04 Agosto 2011
Dez dos 16 bispos do Japão devem chegar a Hiroshima amanhã. Não estão indo para um sínodo. Eles se reunirão no dia 6 de agosto para rememorar o primeiro uso na história da humanidade de uma bomba atômica em um ato de guerra.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 04-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nessa peregrinação anual, os bispos vão se unir a milhares de outras pessoas para marca o 66º aniversário desde a devastação total provocada pela explosão – e a primeira peregrinação desde os colapsos da usina nuclear de Fukushima Daiichi no Japão depois de um terremoto de magnitude 9.0.
Para o bispo Paul Otsuka (foto), da diocese de Kyoto, essa ocasião merece uma análise cuidadosa.
Em uma carta em nome de sua diocese enviada a toda a Igreja japonesa, Otsuka escreveu neste mês que o Japão, "que é o único país no mundo a ter sido atacado com armas atômicas", agora "está em perigo de se tornar um país fundamentalmente prejudicado por causa da geração de energia atômica".
Essa possibilidade, escreveu Otsuka, deveria fazer com que o Japão aproveitasse a ocasião para "discernir se a energia atômica, que ameaça a humanidade e o meio ambiente, está dentro dos limites aceitáveis do nosso uso legítimo da ciência e da tecnologia".
A carta de Otsuka foi enviada como parte da celebração anual da igreja japonesa de 10 dias de paz durante o mês de agosto. A partir do dia 6 de agosto (a data da destruição de Hiroshima) até o dia 15 de agosto (a data da rendição japonesa no final da Segunda Guerra Mundial), a Igreja japonesa pede que os católicos rezem e ajam em nome de causas pacíficas.
O NCR falou com Otsuka em seu escritório em Kyoto, no dia 3 de agosto, sobre a sua mensagem e sobre como ele acha que o Japão deveria considerar a questão da energia nuclear.
Eis a entrevista.
Em sua mensagem para os dias da paz dos bispos japoneses deste ano, o senhor focou a questão da energia nuclear e o desastre em curso na usina de Fukushima. Por quê? O que o senhor acha que os católicos têm a dizer sobre isso?
Eu quis escrever sobre energia nuclear porque os danos decorrentes do acidente de março na usina de Fukushima continuam. E muitas pessoas se perguntam sinceramente se é possível que a humanidade use energia nuclear de forma segura. Até o incidente, acreditávamos que era possível que a humanidade usasse o nosso conhecimento nuclear para o uso pacífico de forma segura. É bom usar o nosso conhecimento nuclear para fins pacíficos, se tivermos a tecnologia perfeita para proteger o nosso planeta. Mas esse incidente mostra que isso é impossível. O sistema técnico perfeito é impossível.
Por isso, eu e muitos outros bispos japoneses começamos a pensar sobre esse assunto de novo. Eu quis escrever sobre isso a partir do ponto de vista cristão. O Papa João Paulo II disse em muitos documentos que a humanidade deve ser muito cuidadosa em seu uso da tecnologia. De modo geral, Deus nos deu a inspiração para inventar novas tecnologias. Isso não significa que devemos ter um progresso ilimitado. Não somos perfeitos. Embora neste momento não possamos dizer claramente que jamais devemos usar a energia nuclear, precisamos de uma chance para levar essa questão seriamente em consideração.
Qual o melhor caminho para se ter essa discussão? Como ela deveria acontecer?
Assim como os alemães fizeram, primeiro temos que parar de usar a energia nuclear, mesmo que leve muito tempo para concluir esse processo. Depois, temos que pensar em outra forma de produzir energia. Muitas pessoas dizem que as energias renováveis podem ser a resposta. Mas o problema não é simplesmente a energia nuclear. Outro ponto é que, agora, na sociedade moderna, somos viciados em energia. É como uma droga. As pessoas assumem automaticamente que precisamos de energia. Mas, em geral, a própria energia não é a coisa mais importante para a nossa sociedade. Se simplesmente mudarmos da energia nuclear para algo que não danifique o meio ambiente, continuaremos nesse vício.
Então, do ponto de vista da vida evangélica, o mundo moderno tem que aproveitar essa oportunidade para considerar seriamente o uso de energia. Mesmo que a energia solar seja ilimitada, por que precisamos de uma quantidade tão grande de energia? O progresso é sempre uma coisa boa?
Recentemente, as pessoas de fala inglesa começaram a falar de progresso sustentável. Eu não gosto dessa ideia. Sustentável significa que os países que têm mais – os países do G8 – usarão meios sustentáveis apenas para os seus próprios países. No entanto, muitos países, que são subdesenvolvidos, continuarão a ser subdesenvolvidos.
Sustentável, eu acho, significa: "Queremos manter o nosso alto nível social, mas vocês não têm permissão de participar". Sustentável não significa, de modo geral, "para toda a humanidade". E "sustentável" não é verdade. É impossível. A energia e os recursos naturais são limitados. No entanto, os muitos países ricos não podem voltar a um nível subdesenvolvido. Isso me faz pensar sobre a relação entre o progresso da humanidade e o nosso problema energético.
Nos Estados Unidos, dizemos que temos que pensar sobre o nosso estilo de vida. O que o senhor acha que precisamos olhar em nosso modo de vida ao levar em consideração o nosso consumo de energia?
Eu escrevi em minha carta que temos de considerar um estilo de vida simples. Isso não significa que devemos conservar energia e suportar uma vida desconfortável apenas por alguns momentos. Temos que mudar completamente a forma como pensamos sobre o modo como usamos e produzimos energia.
Precisamos de equilíbrio. Como seres humanos, precisamos de energia. Mas é sempre mais e mais, mais e mais. Por enquanto, a energia nuclear é uma boa solução para a energia. Mas nós aprendemos com o acidente que ela é muito perigosa. Portanto, esta é a chance de alterar fundamentalmente a atitude da humanidade diante da energia.
Tomemos por exemplo os Amish dos Estados Unidos. Eles têm um estilo de vida muito diferente. Eles usam muito pouca energia, eu acho. Seu estilo de vida é um exemplo extremo, mas talvez seja um bom exemplo até certo ponto. Ele mostra que um novo tipo de estilo de vida é possível. Não podemos forçar as pessoas a viver esse estilo de vida, mas temos que reconhecer que deve haver limites.
No Japão, dependemos da energia nuclear em mais de 30% da nossa energia. Um bispo coreano veio ao Japão para visitar a área de Sendai depois do tsunami e conversou comigo. Ele ficou chocado com os danos do tsunami e do acidente nuclear.
A Coreia depende da energia nuclear em 40% da sua energia. Então, o bispo disse que os coreanos também têm que pensar sobre qual caminho tomar com relação ao seu uso de energia: reduzir ou continuar aumentando. Como cristãos, temos que escolher e decidir a nossa atitude perante as questões nucleares, não apenas em nível político ou por razões econômicas, mas também como parte do nosso modo de vida.
Nos Estados Unidos, há muito mais cristãos do que no Japão. Considerando que os cristãos são uma minoria, como eles podem influenciar esse debate sobre a energia nuclear no Japão?
De um modo geral, somos um número muito pequeno de católicos. Até agora, enviamos muitas mensagens para a sociedade e para o nosso governo. É opinião e não tem nenhuma influência. Influenciar é muito difícil, mas continuamos enviando mensagens dirigidas ao governo, dizendo o que pensamos sobre esse problema a partir da perspectiva cristã. Também temos boas relações inter-religiosas. Alguns líderes religiosos podem começar a falar sobre esse assunto juntos e ter uma maior influência a partir do nosso um grupo inter-religioso – um grupo de xintoístas, budistas, cristãos. Juntos, podemos dizer algo à sociedade, ao governo.
Em dois dias, o senhor está planejando em ir para Hiroshima para a celebração anual do lançamento da bomba atômica no dia 6 de agosto. Eu me pergunto: qual importância particular o senhor acha que tem a comemoração deste ano, depois do terremoto do dia 11 de março e do colapso nuclear no Japão?
Nestes dias, na mídia, muitos grupos que se opõem às armas nucleares também estão se opondo à energia nuclear. Para muitas pessoas, não só na Igreja, a mesma mensagem dada nas comemorações de Hiroshima e Nagasaki irá se referir ao problema da energia nuclear. Alguns grupos dizem: "Absolutamente não. Nenhuma energia nuclear". Outros dizem:" Sim, mas é hora de mudar". Muitas pessoas dizem que é melhor não ter usinas nucleares.
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Dia de Hiroshima: bispo japonês pede discernimento sobre energia nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU