12 Novembro 2024
Em 5 de novembro, Donald Trump tornou-se novamente presidente dos Estados Unidos. Onipresença de Elon Musk, peso da China, crise climática... Os equilíbrios geopolíticos serão abalados, segundo Jean-Michel Valantin.
A entrevista é de Amélie Quentel, publicada por Reporterre, 09-11-2024. A tradução é do Cepat.
Jean-Michel Valantin é doutor em estudos estratégicos e sociologia da defesa pela Ehess, especialista em defesa estadunidense, pesquisador do Centro Interdisciplinar de Pesquisa para a Paz e Estudos Estratégicos (CIRPES) e autor, entre outros livros, de Géopolitique d’une planète déréglée (2017) e Hyperguerre: Comment l'IA révolutionne la guerre (2024).
Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Qual é a sua reação?
Não estou muito surpreso: nos Estados Unidos, onde o Estado social é muito menor do que na França e na Europa em geral, os eleitores são muito sensíveis e reativos à sua situação econômica. Ora, desde 2020, o mandato da administração de Joe Biden e Kamala Harris tem sido marcado pela inflação, especialmente dos combustíveis, da alimentação e da habitação.
Por outro lado, na memória política estadunidense, o primeiro mandato de Trump, a partir de 2016, está associado à recuperação da crise iniciada com o colapso dos subprimes em 2008. E, para muitos estadunidenses, a questão era eleger uma administração capaz de retomar o crescimento da economia e, mais ainda, de melhorar o seu padrão de vida. Esta eleição é uma vitória muito clara do Partido Republicano, que conquistou a presidência e a maioria no Senado, e que também corre o risco de ter maioria na Câmara dos Representantes. Por outro lado, trata-se de uma derrota, e inclusive uma rejeição, para o Partido Democrata.
Donald Trump, que é muitas vezes considerado imprevisível, foi eleito num contexto geopolítico já conturbado pelas guerras e as mudanças climáticas. Que consequências isso pode ter?
Para mim não está tão claro se ele é tão imprevisível assim: Trump tem diretrizes bastante claras. Além disso, o fato dos presidentes estadunidenses brincarem de ser imprevisíveis é praticamente uma tradição política nos Estados Unidos: vimos isso com Richard Nixon e Ronald Reagan. Trump não é um extraterrestre.
Também estou surpreso com o fato de que centramos a nossa atenção em Trump sem atentar para a omnipresença de Elon Musk, que, no entanto, desempenhou um papel fundamental na campanha. Ele teve um papel público muito importante e, além disso, destacou o poder tecnológico do Vale do Silício. Primeiro, através da aquisição do Twitter [agora X] e da flexibilização das suas regras de moderação. Isto fez desta plataforma uma espécie de ágora para os vários movimentos conservadores e negacionistas do clima, que aliás não estão implantados apenas nesta rede social.
Além disso, destacou a capacidade de reação específica a estes nexos de tecnologias que são agora a aliança entre a inteligência artificial, as redes sociais e as constelações satelitais. Por exemplo, quando a Flórida e a Carolina do Norte foram devastadas duas vezes consecutivas pelos furacões Helen e Milton, em outubro, ele mobilizou uma das constelações satelitais da sua empresa Starlink, distribuindo antenas retransmissoras portáteis para que as comunidades vítimas pudessem voltar a se conectar à internet. Ao mesmo tempo, o estado federal era impotente para ajudá-los.
Portanto, a questão tecnológica promete ser fundamental?
É importante analisar melhor o papel desempenhado pelos grandes barões da tecnologia nesta eleição. A presença política de Musk revela de fato uma aliança muito curiosa entre diferentes movimentos conservadores e reacionários estadunidenses e os libertários que prosperam com as novas tecnologias. Sabendo disso, vemos ao mesmo tempo que Trump, que tem um discurso muito duro em relação à China, quer impor uma alíquota de 60% ou mais às importações de produtos chineses. Entretanto, a China é o segundo maior mercado para a fabricante automobilística Tesla, que pertence a Musk... Devemos, portanto, situar esta nova administração no seu contexto nacional e internacional, que é muito complexo.
Tomemos como exemplo a cúpula dos BRICS, que aconteceu no final de outubro em Kazan (Rússia). Participaram Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Brasil, representando quase 3,5 bilhões de pessoas. Os BRICS são como uma aliança de produtores e, entre aspas, de “transportadores” de petróleo e gás… No entanto, os Estados Unidos voltaram a ser um país do petróleo e do gás. A geopolítica será, portanto, um desafio permanente para a administração Trump.
Estabelece-se uma espécie de ordem internacional paralela, que questiona os acordos de Bretton Woods de 1944: durante a cúpula de Kazan, foi apresentado um projeto de criptomoeda que poderá vir a ser a moeda comum dos BRICS. A principal questão geopolítica e estratégica futura para a administração Trump é, portanto, o estatuto do dólar, que é desafiado por esta intersecção de parcerias.
Vivemos um momento de grande tensão e recomposição de equilíbrios: desde o início dos anos 1990, prevalece a globalização feita nos moldes dos Estados Unidos, pensada para os consumidores. Assistimos agora ao surgimento de parcerias entre países produtores e transportadores. Vários países essenciais para os consumidores poderão muito bem ficar isolados da globalização impulsionada pelos Estados Unidos.
Trump faz uma série de comentários e propostas políticas reacionários, por exemplo sobre a imigração. A sua eleição corre o risco de acelerar a fascistização do mundo?
Primeiro, existe uma fascistização do mundo? Não sei: é um conceito muito vago. Trump foi eleito da forma mais democrática possível, com um sucesso indiscutível. Aqui vemos uma América preocupada com a sua economia e preocupada sobretudo consigo mesma, o que não é nenhuma novidade. Quanto às suas propostas reacionárias, lembremos que cada país tem as suas especificidades. O que ressoa nos Estados Unidos é globalizado por um sistema midiático que é ele próprio globalizado, mas a França ou a Espanha não são os Estados Unidos: não é porque um dirigente político diz algo num país que isso tem efeitos tão performativos quanto possa parecer.
Dito isto, Trump tem de fato uma voz performativa muito forte – é este lado de “engenheiro do caos” que pega todo mundo de surpresa. A questão é se, para além das suas declarações, a administração Trump será capaz de implementar o seu programa. Se tomarmos o exemplo da imigração – uma das suas causas são as mudanças climáticas, que tornam inabitáveis áreas inteiras da América Central e do Sul, no primeiro sentido do termo –, Trump prometeu bloquear a imigração ilegal. Mas, nos Estados Unidos, existe uma real separação de poderes, e a renovação de um terço dos senadores, que ocorrerá dentro de um ano e meio, será um grande teste para a sua administração.
Os estadunidenses são muito pragmáticos: a sua administração só conseguirá implementar um certo número de medidas se conseguir apresentar resultados. Se esperarem, a vitória republicana poderá se tornar um fator atrator de tensões.
Ele também é um negacionista do clima. Devemos esperar que a crise climática se intensifique?
Trump fez das mudanças climáticas um marcador político, com uma posição de negacionismo climático primário: vemos isso com o seu desejo de retirar mais uma vez os Estados Unidos do Acordo de Paris, depois de já tê-lo feito durante o seu primeiro mandato. Dito isto, há muito mais continuidade entre Trump e Biden-Harris do que se poderia perceber à primeira vista: desde 2020, os Democratas autorizaram uma série de concessões de petróleo e gás em solo nacional. Em todo caso, o último relatório da ONU sobre este tema é claro: nos Estados Unidos, como em outros lugares, estamos infelizmente numa dinâmica de intensificação das mudanças climáticas.
Com o seu slogan “América em primeiro lugar”, podemos falar de uma postura isolacionista? Que efeitos esta posição poderá ter na geopolítica global?
O fato de ele ser isolacionista não me parece claro. Pelo contrário, penso que fará parte da reorientação das relações entre os Estados Unidos e a Ásia que está em curso há cerca de quinze anos. Desde o segundo mandato de Barack Obama (2012-2016), é essencial que as sucessivas administrações dos EUA tenham acesso aos gigantescos mercados da Índia, Indonésia, etc., reduzindo ao mesmo tempo a influência estratégica da China na região do Indo-Pacífico.
Trump, durante o seu primeiro mandato, lançou assim a guerra às tarifas sobre importações e às transferências de conhecimento e tecnologia para a China, política que foi aprofundada pela administração Biden-Harris. No entanto, um dos principais desafios para a China é ampliar a sua transição energética; Elon Musk, por sua vez, quer manter boas relações com Pequim para manter o acesso ao mercado chinês. Portanto, ainda é muito cedo para saber se a nova administração irá ou não desmantelar o órgão federal dedicado ao estudo do clima e da biodiversidade, como a NOAA, sabendo que estas instituições também desempenham um papel crucial no desenvolvimento econômico dos Estados Unidos.
Além disso, coloca-se também a questão do peso das seguradoras e resseguradoras diante dos prejuízos infligidos pelos eventos extremos. Além disso, ao contrário do que parece, penso que a administração Trump está atravessada por muitos paradoxos e incertezas, e que isso pesará fortemente em relação às situações nacionais, internacionais e globais que serão muito mais difíceis de suportar do que as anunciadas.
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“Ao centrar a nossa atenção em Trump, esquecemos a onipresença de Elon Musk”. Entrevista com Jean-Michel Valantin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU