20 Mai 2024
“É impossível que algum governo consiga deter esta corrida para a morte. Quem irá se apresentar nas eleições prometendo reduzir o consumo, impor restrições aos poderosos, mas também aos setores médios e aos de baixo?”, questiona Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 17-04-2024. A tradução é do Cepat.
As enchentes catastróficas no estado do Rio Grande do Sul, sul do Brasil, excedem tudo o que se conhece nessa região. Grandes áreas de cidades como Porto Alegre, com 1,3 milhão de habitantes, com uma região metropolitana de 4,1 milhões, estão sepultadas sob a água e a lama, desde o início de maio. As águas chegaram até o aeroporto internacional, cuja atividade está suspensa até junho.
Até agora, são 2 milhões de pessoas afetadas em um estado com 11 milhões de habitantes. As chuvas volumosas, um pouco superiores à média, transbordaram o Guaíba, para onde vertem os principais rios do estado. Metade da cidade de Canoas (240.000 habitantes) está sob as águas. Cerca de 180.000 habitantes de São Leopoldo (de 230.000, 75%) foram afetados pelas enchentes, dos quais 100.000 tiveram que deixar as suas casas.
É a terceira enchente nesta cidade, no último ano. Até agora, foram registradas 147 mortes e mais de 100 desaparecidos. O resgate e a distribuição de alimentos e água são dificultados pelos danos nas estradas e pontes.
Os dados buscam mostrar o tamanho dos danos sofridos pela terceira cidade mais rica do Brasil e pela décima quinta aglomeração urbana da América Latina. Os serviços de saúde, habitualmente saturados, entraram em colapso. O fornecimento de água potável foi interrompido ou, então, fornece serviço de péssima qualidade.
Quando ocorrem catástrofes deste tipo, cada vez mais frequentes e de maior intensidade, por certo, as reações dos estados, políticos e meios de comunicação oscilam entre atribui-las a situações pontuais (El Niño ou La Niña, entre as mais citadas) ou a descuido e falta de planejamento desta ou daquela autoridade. No caso do Rio Grande do Sul, fica evidente que houve uma política destinada a derrubar as leis que protegem o meio ambiente para favorecer a mineração, as monoculturas de soja e eucalipto, o setor pecuário e a especulação imobiliária, apesar das advertências de pesquisadores e ambientalistas.
A esquerda tende a culpar a direita, ao passo que esta nega a mudança climática ou olha de lado. A verdade é que as razões estruturais do caos climático em que estamos imersos não costumam aparecer. Porque dizer que a culpa é dos governos, um argumento muito frequente, é como pensar que algum governo pode resolver ou deter o caminho para o abismo no qual entramos como humanidade.
A convicção que temos, baseada no senso comum, é que não há retorno. O consumismo, o desperdício, os modos do capitalismo realmente existente, como a acumulação por espoliação, levaram-nos a esta situação. É claro que existem culpados maiores (grandes corporações, exércitos, estados-nação), mas não é o suficiente. Nós, os de baixo, também temos a nossa parcela de responsabilidade, porque nos recusamos a mudar a nossa forma de viver e consumir profundamente predatória.
É impossível que algum governo consiga deter esta corrida para a morte. Quem irá se apresentar nas eleições prometendo reduzir o consumo, impor restrições aos poderosos, mas também aos setores médios e aos de baixo? Nunca conseguiria vencer, porque estaria nos dizendo que vamos “viver pior” e viver menos anos, e que devemos enfrentar incisivamente os muito poderosos que usam e abusam das armas.
Cair em semelhante ilusão é trapacear com a vida das pessoas comuns. Por isso, penso que devemos parar de pensar que algum salvador possa surgir, seja um caudilho, um governo ou instâncias internacionais como a palhaçada das COP (a cúpula anual sobre mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas) que nunca fizeram e nem farão algo para realmente deter a crise climática.
A outra questão são as guerras e os exércitos que as travam. Sabemos que o Pentágono se tornou um dos principais emissores de gases do efeito estufa e suas operações militares uma das principais fontes de poluição atmosférica. Contudo, todos os exércitos fazem o mesmo. Alguém pode acreditar que os exércitos da China ou da Rússia não poluem? Na feroz concorrência geopolítica em curso, perdem os povos e perde a mãe terra.
Também não sabemos os níveis de poluição gerados pelos bombardeios indiscriminados como os que acontecem em Gaza e na Ucrânia, bem como pelos conflitos armados na África e na Ásia. É necessário meio milhão de litros de água para fabricar um carro pequeno, mesmo os elétricos que passam por “sustentáveis”.
Se descartamos a possibilidade de deter a mudança e a crise climática, desde já, devemos nos preparar para o colapso. Construir “arcas” coletivas, promover que outros de baixo também façam o mesmo e nos preparar para defendê-las. Os de cima já têm as suas. Entre os de baixo, o zapatismo já faz isso há tempo e continua indicando um caminho necessário e possível.
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Deter a crise climática: impossível. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU