23 Abril 2025
"Um papa como este, que veio “quase do fim do mundo”, trouxe outra ideia de arte ao coração da Igreja: não como ornamento, mas como linguagem para resistir, crer, amar. Uma arte que não tranquiliza, mas consola", escreve Nicoletta Biglietti, jornalista, curadora e crítica de arte, publicado por Revista Artslife, e reproduzido por Settimana News, 23-04-2025.
Existe um tipo de beleza que não pode ser medida em centímetros de moldura, no prestígio de galerias ou em obras-primas vendidas em leilões internacionais. É uma beleza que se move em silêncio, que se oferece sem pedir nada em troca, que não distingue entre quem pode e quem não pode. Esta é a beleza que o Papa Francisco busca há mais de dez anos de seu pontificado: uma estética da alma, inclusiva, perturbadora, profética. Mas também surpreendentemente concreto. Não para a sala de estar, mas para a rua. Não para alguns, mas para todos. Aquela beleza que, como a fé, não anestesia, mas desperta as consciências. Que às vezes não precisa de armações douradas para ser poderoso.
E é justamente da sua Buenos Aires, onde as igrejas parecem armazéns e onde até Deus parece se adaptar a pouco, que talvez tenha nascido a intuição de que a beleza não é uma questão de luxo, mas de acesso e de olhos capazes de vê-la mesmo onde ela não brilha. Quando em 1986, durante uma estadia na Alemanha, ele encontrou pela primeira vez a imagem de Maria Desatadora dos Nós, ele se apaixonou por aquele ícone popular e imperfeito. Não foi uma obra-prima acadêmica, mas algo que falou ao coração. E a partir daí ele começou a divulgá-lo na Argentina e no mundo todo.
Francisco não era um intelectual da arte, nem sequer pretendia ser um. Mas ele sempre foi capaz de reconhecer o poder da arte como uma linguagem universal, capaz de desafiar mitos contemporâneos e dar voz até mesmo àqueles que não a têm.
“Os artistas são um pouco como profetas”, disse ele, “sentinelas que perscrutam o horizonte e a profundidade das coisas”. E justamente por perturbarem a ordem aparente, tornam-se aliados na luta contra a indiferença, o consumismo, a superficialidade.
Um dos laços mais fortes que ele estabeleceu nesses anos foi com Alejandro Marmo, um artista argentino que trabalha com materiais residuais e com pessoas marginalizadas. Suas esculturas, feitas com ferro reciclado, foram parar até nos Jardins do Vaticano. Mas o que mais importava para Francisco não era tanto a forma da obra, mas o gesto humano e comunitário que ela havia gerado.
Em 2023, por ocasião do 50º aniversário da Coleção de Arte Moderna e Contemporânea dos Museus do Vaticano, o Papa recebeu duzentos artistas de todo o mundo. E foi talvez aí que ele expressou o seu pensamento mais claro sobre a arte que – como a fé – "não pode deixar as coisas como estão", mas deve (e em parte já o faz) transformá-las, convertê-las. Porque a arte – disse ele – "nunca deve tornar-se um anestésico. Na verdade, ela tem a tarefa de descer às profundezas da humanidade, às áreas sombrias, aos desertos da solidão. Mas sempre para acender uma luz, ofereça esperança."
Assim, mesmo quando abriu as portas dos Museus do Vaticano para um grupo de moradores de rua, permitindo que admirassem a Capela Sistina em completa tranquilidade, Francisco não fez apenas um gesto simbólico, mas afirmou uma verdade radical: a beleza é para todos, não para quem pode pagar o ingresso, porque a arte não pode ser um salão exclusivo, um código para poucos.
E um papa como este, que veio “quase do fim do mundo”, trouxe outra ideia de arte ao coração da Igreja: não como ornamento, mas como linguagem para resistir, crer, amar. Uma arte que não tranquiliza, mas consola. Que não celebra o poder, mas acaricia feridas. E mesmo que alguns o considerem ingênuo, muito popular ou pouco refinado, ele permanece – justamente por isso – um dos legados mais vivos de seu pontificado.