15 Mai 2015
"A ideia mesma de um papa incentivando os católicos a serem ativos na política é nova, ou pelo menos é um retorno a uma época na Igreja que não era dominada por Joseph Ratzinger-Bento XVI. Nesse período, a atitude primordial para com a política era típica de uma teologia segundo a qual a política havia se tornado a mais perigosa das atividades humanas, a mais distante da mentalidade neomonástica", escreve Massimo Faggioli, doutor em História da Religião e professor de História do Cristianismo no Departamento de Teologia da University of St. Thomas, de Minnesota, Estados Unidos, em artigo publicado por Global Pulse, 13-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Segundo ele, "a cultura política do papa está no cerne da relação de seu pontificado com o mundo globalizado. Nesse sentido, interessante será ver a reação que ele vai causar entre os analistas políticos americanos quando visitar os Estados Unidos em setembro deste ano e, ainda antes disso, quando publicar a sua encíclica sobre o meio ambiente no mês que vem".
Eis o artigo.
O legado político do papa desafia a categorização.
“Se o papa continuar a falar como ele fala, mais cedo ou mais tarde eu vou começar a rezar novamente e retornar à Igreja Católica”.
É o que Raul Castro confessou ao Papa Francisco durante um encontro privado no dia 10 de maio no Vaticano.
O comentário ressaltou a aproximação dramática entre os dois líderes, que alguns irão apontar como uma prova de que o papa argentino é politicamente ingênuo – ou pior: que ele é, realmente, um comunista. Mas pensar assim é cometer um equívoco tão grande quanto o daqueles que o veem como um progressista.
Na verdade, a política de Francisco é mais complexa do que parece.
Isso ficou provado durante uma reunião, em 30 de abril, com jovens participantes de um movimento católico italiano, onde o papa os incentivou a trabalharem ativamente na política, sem porém criar um partido católico. Citando Paulo VI, ele disse que a política era uma das formas mais sublimes de se praticar a caridade. E, ao assim fazer, defendeu a arte da política num mundo em grande parte pós-político, em que as forças do mercado predominam e a própria palavra “política” está quase sempre invariavelmente ligada ao impasse e à incapacidade de responder às demandas, se não ao um autointeresse e corrupção.
Este é apenas um exemplo de como Francisco tem se distanciado de seus predecessores imediatos em relação ao mundo da política.
Antes de tudo, a ideia mesma de um papa incentivando os católicos a serem ativos na política é nova, ou pelo menos é um retorno a uma época na Igreja que não era dominada por Joseph Ratzinger-Bento XVI. Nesse período, a atitude primordial para com a política era típica de uma teologia segundo a qual a política havia se tornado a mais perigosa das atividades humanas, a mais distante da mentalidade neomonástica.
A catalogação de “valores não negociáveis” (expressão primeiramente cunhada em uma nota doutrinal que o Cardeal Ratzinger aprovou em 2002 como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé) contribuiu para manter os católicos longe da política, em vez de influenciar a qualidade da participação deles no engajamento político.
Agora, Francisco tem desafiado esta forma de pensar, particularmente nos países de língua inglesa onde a teologia da ortodoxia radical – ativa nos círculos acadêmicos em especial – defende que os católicos praticamente se retirem da vida pública. Estes católicos radicais ortodoxos enxergam a política como um campo da atividade humana irremediavelmente contaminado por forças que buscam escravizar os fiéis ao poder do governo. Nesta forma de pensar, vê-se o governo como um ídolo, um substituto da religião.
O Papa Francisco vê a atual situação de forma muito diferente da destes profetas da desgraça. Ele rejeita a mentalidade antipolítica típica da ortodoxia radical (em círculos acadêmicos) e de muitos outros católicos (especialmente entre as gerações mais jovens) com base em que todos somos “animais políticos” (para citar Aristóteles) que anseiam viver juntos. Isso não só revela a sua formação cultural – muito mais ligada à modernidade do século XX do que à pós-modernidade do século XXI –, mas também a sua eclesiologia. Ele fala a linguagem do pensamento social católico do século XX (bem comum, a política como um serviço, a política como a vocação específica ade alguns santos) para um mundo globalizado do século XXI.
As palavras do papa soam difíceis para aqueles que abraçam uma versão neossectária do catolicismo composto inteiramente por comunidades intencionais e elites com portões fechados em uma cultura que procura limitar, substancialmente, o poder legítimo do Estado e de seu governo.
Elas são também inquietadoras para aqueles católicos europeus ainda atraídos pela ideia de se ter políticos católicos em um partido católico. O Papa Francisco negou este pensamento e, ao assim fazer, causou um grande desconforto entre aqueles católicos italianos, por exemplo, que admiravam Paulo VI pelo seu apoio incondicional ao partido dos católicos italianos no período posterior à Segunda Guerra Mundial, os Democratas Cristãos (Democrazia Cristiana).
Em sua alocução de 30 de abril dirigida aos jovens, Francisco elogiou os grandes heróis dos partidos católicos europeus entre a Segunda Guerra Mundial e a década de 1990, tais como Alcide De Gasperi (na Itália) e Robert Schumann (na França). Mas ele igualmente prestou tributo ao Pe. Bartolomeo Sorge, jesuíta italiano que questionava a legitimidade de se exigir que católicos votassem somente em políticos católicos. Pela postura deste sacerdote, os bispos da Itália e o Vaticano, no tempo de João Paulo II, consideraram o Pe. Sorge uma persona non grata. Sorge via claramente, muito antes dos demais, o desaparecimento do corrupto partido Democrazia Cristiana, o que iria acontecer na década de 1980. E muitos italianos ficaram eufóricos que o Papa Francisco o reconheceu.
Porém, outros continuam a se debater com as ideias de Francisco sobre a política, especialmente porque elas estão demais focadas nos pobres, nos marginalizados, nas periferias existenciais do nosso mundo.
O Vaticano do papa “dos confins do mundo” está a apenas alguns poucos passos do gabinete do jovem primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, que não vem dos “confins do mundo” – ele é o ex-prefeito de Florença. Mas Renzi não é menos estrangeiro do que Francisco para a velha elite dos políticos italianos, em especial a elite política católica.
Renzi é um católico que se orgulha de ignorar não só o savoir faire da política italiana na forma de lidar com o Vaticano e os bispos italianos, mas também os típicos assuntos que sempre estiveram fechados ao coração dos católicos do país. Não se trata somente da ideia da supremacia da política secular frente à hierarquia da Igreja. É também uma questão de prioridades políticas.
A doutrina social católica (apoio à família, bem-estar e os pobres, imigração) está conspicuamente ausente de sua pauta de governo. Muito embora muitos no gabinete de Renzi sejam católicos, eles mantêm o seu catolicismo tão privado quanto possível for.
E muitos italianos aplaudem isto.
Todavia, o Vaticano e uma porção dos católicos italianos estão claramente infelizes com um político católico de esquerda que, confortavelmente, descarta muitas das questões típicas da cultura política da esquerda e do catolicismo italiano. Os italianos com tendências de esquerda (católicos e não católicos) brincam dizendo que o verdadeiro líder político deles é o Papa Francisco. E tal dizer não é inteiramente uma piada.
A cultura política do papa está no cerne da relação de seu pontificado com o mundo globalizado. Nesse sentido, interessante será ver a reação que ele vai causar entre os analistas políticos americanos quando visitar os Estados Unidos em setembro deste ano e, ainda antes disso, quando publicar a sua encíclica sobre o meio ambiente no mês que vem.
Já vimos algumas reações à cultura política do jesuíta argentino que se tornou papa.
Elas incluem três diferentes tipos de oposição a Francisco. Primeiro, há uma oposição institucional composta por aqueles que são parte do status quo eclesiástico, e que não gostam da forma como ele está reformando a maneira que a Igreja trabalha e se comporta.
Segundo, há uma oposição teológica formada por pessoas que acreditam que o Concílio Vaticano II foi um engano ou, pelo menos, que as coisas deram terrivelmente erradas no período pós-Vaticano II.
Por fim, há uma oposição política, um grupo crítico do Papa Francisco por este não compreender que o catolicismo deveria ser conservador em termos políticos.
No final, a política de Francisco abrange tanto a expressão de sua cultura teológica quanto as suas opiniões sobre o papel do status quo, seja na Igreja ou no nosso mundo.
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Francisco e a nova política papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU