O cardeal ''herege'' que enchia as praças da Itália comunista em 1968

Giacomo Lercaro | Foto: Wikipédia

Mais Lidos

  • “A América Latina é a região que está promovendo a agenda de gênero da maneira mais sofisticada”. Entrevista com Bibiana Aído, diretora-geral da ONU Mulheres

    LER MAIS
  • A COP30 confirmou o que já sabíamos: só os pobres querem e podem salvar o planeta. Artigo de Jelson Oliveira

    LER MAIS
  • A formação seminarística forma bons padres? Artigo de Elcio A. Cordeiro

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

23 Abril 2018

Ninguém é profeta em sua pátria, ensina o Evangelho. Muito menos um homem da Igreja que fazia justamente da pobreza e do diálogo o seu lema nos anos da Guerra Fria e dos blocos contrapostos, e que chegou a condenar publicamente o ataque dos Estados Unidos ao Vietnã.

A reportagem é de Andrea Valdambrini, publicada por Il Fatto Quotidiano, 21-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Era o ano de 1968, simbolicamente evocado agora nos seus 50 anos de aniversário. Não o 1968 dos estudantes de Berkeley ou do Maio Francês, mas sim o do cardeal Giacomo Lercaro, arcebispo de Bolonha. Expulso, na época, pelas hierarquias, celebrado hoje na Santa Sé, no centro da cristandade, em tempos de Papa Francisco.

A vida do eclesiástico nascido em Gênova, no fim do século XVIII, bispo da Ravenna “vermelha”, antes, e depois da Bolonha “muito vermelha” entre 1952 e 1968, é o tema do documentário Secondo lo Spirito, que foi transmitido neste domingo, 22, pelo canal italiano Tv2000, a rede de Conferência Episcopal Italiana (CEI).

Na estreia, na Filmoteca Vaticana, estavam presentes o arcebispo da capital da Emília, Matteo Zuppi, e Dom Ernesto Vecchi, testemunha direta do apostolado social de Lercaro, cujo emblema foi a hospitalidade aos jovens nos palácios sempre abertos do arcebispado: “Se compartilhamos o pão celeste, como não compartilharemos o terreno?”, citação gravada no altar de São Petrônio.

Assinado pelo documentarista Lorenzo K. Stanzani, Secondo lo Spirito, baseando-se em gravações e áudios inéditos, reconstrói a vida e o ensino de um homem da Igreja fora do comum. Começando pela abordagem para com os comunistas, excomungados em 1949, dos quais Lercaro não gostava, mas não condenava em nível pessoal e que queria, de alguma forma, “superar à esquerda”. Prova disso é a candidatura a prefeito de Bolonha, por ele defendida, de um expoente do catolicismo social como Giuseppe Dossetti.

A chegada de João XXIII em 1958 e o início do Concílio Vaticano II, do qual o próprio Lercaro foi um dos protagonistas, tornam sua missão, se possível, ainda mais marcante.

Para Lercaro, Igreja pobre e dialogante com o resto do mundo é também aquela que opta pela paz no cenário internacional. Em plena Guerra do Vietnã, enquanto o arcebispo católico de Nova York, Francis Spellman, abençoava as tropas estadunidenses que bombardeiam os vietcongues, Lercaro, em Bolonha, pronunciou uma homilia contra a opção bélica por ocasião do Dia Mundial da Paz de 1º de janeiro de 1968.

O texto foi preparado por Dossetti, redator do artigo 11 da Constituição italiana (“... repudia a guerra...”). Isso custará ao prelado a renúncia como chefe da Igreja de Bolonha e a marginalização por parte das hierarquias eclesiásticas.

“As imagens recuperadas mostram a surpresa de uma Bolonha ‘comunista’ com as praças cheias de eventos da Igreja nos anos 1950 e 1960”, comenta Stanzani: “A contribuição do catolicismo ao comunismo da Emília ainda é um tema a ser totalmente elaborado”.

Leia mais