Sem libertação o estado é uma armadilha

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24 Mai 2024

"De que estado estamos falando? Qual estado está sendo reconhecido? A existência legítima de um Estado se reconhece quando uma entidade existente e já soberana é realidade. Não é esse o caso: os territórios de 1967 (CisjordâniaGaza e Jerusalém Oriental) estão ocupados", escreve Chiara Cruciati, jornalista italiana, em artigo publicado por Il Manifesto, 23-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Ontem, ao anúncio norueguês do reconhecimento do Estado da Palestina, muitos não puderam deixar de notar que quem quebrou o gelo foi Oslo, cidade onde foram concluídos em agosto de 1993 os acordos políticos entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o Estado de Israel.

Menos de um mês depois, foram publicamente sancionados pelo aperto de mão entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin em Camp David. A Intifada estava nas últimas, os acordos de Oslo certificaram seu fim. Poucos na época intuíram a armadilha, o que prevaleceu foi a alegria pelo início de uma jornada que se imaginava irreversível.

Há quem tenha visto naquele aperto de mão uma vitória da Intifada, mas foi o seu túmulo. Por que não resultou de Oslo aquilo com que os palestinos sonhavam – e sonham: não tanto um Estado, mas a liberdade. O direito à autodeterminação.

É nessa chave que deveria ser lida a decisão de Noruega, Irlanda e Espanha (a que devem se segui Eslovênia e Malta) de reconhecer o Estado da Palestina. Com a entrada de Oslo, Dublin e Madrid, são 143 os países que fizeram o mesmo. Dois terços do planeta, mas um Estado da Palestina não existe: não existe porque falta um elemento indispensável, a autodeterminação.

Que a liberdade de escolher por si mesmos passe pela fundação de um Estado é uma convicção predominante nos sistemas liberais, mas não decisiva. Que a forma do Estado-nação seja a saída do colonialismo o é ainda menos, especialmente numa região que assumiu aquele modelo por pressão de mandatos coloniais, com países nascidos traçando linhas retas onde antes não havia fronteiras. O Estado-nação, forjado sobre elites políticas impostas de fora e identidades únicas cortadas a machado, foi um desastre para o Médio Oriente.

Os palestinos deveriam poder decidir por si mesmos, superando a ideia, predominante em Washington e Bruxelas, que uma eventual entidade só possa nascer de uma negociação entre as partes, que a sua legitimidade viria de Israel. Não uma libertação, mas uma concessão.

As lideranças israelenses que se sucederam ao longo das décadas a narraram assim, a ponto de colocar constantemente diktats úteis para adiar para um tempo indefinido (Netanyahu há cerca de dez anos as chamou de “apostilas”): podemos negociar, mas alguns pontos nunca serão analisados. Não será Jerusalém, considerada capital única e indivisível pelas leis fundamentais israelense. Não os serão as fronteiras do eventual estado cujo controle permaneceria com Israel. Não o serão as colônias, impossíveis de desmantelar. Não o será o direito de retorno de sete milhões refugiados (66% de toda a população palestina).

De que estado estamos falando? Qual estado está sendo reconhecido? A existência legítima de um Estado se reconhece quando uma entidade existente e já soberana é realidade. Não é esse o caso: os territórios de 1967 (Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental) estão ocupados.

O reconhecimento alheio torna-se, portanto, a manobra política com a qual se espera pressionar Israel, os Estados Unidos e o seu direito de veto que, mais uma vez, em meados de abril, bloqueou a moção do Conselho de Segurança que pedia tornar a Palestina um membro pleno.

Da necessidade de superar tal bloqueio surge o impulso de chancelarias e partidos que, também na Itália, há meses insistem numa solução de dois Estados, enquanto em Gaza cem pessoas são mortas todos os dias, na Cisjordânia mais terras são confiscadas e dentro de Israel os palestinos continuam a ser cidadãos de segunda classe.

Perante aquilo que o Tribunal Internacional de Justiça definiu como “genocídio plausível” e que a Amnistia e a Human Rights Watch chamaram de “regime de apartheid”, outras medidas seriam mais urgentes: sanções internacionais, embargo militar, rompimento das relações diplomáticas. E o início de um verdadeiro processo de descolonização: se a autodeterminação não for plena, os palestinos encontrar-se-ão com um Estado no papel e um apartheid paradoxalmente legitimado pelo resto do mundo.

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