29 Novembro 2016
Mensagem da Conferência dos Bispos do Japão dirigida a todos os povos do mundo, habitantes da casa comum de nosso planeta. Proposta da Igreja católica no Japão, cinco anos e meio depois do desastre ocorrido na Central Nuclear Número 1 de Fukushima, para pedir o fechamento das centrais nucleares.
O texto é publicado pela Conferência Episcopal Japonesa, 27-11-2016. A tradução é de André Langer.
No dia 11 de março de 2011, um tsunami, provocado por um terremoto de grande magnitude no leste do Japão, provocou em Fukushima um desastre na Central Nuclear No. 1, administrada pela empresa Energia Elétrica de Tóquio. Oito meses depois, no dia 8 de novembro de 2011, a Conferência dos Bispos Católicos do Japão publicou uma mensagem em Sendai, Província de Miyagi, dirigida a todo o povo japonês, intitulada: Pelo imediato fechamento das centrais nucleares: a nossa reação diante da tragédia provocada pelo desastre da Central Nuclear No. 1 de Fukushima. A nossa intenção era colocar de manifesto de um ponto de vista católico o perigo das centrais nucleares e fazer um apelo para pedir sua supressão.
À vista do imenso prejuízo causado pelo desastre de Fukushima e tendo presente que o Japão sofre frequentemente de terremotos severos que trazem embutidos o perigo de tsunamis de grande magnitude, chegamos à conclusão de que se impõe urgentemente o fechamento imediato de todas as centrais nucleares. Ainda hoje, as pessoas que moram na região de Fukushima sofrem com as consequências econômicas, sociais e emocionais em consequência daquele desastre, e não há previsão, no curto prazo, do fim de seus sofrimentos.
Além disso, como vem se denunciando há muito tempo, ainda não se encontrou uma maneira de se livrar por completo dos resíduos radioativos. Apesar de tudo isso, o governo japonês começou a reativar os 48 reatores nucleares que tinham sido paralisados depois do desastre de Fukushima. O governo alega o pretexto de que as inspeções de segurança foram cumpridas. Ele também colocou em marcha os trabalhos para a construção de novas centrais, que tinham sido interrompidas, e estão sendo acelerados os passos para facilitar a exportação de tecnologia de energia nuclear para outros países.
Embora não seja comum que a conferência episcopal de um país se dirija ao mundo inteiro mediante uma mensagem pública, a experiência que o Japão viveu nestes cinco anos e meio após o desastre de Fukushima nos convenceu sobre a necessidade de informar o mundo inteiro sobre os perigos representados pelas centrais nucleares e fazer um apelo para a sua supressão.
O Japão sofreu muitas desgraças por causa da energia nuclear. As bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foram o primeiro caso de uso bélico da energia nuclear e mataram e feriram indiscriminadamente nessas cidades uma numerosa população civil não combatente. Ainda hoje há sobreviventes que sofrem os efeitos da radiação. Em 1954, somente nove anos depois do bombardeio atômico, muitos pescadores japoneses, sobretudo aqueles que pescavam no barco pesqueiro Daigo Fukuriu Maru, foram contaminados por um teste de bomba de hidrogênio realizado pelos Estados Unidos no Atol de Bikini.
Em 1999, pela primeira vez, morreram no Japão trabalhadores de uma central nuclear, a de Tikaimura; foi um acidente fatal. Os bispos, à luz destas experiências e sentindo-nos especialmente como vítimas mundiais do uso bélico da energia nuclear, estamos convencidos de que o Japão tem uma responsabilidade especial para ser solidário com tantas pessoas que morreram por causa da radioatividade. Por isso, fazemos um apelo para pedir o desarmamento nuclear total e a solução dos problemas causados pela energia atômica.
Em nossa mensagem de 2011, indicamos os seguintes pontos como análise da situação:
— Para cumprir com a nossa responsabilidade de proteger a vida e a natureza, transmitindo à posteridade um ambiente seguro, devemos compreender as limitações da humanidade, não superestimar as capacidades tecnológicas e não acreditar na ilusão dos chamados “mitos sobre a segurança”.
— Embora não possamos ignorar os problemas da falta de energia nem a necessidade de reduzir as emissões de dióxido de carbono na atmosfera, temos que dar prioridade à proteção de vidas humanas, todas preciosas sem distinção, e do meio ambiente natural, acima da busca do lucro ou da eficiência.
— Temos que nos colocar a questão ética da nossa responsabilidade para com as futuras gerações; não podemos colocar sobre as costas delas o peso das consequências por ter acumulado o armazenamento de resíduos nucleares tão perigosos como o plutônio.
— A pesquisa sobre fontes de energia renovável e a redução do consumo de energia, como meios para substituir a produção de energia atômica, deveriam levar-nos a buscar novamente um estilo de vida simples e sóbrio, baseado no espírito evangélico de simplicidade pobre.
Desde que publicamos aquela mensagem, continuamos a refletir sobre a situação. E nos damos conta dos seguintes pontos:
— Comparados com os subprodutos da fissão nuclear, raros na natureza, que apoiam a vida, e com os subprodutos causados pela produção de energia mediante combustão, os subprodutos originados pela fissão artificial são muito mais poderosos.
— A fissão nuclear produz resíduos radioativos instáveis, dos quais não somos capazes de nos livrar, nem dispomos de tecnologia para estabilizá-los.
— Uma vez que ocorre um acidente nuclear sério, as vidas das pessoas na área imediatamente próxima se veem radicalmente afetadas. E o prejuízo ambiental causado pelas radiações ultrapassa as fronteiras de espaço e tempo.
— Damo-nos conta também de que há poderosos interesses que impedem o fechamento das centrais nucleares. Ouvem-se continuamente vozes apregoando o crescimento econômico como fonte de felicidade humana e procurando impulsionar o mundo inteiro nessa direção; são como um poder mágico invisível que luta contra qualquer tentativa de suprimir a produção de energia atômica.
Mesmo após o desastre sofrido pelo trágico acidente de Fukushima, o governo segue resolutamente esta opção política. Em setembro de 2011, depois do desastre, o governo anunciou uma mudança na política que apoia ativamente a energia nuclear e propôs o ano de 2013 como meta para abandonar completamente a produção de energia atômica. As centrais nucleares, que foram fechadas como medida para facilitar as inspeções de segurança pertinentes, até o momento, não foram reabertas.
Em 2012, todas as centrais nucleares do país estavam fora de serviço, na situação chamada de “zero de energia nuclear”. Durante esse período, no entanto, o fornecimento de energia elétrica permaneceu estável. Mas, depois, em 2014, esta política foi revista. O governo modificou os critérios reguladores posteriores ao desastre, declarou que a produção de energia nuclear é “básica para o fornecimento de energia” e fez um apelo para “reduzir o máximo possível” a dependência da energia nuclear.
Além disso, o governo continuou investindo grandes somas no programa de reciclagem de combustível nuclear. Pior ainda, o governo evitou tratar o problema dos trabalhadores expostos à contaminação radioativa devido aos acidentes nas centrais nucleares ou durante os trabalhos de descontaminação em Fukushima. O governo suprimiu as restrições que constavam na evacuação de emergência, alegando que os problemas resultantes do desastroso acidente nuclear já tinham sido solucionados.
Atualmente, o governo está perseguindo afanosamente a exportação de tecnologia nuclear. Por trás de todas estas políticas para promover a produção de energia nuclear há interesses de imensos poderes econômicos com os quais o governo está aliado. Não é fácil suprimir a energia nuclear, nem fazer as mudanças sociais contracorrente frente a estes poderes de fato que buscam somente o benefício econômico.
Em maio de 2015, o Papa Francisco publicou sua encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da nossa casa comum. Apoiando esta mensagem nas últimas pesquisas científicas sobre os problemas ambientais, o Papa considera a ética ecológica, a nossa responsabilidade com as gerações futuras e a justiça ambiental. O Papa alerta para os prementes perigos, como a mudança climática, a escassez de água, a perda da biodiversidade, e o que ele chama de “dívida ecológica” em relação ao dano ecológico causado às partes mais desfavorecidas do mundo e em benefício das regiões mais prósperas.
O Papa adota um enfoque cauteloso perante a questão da supressão da energia nuclear, mas é certo que também menciona a energia atômica entre as diversas causas de dano ambiental (LS 184), ao indicar que os desenvolvimentos tecnológicos, inclusive a tecnologia nuclear, dão à humanidade um vasto poder, mas que este poder está limitado a favor de quem têm conhecimentos e recursos tecnológicos para usá-lo. Embora seu poder aumente, não há garantias de que será utilizado com prudência (LS 104).
Estamos convencidos de que, para superar esta situação crítica, a humanidade, como imagem de Deus, deve retornar a uma correta relação com a natureza, a uma relação apropriada para o bem comum pacífica da humanidade e da natureza. A humanidade é, naturalmente, capaz de viver em paz e feliz se as pessoas estão em harmonia consigo mesmas, com o ambiente natural e com Deus. A “ecologia integral” e a “conversão ecológica”, que o Papa recomenda na Laudato Si’, estão em perfeita sintonia com a “pobreza evangélica” que nós recomendávamos na nossa primeira mensagem de 2011 depois do desastre de Fukushima.
Devemos considerar novamente como é o nosso estilo de vida e os nossos hábitos de consumo, valorizar a dignidade humana e promover relações mais profundas com Deus, com a sociedade e com a natureza. Todas as pessoas do planeta são responsáveis pela solidariedade para preservar o meio ambiente natural, obra criadora divina, e proteger a vida. Nós, que vivemos nesta era de crise ambiental, somos chamados a aprofundar a nossa comunhão com o Deus Criador deste belo Universo. Somos chamados a nos reconciliar com todas as criaturas que nos acompanham e a compartilhar mutuamente a sua utilização, mediante o que participamos da continuação da obra do Criador.
Os perigos da produção de energia nuclear são globais. Uma vez que ocorre um acidente, a contaminação radioativa se estende sem fronteiras. As centrais nucleares correm o perigo de ser alvo de ataques terroristas. Além disso, diversas etapas da produção de energia nuclear comportam um sistema global de mineração para a obtenção de urânio, refino de combustível, dispêndio de combustível para reprocessamento e meios para livrar-se dos resíduos. Existe também a possibilidade de que a tecnologia para produzir energia nuclear seja transferida ou desenvolvida para usos bélicos, sem poder prescindir dos problemas de segurança. Assim, será muito difícil conseguir a supressão da produção de energia nuclear, caso não se possa contar com a solidariedade internacional.
Nós, Conferência dos Bispos Católicos do Japão, fazemos um apelo a todas as pessoas que compartilham a nossa casa comum chamada Terra para que, dando-nos as nossas mãos, nos levantemos e atuemos juntos solidariamente para acabar com a produção de energia nuclear. Com esta finalidade, dirigimo-nos em primeiro lugar a toda a Igreja católica espalhada pelo mundo inteiro para solicitar cooperação e solidariedade. Apoiados nisto, esperamos e aspiramos desenvolver um movimento de solidariedade global que transcenda raças, religiões e nações. De maneira particular, apelamos às conferências episcopais de cada região para que se compreendam os perigos da produção de energia atômica e se debata sobre esta situação a partir de perspectivas evangélicas.
Em 2013, dois anos após o desastre de Fukushima, a Conferência dos Bispos do nosso país vizinho, a Coreia, publicou um livro intitulado Tecnologia Nuclear e Ensino da Igreja. Reflexões dos Bispos sobre as Centrais Nucleares. Nele manifestavam claramente a sua oposição a este tipo de energia. Nós esperamos que, seguindo o exemplo da Igreja na Coreia, outras conferências episcopais de países em que há centrais nucleares ou naqueles em que há o perigo de acidentes em países vizinhos, possam aprender da experiência sofrida no Japão e denunciem abertamente o perigo.
Jesus Cristo chama todas as pessoas para que se amem mutuamente (Jo 13, 34). Este apelo inclui a responsabilidade e o dever de proteger a Terra, que é a nossa casa comum, agora e no futuro. Há divisões de opiniões sobre os prós e contras da produção de energia atômica. No entanto, não se pode negar o dano que resultou para a humanidade da aquisição desta energia. Ao emitir um juízo sobre a energia nuclear devemos fazê-lo do ponto de vista de proteger a dignidade de todos os seres humanos, no presente e no futuro.
À luz deste critério, aqueles países que já usam as centrais nucleares para produzir energia deveriam abandonar sua utilização, ao mesmo tempo que deveriam difundir o uso de fontes de energia renováveis. Devemos promover a pesquisa e as atividades para que diminua o consumo de energia, para conservar a energia e para aumentar a tomada de consciência do impacto no meio ambiente. Também é importante aprofundar a solidariedade e construir redes de comunicação com quem enfrenta os problemas ambientais. Reiteramos que devemos parar para nos perguntar pelo tipo de desenvolvimento humano que buscamos e o tipo de sociedade que aspiramos, assim como nos questionar em que consiste a verdadeira riqueza.
Não se trata de dar marcha à ré no desenvolvimento, mas avançar rumo a uma nova maneira de entender a abundância. Unamos as nossas mãos como uma só família humana, cada pessoa fazendo todo o possível para despertar a responsabilidade de proteger o meio ambiente em nossa Terra.
A Conferência dos Bispos da Igreja Católica do Japão.
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“Impõe-se urgentemente o fechamento imediato de todas as centrais nucleares”, afirmam bispos do Japão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU