamente, tudo é técnica. Por trás dessa narrativa, há uma metafísica: a liberdade sempre foi uma ilusão; tudo não passa de um cálculo; o relato positivista serve como uma filosofia da história. Nada de novo sob o sol extenuante dos Vales do Silício do mundo inteiro.
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A religião positivista quer crer no big data - Instituto Humanitas Unisinos - IHU