19 Agosto 2024
"Sim, como já reiterei várias vezes, a pena de morte não é, de forma alguma, a solução para a violência que pode se abater sobre pessoas inocentes. As execuções capitais, longe de fazer justiça, alimentam um senso de vingança que se transforma em um veneno perigoso para o corpo das nossas sociedades civis. Os Estados deveriam se preocupar em permitir aos detentos a possibilidade de realmente mudar de vida, em vez de investir dinheiro e recursos em suprimi-los, como se fossem seres humanos não mais dignos de viver e dos quais se desfazer" escreve Papa Francisco, padre católico que serve atualmente como o 266º Papa e soberano do Estado da Cidade do Vaticano, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 18-08-2024. Tradução de Luisa Rabolini.
O Evangelho é o encontro com uma Pessoa viva que muda vidas: Jesus é capaz de revolucionar os nossos projetos, as nossas aspirações e as nossas perspectivas.
Conhecê-lo é encher de sentido a nossa existência, porque o Senhor nos oferece a alegria que não passa. Pois ela é a própria alegria de Deus.
A história humana de Dale Recinella, que encontrei em uma audiência, e pude conhecê-la melhor por meio dos artigos que ele escreveu ao longo dos anos para o L'Osservatore Romano e, agora, por meio deste livro que toca o coração, é uma confirmação do que foi dito: essa é a única maneira de explicar como foi possível para um homem, com outros objetivos em mente para alcançar em seu futuro, tenha se tornado capelão, de cristão leigo, marido e pai, dos condenados à pena capital. É uma tarefa dificílima, arriscada e árdua de se praticar, porque toca o mal em todas as suas dimensões: o mal feito às vítimas e que não pode ser reparado; o mal que o condenado está vivendo, sabendo-se destinado à morte certa; o mal que, com a prática da pena capital, é incutido na sociedade.
Sim, como já reiterei várias vezes, a pena de morte não é, de forma alguma, a solução para a violência que pode se abater sobre pessoas inocentes. As execuções capitais, longe de fazer justiça, alimentam um senso de vingança que se transforma em um veneno perigoso para o corpo das nossas sociedades civis. Os Estados deveriam se preocupar em permitir aos detentos a possibilidade de realmente mudar de vida, em vez de investir dinheiro e recursos em suprimi-los, como se fossem seres humanos não mais dignos de viver e dos quais se desfazer. Em seu romance O Idiota, Fiódor Dostoievski resume impecavelmente a insustentabilidade lógica e moral da pena de morte, falando sobre um homem condenado à pena capital: “É uma violação da alma humana, nada mais! Diz-se: 'Não matarás' mas, em vez disso, porque ele matou, outros o matam. Não, é algo que não deveria existir”. E justamente o Jubileu que deveria empenhar todos os fiéis a pedir a uma só voz a abolição da pena de morte, uma prática que, como diz o Catecismo da Igreja Católica, “é inadmissível porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa!” (nº 2267).
Além disso, a ação de Dale Recinella, sem esquecer a importante contribuição de sua esposa Susan, como transparece no livro, é um grande dom para a Igreja e para a sociedade dos Estados Unidos, onde Dale vive e atua. Seu empenho como capelão leigo, em um lugar realmente desumano como o corredor da morte, é um testemunho vivo e apaixonado da escola da infinita misericórdia de Deus. Como o Jubileu Extraordinário da Misericórdia nos ensinou, nunca devemos pensar que possa haver um nosso pecado, um nosso erro ou uma nossa ação que nos afastem definitivamente do Senhor. Seu coração já foi crucificado por nós. E Deus só pode nos perdoar.
É claro que essa infinita misericórdia divina também pode escandalizar, como escandalizava tantas pessoas na época de Jesus, quando o Filho de Deus sentava à mesa com pecadores e prostitutas. O próprio irmão Dale deve enfrentar críticas, protestos e rejeição por seu empenho espiritual ao lado dos condenados. Mas não é verdade que Jesus acolheu em seu abraço um ladrão condenado à morte?
Bem, Dale Recinella realmente entendeu e testemunha com sua vida, toda vez que cruza a porta de uma prisão, especialmente aquela que ele chama de “a casa da morte”, que o amor de Deus é ilimitado e sem medida. E que até mesmo o mais torpe de nossos pecados não deturpa a nossa identidade aos olhos de Deus: continuamos sendo seus filhos, amados por ele, cuidados por ele e considerados preciosos.
A Dale Recinella, portanto, eu gostaria de dizer um sincero e comovido obrigado: porque sua ação como capelão no corredor da morte é uma adesão tenaz e apaixonada à realidade mais íntima do Evangelho de Jesus, que é a misericórdia de Deus, seu amor gratuito e infalível por todas as pessoas, mesmo por aquelas que cometeram erros. E que é precisamente a partir de um olhar de amor, como o de Cristo na cruz, que podem encontrar um novo sentido para sua vida e também para sua morte.
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EUA. Fé e corredor da morte. Artigo do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU