11 Mai 2015
Para Roberto Veiga e Lenier González, a visita do papa Francisco a Cuba em setembro selará o processo iniciado em 17 de dezembro com o anúncio da normalização de relações entre os Estados Unidos e a ilha.
Os responsáveis por Cuba Posible, uma plataforma de análise criada pelos antigos editores da revista da Igreja católica cubana Espacio Laical, que durante anos serviu de centro de debate de diversas visões sobre o futuro político da ilha, visitaram Washington esta semana. Lá foram surpreendidos com a notícia de que o presidente cubano Raúl Castro visitaria o papa no domingo.
A entrevista é de Silvia Ayuso, publicada por El País, 10-05-2015.
Eis a entrevista.
O que significa a visita de Raúl Castro ao Vaticano?
Lenier González - O encontro ratifica a importância política que o Vaticano e Cuba conferem à visita do papa à ilha em setembro, no contexto da normalização de relações entre Cuba e Estados Unidos. A visita de Raúl é o melhor preparativo possível para a peregrinação do Pontífice a Cuba que será, sem dúvida, histórica.
O Papa foi um dos mediadores essenciais entre Cuba e Estados Unidos. Como sua visita pode contribuir para o processo iniciado naquele dia?
L. G. - Para os presidentes Barack Obama e Raúl Castro, o apoio de Francisco constitui uma blindagem moral e política de primeira categoria. E, para Francisco, a visita a Cuba constituirá um apoio radical à distensão entre Cuba e os Estados Unidos, e entre os cubanos.
Roberto Veiga - O papa vai legitimar o processo de restabelecimento de relações entre os dois governos e o processo que se está vivendo dentro de Cuba. Vai legitimar os anseios e as necessidades do povo cubano e toda a metodologia da distensão, que é o único caminho para conduzir os interesses e as gestões dos poderes em benefício do povo.
Mas como seguir esse caminho em Cuba? Quem está há mais de meio século no poder pode liderar o processo de mudança?
L. G. - O debate é complexo; nos 90 havia dois polos: de um lado, partido único e economia estatal, de outro, pluripartidarismo e economia privada. Em 2015, o leque de propostas é quase imenso e requer um processo de acordo e diálogo ampliado. Eu não saberia responder qual é o modelo, mas devem ser levados em conta os grandes consensos que dizem respeito à vida nacional, com a necessidade cada vez mais ampla de um espaço público aberto para que o país debata essas opções soberanamente. Isso continua faltando, pelo menos com a intensidade requerida. E é uma condição indispensável para poder chegar a consenso sobre o modelo, que não tem por quê ser parecido com o de ninguém, simplesmente é preciso construir mecanismos de representação que levem em conta as circunstâncias cubanas.
R. V. - Não é fácil, porque há erros em todas partes e somos muito temerosos de cometer novos erros.
Mas há consenso de que se deve mudar o statu quo?
R. V. - Isso todo mundo sabe.
E Raúl Castro tem a força e a liderança para conduzir essa mudança?
R. V. Raúl diz que é preciso mudar a economia e as relações internacionais para manter o sistema. Eles fazem uma distinção entre sistema e modelo. Ele não nega que é preciso mudar o modelo, e fala então parcialmente que é preciso reformar as dinâmicas do parlamento, que é preciso descentralizar os poderes executivos… E vai transformando a institucionalidade política.
L. G. - Raúl é um homem que se caracterizou por não mostrar a estratégia, para onde conduz a transformação que vive o país. A grande noticia do 17 de Dezembro para a política interna é justamente essa, que em torno dele há um grupo de homens dispostos a fazer o que for preciso para garantir a transição para o futuro. É claro que eles se consideram atores protagônicos desse futuro, é por isso que não falam de uma transformação política, mas a transformação acontecerá porque o país precisa ser governado de uma maneira diferente.
A legitimidade desses atores, que vem da Sierra Maestra, essa legitimidade em seus herdeiros, em quem estiver encarregado de conduzir Cuba no futuro, tem de ser construída de outra maneira, a partir outras instituições. O modelo de partido único, de economia estatal, que implementado em Cuba em 1976 e que não foi reformado quando tinha de ser reformado, quando caiu o bloco socialista, alienou o Governo das aspirações populares e do imaginário dos jovens cubanos, e se corre um risco muito alto por parte do Governo cubano se não se transformar esse estado de coisas.
Então é uma transformação inevitável?
L. G. - Eu acredito que sim. Um ajuste do modelo, da institucionalidade, é inevitável.
R. V. - Mas não é que vai ser, já está sendo. Depois do 17 de Dezembro, os nós acabaram de se desatar por completo. Foram-se afrouxando e já estão completamente desatados. Agora só resta construir.
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“O papa legitimará o caminho da distensão entre Cuba e os EUA” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU