"“A encarnação do verbo em uma família humana, em Nazaré, comove com a sua novidade a história do mundo” diz o Papa Francisco na exortação apostólica Amoris Laetitia no parágrafo 65. Precisamos mergulhar nesse mistério que se inicia com o sim de Maria e com adesão e compromisso de José com o projeto do Pai. Deus se fez carne e habitou entre nós e escolheu a Galiléia, Nazaré, lugar simples, escolheu uma família para cuidar dele em sua humanidade. se esvaziou de sua divindade (Fl 2) se fez frágil para nos mostrar que reconhecer a nossa fragilidade e as nossas sombras é o caminho de conversão. Na simplicidade de Nazaré encontrou a acolhida e o amor de seus pais, nos mostrando ser isso o essencial para a vida e que tudo decorre de uma relação amorosa."
A reflexão é de Lucíola Cruz Paiva Tisi, teóloga leiga. Ela possui bacharelado (2017) e mestrado (2020) em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Atualmente é doutoranda em Teologia sistemática também pela PUC-Rio. Atua junto à Congregação dos Agostinianos da Assunção como leiga e na paróquia agostiniana da Santíssima Trindade no Rio/RJ, no catecumenato de adultos e como ministra extraordinária da eucaristia. Também integra um grupo de reflexão e estudos de leigos.
Eclo 3,3-7.14-17a
Sl 127(128),1-2.3.4-5 (R. cf.1)
Cl 3,12-21
Lc 2,22-40
Ao refletir sobre as leituras desse domingo o que me vem a mente é a perspectiva da novidade da salvação. O filho se inseriu na humanidade, é evento histórico que celebramos todos os anos no Natal. "O verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1). No evangelho de hoje (Lc 2,22-40) ouvimos a narrativa da apresentação de Jesus no templo. O velho Simeão se maravilha ao ver o menino e compreende que a plenitude dos tempos chegou. A promessa feita a Israel em Jesus se realiza. Simeão reconhece o salvador esperado. É sinal do novo tempo, nova terra a caminho do novo céu que vai ser instaurado com a presença do menino Deus. O Reino chegou e está aos cuidados de uma família.
“A encarnação do verbo em uma família humana, em Nazaré, comove com a sua novidade a história do mundo” diz o Papa Francisco na exortação apostólica Amoris Laetitia no parágrafo 65. Precisamos mergulhar nesse mistério que se inicia com o sim de Maria e com adesão e compromisso de José com o projeto do Pai. Deus se fez carne e habitou entre nós e escolheu a Galiléia, Nazaré, lugar simples, escolheu uma família para cuidar dele em sua humanidade. se esvaziou de sua divindade (Fl 2) se fez frágil para nos mostrar que reconhecer a nossa fragilidade e as nossas sombras é o caminho de conversão. Na simplicidade de Nazaré encontrou a acolhida e o amor de seus pais, nos mostrando ser isso o essencial para a vida e que tudo decorre de uma relação amorosa.
Maria que foi a primeira a dizer sim, se tornando discípula missionaria como tão bem afirma o documento de Aparecida, assume sua missão de formar e educar o Salvador com todos os riscos que isso implica, guardando tudo no coração com confiança e educando-o na fé judaica. No seio de sua família Jesus aprendeu um ofício, trabalhou com suas mãos sempre sussurrando a oração de seu povo.
Como podemos hoje seguir o exemplo da família de Nazaré
Apesar de nos dias de hoje a instituição familiar estar passando por uma crise de identidade, a família é a base dos valores que nos foram deixados por Cristo. É a primeira Igreja que vai fazer a experiência da vida em comunidade, que vai partilhar as alegrias e as questões difíceis, que vai sofrer juntos pelas perdas e desamores, que vai viver em conjunto a resiliência e a superação das crises. As atitudes de Maria e José se transformam em diretrizes, em exemplo de vida para os pais e mães de hoje, trazendo esperança e ânimo para sua caminhada em conformidade com sua vocação em atenção e vigilância para a realização da vontade divina. Não se fechando em si age em interação com outras famílias, formando assim uma comunidade fraterna de serviço e ajuda mútua, gerando o cuidado e a responsabilidade de uns para com os outros, tecendo uma rede de solidariedade e fraternidade. Para tal a primeira exigência é a abertura à novidade que trazem nossos filhos e filhas com suas vivencias e escolhas e a escuta que conduz ao diálogo. Não pode faltar o abraço e o amor. Achamos muitas vezes que se nossos filhos agissem diferente seria melhor para eles e estariam mais protegidos. Assim também em algum momento deve ter achado Maria, como quando vai procurar Jesus com seus parentes para levá-lo para casa (Mt 12). Pensou em preservá-lo do sofrimento que vislumbrava adiante. Mas o que seria de nós hoje, se em lugar de acolher as decisões do Filho, Maria tivesse usado de sua autoridade de mãe? Como ficaria o projeto do pai para com Jesus? Maria abraça a escolha de Jesus com amor e assume acompanhá-lo em discipulado.
A escuta, favorece a compreensão e o diálogo, precisamos escutar mais nossos filhos, nossos jovens, procurar dialogar com eles para compreender suas aspirações e angústias. Só assim é possível respeitar suas decisões e orientar com o abraço do amor.
O sim de Maria foi um desafio de vida. Uma jovem que acabara de entrar em idade de se casar, na época por volta dos 14 anos, faz uma escolha baseada na fé que mudou o mundo. Acolheu um projeto que se tivesse consultado seus pais muito provavelmente os deixaria apavorados por compreender a sua exposição e os sofrimentos que poderiam decorrer dessa escolha. Mas Maria segura de sua fé, fez sua escolha, assumiu sua autonomia em favor do que acreditava ser fazer o certo. José, também, por sua vez passa por escolha que talvez seus pais não aprovassem, assumir um filho que não sabe quem é o pai. Ainda hoje seria uma escolha muito difícil.
Olhando a família de Nazaré temos que nos colocar também como discípulos/as, anunciadores/as do reino e seguidores/as de Jesus. Acolher nossos filhos, nossa comunidade com seus defeitos e qualidades procurando sempre contribuir para seu crescimento espiritual e humano, mas respeitando suas escolhas e seus passos, suas experiências e dúvidas. Amar é favorecer o crescimento e a formação da identidade pessoal de quem amamos, respeitando seus processos, acolhendo, suspendendo o juízo e valorizando cada experiência como caminho para a maturidade.
Na primeira leitura (Eclo 3,3-7.14-17a) nos é chamada a atenção também para a responsabilidade e para o tratamento com os nossos pais, que quando idosos precisarão dos filhos para seus cuidados. É preciso ter em mente que apesar de seus possíveis erros, nos deram a vida, por isso a misericórdia precisa prevalecer sobre o julgamento. Se sofremos, foi porque não souberam fazer diferente, pois o amor que transborda na maternidade ou paternidade é sempre imenso e desafiador. É necessário a compreensão exigindo de nós muitas vezes a maturidade do perdão. Também Paulo reforça na Carta aos Colossenses a dimensão do perdão, da compaixão e da gratidão.
Evangelizar é testemunhar antes de tudo com a nossa vida o seguimento de Jesus, é poder fazer manifestar em nós a graça do serviço e da misericórdia. A família nos ensina a conviver com o outro e a amar para além das diferenças e preconceitos. Somos em Cristo uma única família humana e precisamos extrapolar nossas fronteiras para agir no mundo em acordo com os ensinamentos de Jesus e fazer como o velho Simeão, que descansou em paz porque o Reino está próximo. No entanto, depende de nós aderirmos a esse projeto para sermos também construtores desse Reino, para fazer acontecer na história uma nova terra assim como o novo céu.