20 Agosto 2018
Apesar das muitas dúvidas dos católicos irlandeses sobre os escândalos de abuso sexual na Igreja e abordagem às mulheres e aos LGBTs, há muito entusiasmo pelo nono Encontro Mundial das Famílias, programado para ocorrer entre os dias 22 e 26 de agosto, em Dublin.
A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por National Catholic Reporter, 18-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Mesmo com previsões de um declínio na Igreja Católica, as preocupações sobre o baixo comparecimento de fiéis não parecem condizer com a realidade. Mais de 37 mil visitantes estão inscritos no Congresso Pastoral de 22 a 24 de agosto na Royal Dublin Society, e os ingressos já estão reservados há muito tempo. Além disso, meio milhão de ingressos para a missa papal de 26 de agosto no Phoenix Park esgotaram dentro de duas semanas, e os ingressos para o evento papal de 26 de agosto em Knock Shrine acabaram ainda mais rapidamente.
O evento trienal registrou um número recorde de visitantes estrangeiros. Mais de 15 mil peregrinos, vindo de 116 países, irão à capital irlandesa para o congresso, a mais alta representação internacional desde que a reunião foi estabelecida em 1994.
"Temos o maior número de crianças para este evento - quase 6 mil inscritas", disse o Padre Timothy Bartlett, secretário geral do Encontro Mundial das Famílias de 2018.
O tema do Encontro Mundial das Famílias deste ano é "O Evangelho da Família: Alegria para o Mundo". A exortação apostólica do Papa Francisco sobre a família, Amoris Laetitia, sustenta os trabalhos do congresso. Os participantes irão ouvir palestras de cardeais como o norte americano Donald Wuerl* de Washington, Vincent Nichols de Westminster, Inglaterra, e Mario Zenari, núncio apostólico da Síria.
Milhares de voluntários têm por objetivo garantir o bom andamento do congresso, que envolve mais de 80 oficinas e painéis com cerca de 300 palestrantes nacionais e internacionais e mais 300 estandes de exposição.
Embora os organizadores possam estar satisfeitos com os preparativos, existe alguma inquietação quanto à exclusão de certos grupos e à inclusão de oradores específicos.
O jesuíta americano James Martin, que quer construir uma ponte entre a comunidade LGBT e a Igreja, está programado para dar um workshop sobre como as paróquias podem receber os católicos LGBT e seus familiares. Martin tem sido alvo do Movimento Internacional de Tradição a Família, desenvolvido na Irlanda, com uma petição solicitando que ele se retire do congresso. A petição recebeu mais de 11 mil assinaturas.
Na petição - uma carta aberta ao arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, presidente do Encontro Mundial das Famílias - a Sociedade Irlandesa para a Civilização Cristã afirma que Pe. Martin não deveria ter sido convidado porque "é um defensor do New Ways Ministry, uma organização religiosa pró-homossexuais e lésbicas que foi declarada gravemente inaceitável pela Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos". É de entendimento do NCR que os organizadores não têm a intenção de rescindir o convite ao Pe. Martin.
A Global Network of Rainbow Catholics (Rede Global Católica Arco-íris, em tradução livre), uma coalizão internacional de 32 organizações católicas LGBT, não conseguiu um estande de exposição na Royal Dublin Society. We Are Church Ireland (Nós Somos Igreja - Irlanda, na tradução livre), grupo leigo de reforma, também não conseguiu uma posição. O censurado redentorista Tony Flannery, membro do We Are Church Ireland, disse ao NCR que o pedido do grupo foi cancelado pelos organizadores do Encontro Mundial de Famílias.
"Nos inscrevemos em fevereiro e pagamos os 1.250 euros necessários, o que representa metade do total de 2.500 euros para um estande", disse Flannery. "Em nenhum momento obtivemos uma resposta dos organizadores. Sempre nos disseram que o assunto ainda estava sendo considerado. Quando a data final foi marcada para a reserva de um estande, não tivemos resposta. O cheque de 1.250 euros não havia sido descontado", disse o redentorista.
Christopher Vella, co-presidente da Global Network of Rainbow Catholics, acredita que é importante que os católicos LGBT sejam representados no evento.
"A realidade é que as pessoas LGBT e suas famílias fazem parte da Igreja. Eles merecem um Ministério efetivo e cuidado pastoral, assim como todos em nossa Igreja", disse Vella.
Embora Flannery não participe do congresso do Encontro Mundial das Famílias, ele participará da missa papal como uma marca de sua admiração por Francisco. Flannery também vai falar no painel de discussão "Vozes que Papa Francisco não ouvirá" que irá ocorrer em 20 de agosto no Trinity College Dublin, antes da abertura oficial do congresso. Organizado pelo Instituto Wijngaards, a discussão vai contar com a presença de teólogos e ativistas discutindo alguns tópicos excluídos do Encontro Mundial das Famílias. Flannery, que também se sente decepcionado por seus superiores redentoristas, critica os processos da Congregação para a Doutrina da Fé como "descarada e obviamente injustos".
"Meu caso é típico do processo que tem sido usado pela CDF. Estou desapontado que alguém não esteja fazendo algo a respeito disso, e eu não me refiro apenas ao Vaticano, mas também aos bispos irlandeses, porque há um grande número [de padres] aqui na Irlanda que foram tratados de maneira vergonhosa", disse Flannery.
Outros tópicos discutidos no Trinity College Dublin incluem a marginalização de mulheres e pessoas LGBT na Igreja, além dos danos causados pela proibição da contracepção e o recente referendo sobre aborto na Irlanda.
"A hierarquia deve ir além da noção de que é um plano de Deus o fato das mulheres nunca poderem ser líderes na Igreja, e que as relações entre pessoas do mesmo sexo sejam incapazes de refletir o amor de Deus", disse a editora e colunista do NCR, Jamie Manson, que participa de um dos painéis.
"A doutrina católica ensina que Deus está em toda parte e em todas as pessoas. No entanto, quando se trata de mulheres que querem ser padres ou pessoas LGBT que querem ter relações amorosas entre si, a Igreja lhes diz que Deus não pode agir dentro delas e de seus relacionamentos de maneira sacramental", acrescentou a colunista.
O objetivo do painel é permitir que as mulheres e os católicos LGBT saibam que os teólogos e acadêmicos de todas as disciplinas estão determinados a continuar questionando o ensinamento da Igreja, baseado no preconceito e na má interpretação de textos, disse Miriam Duignan, diretora de comunicações e curadora de textos. O Instituto Wijngaards também está lançando um novo relatório de pesquisa sobre o ensino e tratamento da Igreja Católica em relação aos LGBTs com Mary McAleese, ex-presidente da Irlanda, que argumenta que a necessidade de uma revisão teológica do ensino e prática da Igreja sobre este assunto.
"Nos próximos meses, acadêmicos de diferentes disciplinas vão abordar os vários aspectos da questão sob as perspectivas da biologia, psicologia, sociologia e teologia", disse Duignan. Ela antecipa que a pesquisa mostrará que um dos principais argumentos por trás do ensino papal afirmando que a homossexualidade é contra a natureza - ou seja, que é intrinsecamente não procriativo e, portanto, contra o propósito "natural" do sexo - "é um grosseiro mal entendido da sexualidade humana".
Um protesto está sendo planejado pela organização Ordenação Mundial de Mulheres para coincidir com a missa papal de encerramento, celebrada em 26 de agosto por Francisco. Kate McElwee, diretora executiva da Women's Ordination Conference, que faz parte do Grupo Mundial de Ordenação de Mulheres, disse ao NCR que uma manifestação pública em prol da igualdade das mulheres na Igreja será realizada na entrada do parque antes da missa. O grupo recebeu permissão da polícia irlandesa para protestar, e pedirá a Francisco que abra a porta para o diálogo sobre a ordenação de mulheres e "reconheça que não há credibilidade em uma Igreja que nega a igualdade a mais da metade de seus membros", disse McElwee.
"As repetidas tentativas do Vaticano para eliminar o chamado sacerdotal de Deus ao celibato causam grande dor às mulheres que descobriram sua vocação ao sacerdócio, bem como ao povo de Deus que é privado dos dons das mulheres e da liderança sacramental", disse McElwee. Ela destacou como a exclusão de mulheres de ministérios ordenados afeta seu acesso à tomada de decisões na Igreja, "deixando as experiências e vozes de mulheres marginalizadas perante as políticas da Igreja que impactam suas vidas".
No que pode ser uma tentativa de evitar tais críticas, o Encontro Mundial das Famílias introduziu um simpósio especial para mulheres em seu programa. "Voices of Impact: Women Leaders Shaping Global Change” (Vozes de Impacto: Mulheres Líderes Moldando a Mudança Global, em tradução livre) marcada para o dia 25 de agosto, que discutirá o impacto global da liderança feminina. Entre os oradores estão a major norueguesa Kristin Lund, primeira mulher a liderar as Forças de Manutenção da Paz da ONU.
No entanto, We Are Church Ireland descreveu o simpósio como "um golpe para apresentar a Igreja Católica como aliada das mulheres". Em um comunicado, o grupo disse que era "desonesto" para o Arcebispo Martin e para os organizadores do Encontro Mundial das Famílias “procurarem celebrar o sucesso das mulheres nos negócios e na sociedade, ignorando seu contínuo status de segunda classe na Igreja Católica Romana".
Enquanto isso, o Instituto Lumen Fidei está organizando a "Conferência das Famílias Católicas" de 22 a 23 de agosto em Dublin. O porta-voz Anthony Murphy disse ao NCR que o evento se concentrará na encíclica do Papa Pio XI, Casti Connubii, que antecipou a Humanae Vitae em seu ensino sobre casamento, procriação e contracepção. Os participantes da conferência ouvirão um discurso gravado do Cardeal norte-americano Raymond Burke via vídeo, além do bispo cazaque Athanasius Schneider, ambos críticos de Francisco.
Um comício também é planejado por Colm O'Gorman, o diretor da Anistia Internacional, que foi abusado aos 14 anos pelo Pe. Sean Fortune. O protesto de O'Gorman será realizado em 26 de agosto no Garden of Remembrance de Dublin, para coincidir com a missa papal como uma marca de solidariedade às vítimas de abuso.
O’Gorman anunciou o encontro depois que o arcebispo Martin pareceu sugerir que Francisco não teria tempo de se encontrar com sobreviventes de abusos. Isso provocou uma forte reação da sobrevivente irlandesa Marie Collins, que pediu a Francisco para se encontrar com as vítimas e "dizer o que ele vai fazer quanto à essa crise na Igreja".
Collins participará com o Cardeal Sean O'Malley*, de Boston, no primeiro seminário sobre salvaguarda de crianças em um congresso do Encontro Mundial de Famílias.
"É bom ver a questão sendo incluída porque é importante para as famílias que seus filhos estejam seguros em sua Igreja e sociedade", disse Collins ao NCR.
[Nota de IHU On-Line: Cardeal O'Malley e Cardeal Wuerl cancelaram suas participações no Encontro Mundial das Famílias como pode ser lido aqui e aqui.]
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Em meio à dúvidas sobre escândalos de abuso, Irlanda se mantém otimista para o Encontro Mundial das Famílias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU