10 Setembro 2013
O ponto de vista de Francisco se enraíza em uma original "diplomacia da caridade". O que importa não são abstratamente a justiça, a paz ou outros princípios, embora importantes: é decisivo, ao contrário, colocar-se do lado das vítimas.
A análise é do historiador italiano Agostino Giovagnoli, professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Departamento de Ciências Históricas da mesma instituição. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 09-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Da dor de Francisco pelo que está acontecendo na Síria brotou um ato de grande audácia. De fato, o papa expressou uma severa condenação contra o uso das armas químicas: "Eu ainda tenho fixas na mente e no coração as terríveis imagens", em particular as das crianças. E, a propósito de quem as utiliza, presumivelmente Bashar al-Assad, ele acrescentou palavras terríveis: "Há um julgamento de Deus e também da história sobre as nossas ações, dos quais não podemos fugir".
E, nesse domingo, voltou a condenar os conflitos com palavras que trazem à baila também os grandes interesses econômicos: "As guerras são feitas apenas para vender armas". Mas também disse que guerra chama guerra, e que violência chama violência. Nesse caso, a crítica refere-se à intervenção militar anunciada por Obama. E a Putin, ele escreveu palavras que claramente dizem respeito ao próprio presidente russo: "Muitos interesses de parte têm prevalecido desde quando iniciou o conflito sírio, impedindo que se encontre uma solução que evite o inútil massacre a que estamos assistindo".
O humilde do papa que veio do fim do mundo, em suma, dirigiu ao mesmo tempo, a todos os poderosos da terra, palavras de fogo. O que o levou a tal audácia? O confronto entre as posições norte-americanas e as de Francisco foi reconduzido à relação entre os dois princípios da justiça e da paz, ponto crucial do pensamento ético-político ocidental. Se se quer afirmar a primeira, é necessário recorrer à força, mas isso contrasta com a segunda, que implica, ao invés, diálogo, negociações, mediações.
Obama falou da intervenção militar como de um ato de justiça, consequência obrigatória do emprego de armas vetadas pelas regras internacionais. A iniciativa de Francisco, ao contrário, reabriu a discussão sobre o magistério pontifício contemporânea sobre o tema da paz, da Pacem in Terris de João XXIII, ao grito de Paulo VI na ONU – "Nunca mais a guerra", retomado no Ângelus do dia 1º de setembro –, do apoio de João Paulo II à intervenção humanitária nos Bálcãs, à oposição muito firme desse mesmo papa à guerra no Iraque.
Notou-se que a condenação da guerra não foi absoluta e constante no papado contemporâneo, embora tenham diminuído cada vez mais as motivações que justificam a "guerra justa". Questionou-se, por isso, se Francisco dará o passo definitivo, banindo a guerra sempre e de todas as formas. O ponto de vista de Francisco, porém, é diferente e se enraíza em uma original "diplomacia da caridade".
O que importa não são abstratamente a justiça, a paz ou outros princípios, embora importantes: é decisivo, ao contrário, colocar-se do lado das vítimas. Na Síria, grande parte da população já sofre há anos enormes sofrimentos, e hoje uma intervenção armada não aliviaria e não impediria outras. O mesmo espírito anima a parte da carta a Putin dedicada à economia, em que Francisco pede que os grandes da terra "permitam uma vida digna a todos os seres humanos, dos mais idosos às crianças ainda no ventre materno, não só aos cidadãos dos países membros do G20, mas a todo habitante da Terra, até mesmo àqueles que se encontram nas situações sociais mais difíceis ou nos lugares mais remotos".
A diplomacia do Papa Francisco, em outras palavras, é uma diplomacia a serviço dos pobres, das vítimas da guerra àqueles que sofrem fome, em nome dos quais ele interpela aos poderosos da terra.
O nó da relação entre justiça e paz, por isso, também ser desfeito colocando-se do ponto de vista dos pobres: muitas vezes, o uso da força para punir aqueles que violam a justiça tem pouca utilidade para eles, enquanto frequentemente são eles que sofrem mais a guerra e, por outro lado, se beneficiam menos da paz. Mas não se trata de regras rígidas, somente de lições que vêm da experiência, e, em todo o caso, a escolha deve ser feita segundo as circunstâncias históricas concretas. Por isso, o jejum não é acessório: constitui um apelo às consciências, para que todos assumam as suas próprias responsabilidades, renunciando à indiferença e ao interesse.
Foram os pobres, portanto, que deram a Francisco a força para discutir em pé de igualdade com os grandes da terra, de Obama a Putin, sem medo de criticá-los. O governo norte-americano respondeu com arrogância que o papa representa apenas a Igreja Católica. Mas é uma resposta precipitada. A mobilização de muitos – não só católicos, mas também outros, como os muçulmanos sírios – pela iniciativa de oração e jejum não constitui um evento irrelevante. E são bilhões aqueles que, em nome Francisco, tomaram a palavra, sem fazer distinções políticas, culturais ou religiosas: o povo muito vasto que vive nas periferias do mundo.
Também há, enfim, algo mais. O grito do papa revelou um vazio: nenhuma das diversas posições assumidas pelos governos ou pelas organizações internacionais sobre a questão síria parece hoje resolutiva. Portanto, se equivocariam as diplomacias subestimando quem é capaz de revelar o vazio da sua impotência.
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A diplomacia da caridade. Artigo de Agostino Giovagnoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU