23 Setembro 2015
"O que o Papa Francisco precisa fazer é, na verdade, preparar terreno para uma Igreja futura, mais aberta ao mundo. Precisa ficar claro que há uma real compreensão das estruturas familiares contemporâneas, assim como de outras mudanças em nossa sociedade", escreve Pat Perriello, professor aposentado do sistema público de educação de Baltimore, tendo atuado também na Universidade John Hopkins (EUA), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 17-09-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
O Papa Francisco irá chegar em breve aos Estados Unidos. Esta sua visita será seguida por um Sínodo dos Bispos sobre a família no Vaticano entre os dias 5 e 19 de outubro. Sem dúvida, este período vai ser um momento definidor de seu papado. Católicos e cidadãos em geral têm diferentes expectativas sobre o que gostariam de ver acontecendo na Igreja bem como diferem quanto ao que acham que o papa irá fazer ou dizer. Estes eventos – a sua viagem aos EUA e o Sínodo – serão dissecados e prolongados em uma variedade de formas durante muitos meses.
De minha parte, interesso-me em saber o que os progressistas na Igreja esperam deste papa e o que poderá, de fato, ocorrer. Evidentemente, nós os progressistas estamos propensos a querer ver mulheres ordenadas ao sacerdócio, uma certa flexibilização das restrições quanto ao uso de anticoncepcionais, etc. Suspeito que a maioria de nós, incluindo os conservadores, poderia facilmente construir a Igreja perfeita conforme achamos que ela deva ser em nosso próprio mundo.
O problema é que vivemos em comunidade. A Igreja faz parte desta comunidade, que contém membros com uma variedade bem ampla de crenças. As diferenças regionais são, talvez, um dos elementos mais difíceis de se trabalhar. O que pode parecer apropriado nos Estados Unidos não é considerado apropriado em comunidades africanas ou asiáticas, por exemplo.
Olhemos para o que o papa fez até este momento em seu breve papado. Principalmente, vimos uma mudança de atitude e no tom, indo em direção a uma maior ênfase no trabalho pastoral. Houve também um certo movimento em direção a uma Igreja mais descentralizada, o que inclui algumas medidas ainda ambíguas de reforma da Cúria. O Conselho de Cardeais é um passo nessa direção. Um outro passo é a própria convocação do Sínodo.
Então, o que podemos esperar e o que poderia ser considerado um sucesso segundo a visão e os objetivos do papa? Lembremos: ele precisa aplacar uma hierarquia conservadora e resolver as diferenças regionais.
A viagem aos EUA será, antes de tudo, um esforço de relações públicas. Essencialmente, ela será uma tentativa de trazer junto a si pessoas que, antes, lhe olhavam com desconfiança. Ele terá de ser duro em questões como a desigualdade, as mudanças climáticas; precisará ser persuasivo na questão da imigração. Ao mesmo tempo, o papa terá de apresentar uma figura atraente, autêntica, acessível e compassiva para com todos. É um trabalho difícil, mas aposto que o pontífice se sairá bem.
É importante que ele tenha uma viagem bem-sucedida, porque uma viagem assim irá supri-lo com a alavancagem necessária para exercer, efetivamente, a sua vontade sobre os Padres Sinodais na semana seguinte. Particularmente, acredito que algumas pistas levam a um prognóstico positivo. Em primeiro lugar, a única prática específica que vem sendo mencionada como estando pronta a ser alterada é a da permissão aos católicos divorciados e recasados a receberem a Comunhão. Se o papa não for capaz de terminar o Sínodo com um movimento concreto em direção a esse objetivo, ele estará diante de um problema bem real, e já poderíamos começar a falar sobre o fim do período produtivo de seu papado. Este tema é um verdadeiro cabo de guerra contra as forças conservadoras, mas ele deve se sair vencedor a este respeito, ou muito do que ele tem buscado realizar desde a sua eleição será, simplesmente, anulado.
Além disso, eu ainda acredito haver algumas mudanças estruturais importantes que podem ocorrer e que pressagiam boas novas para o futuro. Fundamental será a linguagem dos documentos sinodais. Os problemas regionais poderão ser resolvidos ao se descentralizar a autoridade da Igreja e ao se conceder poder aos bispos para que possam fazer coisas como constituírem sacerdotes casados ou mesmo diaconisas em suas próprias dioceses.
Uma outra linguagem poderá deixar claro qual o trabalho da Igreja junto à comunidade homoafetiva: gays e lésbicas. A abertura da Igreja para diferentes formações familiares, uma consciência quanto às mudanças na sociedade e a forma como a Igreja deve responder em termos pastorais são áreas que devem ser abordadas de forma clara nos documentos finais.
O que o Papa Francisco precisa fazer é, na verdade, preparar terreno para uma Igreja futura, mais aberta ao mundo. Precisa ficar claro que há uma real compreensão das estruturas familiares contemporâneas, assim como de outras mudanças em nossa sociedade.
O Sínodo deve demonstrar uma vontade de participar no nosso mundo em pé de igualdade – dando e recebendo. Com certeza, a Igreja estará buscando criar um mundo melhor para todos, mas sem condenar o próprio mundo em que todos nós temos de viver. Se os conservadores forem capazes de eliminar este tipo de linguagem dos documentos sinodais, o papado de Francisco poderá acabar sendo não outra coisa senão um pontinho na tela do radar.
Quando a poeira baixar, teremos condições de analisar o que ocorreu e ver aonde todos estes movimentos poderão nos levar. Os documentos do Concílio Vaticano II continuam a ressoar ainda hoje, pois eles contêm ideias que servem como um catalisador para mover a Igreja adiante. Tais documentos são ricos em sua linguagem a ponto de ainda proporcionar um solo fértil para mudanças futuras na Igreja. O próximo Sínodo dos Bispos não pode ficar para trás nesse aspecto. As sementes de uma Igreja futura, mais em sintonia com os valores do Evangelho, devem estar contidos aí.
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O que os progressistas podem esperar do Papa Francisco nestes próximos dois meses? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU