02 Julho 2024
"Olhando para o mapa atual da Cisjordânia, percebe-se que a missão está quase no fim. Porque a realização de um Estado palestino é praticamente impossível num território tão descontínuo, cortado e fragmentado, onde a livre circulação é dificultada por assentamentos por vezes desabitados – cujas propriedades remontam a famílias residentes nos Estados Unidos – mas vigiados por milícias privadas", escreve Estéfano Tamburrini, em artigo publicado por Settimana News, 27-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que acontece com as casas deixadas pelos palestinos na Cisjordânia? São postas no mercado com excelentes lucros para as agências imobiliárias israelenses.
Nada tímido, o agente imobiliário israelense responde em tempo real aos potenciais compradores da sua lista de imóveis, especialmente os ocidentais; seus e-mails são curtos e diretos: pede o número do telefone porque é mais prático tratar verbalmente. Isaac – nome fictício – tem o talento da venda como se pode ler no Linkedin.
Trabalhou durante quase um ano, em 2020, nos Estados Unidos e, desde dezembro de 2023, atua em nome da empresa Klas – Marketing Services for Real Estate Developers – sediada no número 8 de Abba Eban Blvd, em Jerusalém.
Também estão à venda as casas tiradas às famílias palestinas ou construídas nos territórios ocupados. Há uma grande pressa em colocá-las no mercado. E, para vendê-las, Isaac procura os canais certos, encaminhando links e anúncios nos grupos nacionalistas de Telavive. Da mesma forma, são feitos crowdfundings para apoiar os soldados em guerra e campanhas de oração e solidariedade pelos reféns do Hamas.
“Viva em um paraíso – anunciava o comercial lançado há alguns meses, acompanhado por uma galeria de fotos – junto com seus familiares”. Aquela casa estava localizada perto de Hamoshava, o assentamento de onde centenas de famílias palestinas foram expulsas em 1948. É uma das muitas casas modernizadas, com piscina externa, que estão sendo construídas nos assentamentos e nos territórios ocupados da Cisjordânia. Mais de 5.700 delas foram aprovadas há um ano, em 26 de junho de 2023, pelo Conselho Yesha: a organização que reúne todos os assentamentos na Judéia, Samaria e arredores.
O total de habitações aprovadas em 2023 chega a 13.000: +300% em relação ao ano anterior. Essas últimas foram vendidas a preço de mercado pelas construtoras, apesar dos terrenos da construção serem cedidos gratuitamente pelo governo israelense.
Um caso emblemático diz respeito à empresa Binyanei Bar Amana, afiliada ao Movimento de Assentamento Amana, fundada em 1976 para construir comunidades na Judeia, Samaria, Colinas de Golã, no Negev e em Gush Katif; uma empresa privada e extraestatal que há décadas administra as terras expropriadas aos palestinos.
Só em Jerusalém, a Amana possui contratos de décadas com o município e com proprietários de terras israelenses. Desses contratos resulta a obtenção de 713 hectares de terreno e a receita de 930.892 novos shekels por ano, que equivalem a 247.644,80 euros.
Vão para as mãos da Amana as terras abandonadas pelos palestinos expulsos pelo uso da força: trata-se de 1.208 pessoas, no período de 7 de outubro de 2023 a 29 de janeiro de 2024, pessoas que, com toda a probabilidade, acabarão nos campos de refugiados das Zonas C. Mais de um terço, 586, são crianças. Comunidades beduínas inteiras também foram deslocadas.
A Amana foi fundada em 1974 pelo movimento Gush Emunim e é apoiada pela Jewish Underground, considerada uma organização terrorista pelo próprio Estado israelense. O grupo opôs-se abertamente aos Acordos de Camp David, considerados um primeiro passo para o nascimento do Estado palestino na Cisjordânia.
E é precisamente na Cisjordânia que a Jewish Underground realiza ações hostis contra as famílias palestinas para que abandonem o território. Trata-se – comentou Robert Friedman, jornalista investigativo estadunidense falecido em 2002 – da “mais violenta iniciativa antiárabe desde o nascimento do Estado de Israel”. E é justamente a partir desse processo – feito de intimidações, represálias e violências diretas – que são liberados os terrenos depois entregues à Amana.
Olhando para o mapa atual da Cisjordânia, percebe-se que a missão está quase no fim. Porque a realização de um Estado palestino é praticamente impossível num território tão descontínuo, cortado e fragmentado, onde a livre circulação é dificultada por assentamentos por vezes desabitados – cujas propriedades remontam a famílias residentes nos Estados Unidos – mas vigiados por milícias privadas.
Os Estados Unidos chegam atrasados para sancionar duas entidades – Mount Hebron Fund e Shlom Asiraich – que financiam abertamente os colonos da Cisjordânia: também porque a rede que liga os EUA profundos aos colonos é muito mais densa e já não conduz mais às sinagogas, mas àquela matriz protestante, fundamentalista, que ignora o Oriente Médio e interpreta a Bíblia à sua maneira.
Tardio é também o reconhecimento do Estado palestino pela Irlanda, Espanha e Noruega. Gestos de amplo alcance simbólico, mas pouco factíveis pelos motivos acima mencionados.
A remoção de tudo o que é palestino é um projeto, um projeto apoiado abertamente pelo ministro das finanças israelense que, em 19 de março, em Paris, declarou: “O povo palestino é uma invenção que tem menos de cem anos de vida. Eles têm uma história ou uma cultura? Não, não as têm. Os palestinos não existem, apenas os árabes existem."
Nada diferente do que Golda Meir já afirmou na sua época. E a coisa chegou ao exterior, nas bagagens do Israel Real Estate Event que se realizou em Montreal, Toronto, Nova Jersey e Nova York no mês de março. Estavam lá aquelas casas, antes pertencentes aos palestinos e agora à venda, nos catálogos oferecidos a clientes e visitantes.
As comunidades árabes que vivem no Canadá e nos Estados Unidos revoltaram-se, mas não foi suficiente. Uma fonte italiana que atua em Belém já o dizia: “Existe um problema de responsabilização. Um sentimento de injustiça, de ausência do Estado de direito, que é a causa de toda a violência que aqui reina”. E está certo.
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Cisjordânia: assentamentos, violência, silêncio cúmplice. Artigo de Estéfano Tamburrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU