29 Abril 2018
Os laços entre o Vaticano II e o Movimento de 1968 são mais profundos do que se costuma acreditar. O Concílio, de fato, "preparou" em certa medida o terreno para o grande movimento de protesto.
Os anos 1970 foram um passo crucial na vida da Igreja na Itália. Estes são os anos da implementação do Concílio e ao mesmo tempo foram atravessados por tensões e polarizações relacionadas com o Movimento de 1968. Fé e política entrelaçadas entre si? Se isso for verdade, baseadas em que premissas e com quais desdobramentos? Perguntamos isso a Agostino Giovagnoli, professor de história contemporânea na Universidade Católica de Milão.
A entrevista é de Giovanna Pasqualin, publicada por Traversa SIR, 26-04-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre as transformações da Igreja Católica relacionadas ao Vaticano II e os eventos de 1968 havia uma ligação?
Sim, mais profunda, especialmente na Itália, do que geralmente se acredita. Os protestos de 1968 se cruzaram de várias formas com uma evolução do mundo católico italiano já em curso há algum tempo. Não foi estritamente no plano político que se desenvolveu a influência do Concílio sobre a sociedade e sobre as suas transformações. O Concílio na realidade abordou questões importantes, fez uma abertura para uma reflexão fundamental sobre a organização institucional da Igreja católica dentro de uma ampla transformação da sociedade europeia e ocidental que estava questionando suas instituições eclesiais, políticas, sociais e familiares. O Movimento de 1968 foi principalmente um protesto anti-institucional e é nesse âmbito que pode ser encontrado o nexo que liga os dois fenômenos.
O Concílio, portanto, "preparou de alguma forma o terreno” para o Movimento de 1968?
A Igreja Católica antecipou uma transformação que depois se apresentou de forma convulsiva em 1968, no sentido de um redimensionamento do peso das instituições dentro da sociedade. Por esse ponto de vista, a dissidência católica representou um fenômeno específico e talvez marginal. Retomou algumas modalidades do protesto estudantil, mas não é nisso o ponto mais profundo da relação que investiu relações mais globais.
Qual era a percepção de João XXIII?
Ter compreendido que a Igreja precisava colocar-se na escuta do mundo e de si mesma. Na modalidade conciliar, de alguma forma superou a rigidez institucional que a havia caracterizado por cinco séculos segundo o modelo tridentino. Nesse sentido, o Concílio deu início a um processo em que eu percebo alguns traços presentes em 1968. O historiador jesuíta Michel de Certeau, que participou do "Maio francês", em Paris, escreveu que em 1968 "foi tomada a palavra, assim como em 1789 foi tomada a Bastilha.” Uma imagem metafórica que enfatiza a liberdade de expressão, típica daquele movimento. A analogia é profunda, porque o Vaticano II, em sua própria maneira, "liberou" a palavra, nesse caso, a Palavra de Deus, de uma Igreja que a havia trancado dentro de padrões organizacionais e institucionais que a tornavam quase marginal e ele a trouxe de volta para o centro da vida eclesial. É pela Palavra de Deus que a Igreja renasce.
De que forma o movimento de 1968 influiu nas associações e movimentos do laicado católico?
Para a Ação Católica (AC) uma grande mudança começou com o pontificado de João XXIII e, especialmente, com a eleição de Paulo VI em 1963. A nomeação de Mons. Franco Costa como assistente eclesiástico geral e de Vittorio Bachelet como presidente nacional marcaram a separação definitiva do modelo de L. Geddi (ativista católico italiano). A renovação foi completamente realizada com o novo Estatuto (1969) que produziu uma ampla reorganização e, especialmente, afirmou "a escolha religiosa" da AC, expressão que enfatiza o final de todo alinhamento com qualquer partido político. O impacto do Movimento de 1968 sobre a AC foi principalmente indireta e provavelmente influiu sobre o declínio de membros que de 1964 a 1974 passam de 3,5 milhões para 600 mil.
E quanto às ACLI (Associação cristã dos trabalhadores italianos)?
Aqui devemos novamente falar de um impacto indireto. A transformação das ACLI havia começado no início da década de 1960, em estreita relação com a evolução econômica e social da realidade italiana e do novo papel assumido pelos sindicatos. Outra virada aconteceu como resultado do "outono quente" nas grandes fábricas italianas de 1969 com a adoção da chamada hipótese Socialista que foi seguida por um pedido de esclarecimento por parte da Presidência da CEI (Confederação Episcopal Italiana), uma postura crítica do Pontífice e a saída do assistente eclesiástico. Os protestos de 1968 direcionaram-se mais diretamente para a Juventude estudantil, ramo da AC que havia começado um caminho original, especialmente na Lombardia, em decorrência da iniciativa tomada por Dom Luigi Giussani em 1954. Naquele contexto surgiu Comunhão e Libertação.
O Movimento de 1968, portanto, interferiu com uma evolução em curso no sistema associativo católicos dos anos 1960?
Sim. Talvez o maior impacto tenha se relacionado com as grandes questões internacionais, com especial referência ao terceiro mundo: a guerra no Vietnã, Cuba, Biafra, as lutas pelos direitos civis dos afro-americanos nos EUA. Os membros das associações católicas, especialmente os jovens, estavam muito sensíveis a essas causas e, mais em geral, a aquela da paz. Nesse campo amadureceram uma sensibilidade semelhante à de muitos outros jovens de outras origens culturais e ideológicas, o que derrubou muitas barreiras tradicionais. Por fim, também acontecerem novas experiências que nasceram fora do sistema associativo católico ou da relação com a DC, no clima do Movimento de 1968, como a Comunidade de Santo Egídio em Roma, marcada desde o início por uma forte relação com o Evangelho e os pobres.
Qual a sua opinião sobre o Movimento de 1968?
Teve um grande peso não tanto como um fenômeno político, mas sim como uma instância cultural e social para "inventar" um novo mundo enfrentando os grandes desafios da época, os desafios de um mundo aterrorizado pela arma atômica e em busca da paz, que queria dar a palavra a todos e que enfrentava as graves desigualdades econômicas e sociais. Acabou se dispersando diante de forças maiores; no fundo era um movimento estudantil, que não poderia ter mudado o mundo, porém tentou e esta é a sua herança mais preciosa.
Pensar sobre o Movimento de 1968 é bom porque nos lembra que não precisamos nos conformar com o mundo em que vivemos.
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Movimento de 1968. "Ligação profunda com o Concílio que antecipou alguns de seus traços" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU