17 Março 2015
Livro de Yuval Noah Harari, que leciona em Jerusalém, usa narrativa eloquente para refletir sobre quem somos e para onde vamos, comenta William Helal Filho, em artigo publicado no jornal O Globo, 15-03-2015.
Eis o comentário.
Evolucionistas têm explicação para tudo. As nossas dores nas costas, por exemplo, são o preço que pagamos por cérebros avantajados e por andar com “apenas” duas pernas, em posição ereta. Nossos bebês nascem assim, tão subdesenvolvidos e molengos, porque o caminhar ereto exige quadris estreitos e canais de parto apertados, o que não combina com nenéns de cérebros grandes. As mulheres que davam à luz antes do tempo tinham mais chances de sobreviver, o que levou a seleção natural a favorecer, e perpetuar, nascimentos “precoces”. Tudo aconteceu ao longo de milhões de anos, até chegar o Homo sapiens. A espécie surgida há 150 milênios passou a reinar no planeta há 70 mil anos, depois da “revolução cognitiva”, a primeira de uma série de revoluções que, segundo o livro “Sapiens — Uma breve história da humanidade” (Editora L&PM), recém-lançado no Brasil, ditou e continua direcionando o caminhar da civilização.
A obra é uma tentativa de resumir nossa presença e nosso impacto na Terra, assim como de especular para onde a inteligência artificial e a “revolução biológica” vão nos levar. Tudo isso em 418 páginas, o que soa bastante pretensioso. Mas o autor Yuval Noah Harari, um israelense de 39 anos com doutorado em História pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, usa amarrações inteligentes e bem-humoradas, sempre do ponto de vista da evolução, para sobrevoar informações que, se estivessem lá, fariam do livro uma impossível enciclopédia.
— Muitas pessoas não conhecem bem a história da nossa espécie. A gente vê filmes, ouve falar um pouco na escola, mas esses detalhes não se conectam. É um problema porque o passado tem influência direta em nossas escolhas — diz, em entrevista por telefone, o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, cuja obra entrou para a lista de mais vendidos do “New York Times”, sob elogios da crítica internacional.
Antes da tal revolução cognitiva, o Homo sapiens não era muito diferente dos outros animais. Mas, há 70 mil anos, começamos a pensar de forma diferente e a criar códigos de comunicação complexos. Isto permitiu ao homem se organizar em grandes grupos, o que foi um dos motivos para ele prevalecer enquanto centenas de animais, inclusive outras espécies humanas, eram extintas:
— Mas as características impressas no nosso código genético por todos os milênios na selva continuam lá. Nossos hábitos alimentares, conflitos e sexualidade são resultado de como as mentes de caçadores-coletores interagem com celulares, metrópoles e tudo mais. Nosso DNA ainda acha que estamos na savana africana.
Nossas faculdades mentais fizeram de nós a única espécie capaz de criar ficção. Foi isto, diz Harari, que tornou possível a expansão da sociedade. Religiões, empresas e dinheiro seriam obras de ficção. “Toda cooperação humana — seja um Estado moderno, uma igreja medieval (...) — se baseia em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva”, afirma o livro. Mas são esses elementos que nos unem em torno das diferentes comunidades.
A revolução cognitiva nos levou à revolução agrícola, há cerca de dez mil anos. Há 500 anos, veio a revolução científica e 250 anos depois, a revolução industrial. Chegou a revolução da informação, há cinco décadas, que nos trouxe à revolução biotecnológica. Harari acha que o sapiens pode estar perto do fim. Seria substituído por castas de humanos geneticamente modificados e “amortais”.
— Estamos confiando cargos de trabalho e até decisões pessoais a computadores. A Amazon faz um ótimo trabalho usando meus dados para escolher o próximo livro que vou ler. Os humanos estão correndo o risco de se tornar obsoletos — alerta o autor, rejeitando o rótulo de pessimista.
— Sou apenas realista.
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‘Nosso DNA ainda acha que estamos na savana africana’, diz professor de história israelense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU