05 Abril 2024
"O brutal ataque ao complexo médico de Al-Shifa é o aspecto mais visível do plano sistemático de Israel de destruir o setor da saúde da Faixa de Gaza, negando à população palestina qualquer oportunidade de cuidados médicos e, em última análise, de sobrevivência, escreve Angelo Stefanini, médico voluntário do PCRF, em artigo publicado por Il Manifesto, 03-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É desoladora a angústia causada pelas imagens das ruínas enegrecidas do hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza. Aquele que foi o maior complexo hospitalar de toda a Palestina ocupada, depois de duas semanas de cerco israelense é uma pilha de escombros fumegantes.
Equipado com 800 leitos, neles se realizavam cirurgias de transplante renal, cirurgias a coração aberto, cateterismo cardíaco e neurocirurgia avançada, bem como cirurgia geral, medicina interna e maternidade. Há muito tempo, o Al Shifa era algo mais: para os palestinos de Gaza a “casa da cura”, para Israel – embora desprovido de provas convincentes – o principal centro de comando do Hamas.
As forças israelenses já haviam feito irrupção no Shifa em novembro, causando graves danos e obrigando pacientes e pessoal médico a sair, deixando atrás de si setores devastados e recém-nascidos sem incubadoras. A segunda durou duas semanas: no último dia a equipe médica relatava que 107 pacientes, muitos deles em terapia intensiva, e 60 agentes de saúde haviam sido encarcerados num antigo prédio hospitalar sem equipamentos.
A situação era descrita como "horrível e desumana", sem ventilação, condições precárias de limpeza, medicamentos quase ausentes com feridas sépticas purulentas. Os médicos, em vez das luvas agora esgotadas, usavam sacos plásticos. Os acompanhantes de pacientes foram executados, presos ou evacuados pelos militares, os pacientes e os funcionários foram deixados sem comida e água durante dias.
A CNN relata o depoimento de Khader Al Za'anoun, jornalista da Wafa, a agência de notícias palestina, segundo o qual o hospital Al-Shifa após a saída das forças israelenses “parece um filme de terror”. “As escavadeiras esmagaram os corpos das pessoas por toda parte e no pátio do hospital – disse ele. Muitas famílias procuram seus entes queridos e não conseguem encontrá-los. Encontramos famílias inteiras mortas e seus corpos em decomposição nas casas ao redor do hospital. Os sobreviventes estão desnutridos. As pessoas ainda vivas lá dentro sofrem de fome com uma garrafa de água por dia para dividir entre seis pessoas”. “Olho em volta e não consigo acreditar no que vejo”, disse ele.
De acordo com o Euro-Med Human Rights Monitor, uma organização independente com sede em Genebra, “o exército israelense atacou os palestinos sem distinção de estado civil, posição profissional, sexo, idade ou condições de saúde”. Entre os mortos foram encontrados crivados de balas a poucos passos do hospital, os corpos de dois dos médicos palestinos mais respeitados de Gaza, mãe e filho.
Ela, Yusra al-Maqadmeh, clínica geral, e ele, Ahmad al-Maqadmeh, cirurgião plástico, poucos mais de trinta e anos.
De acordo com o britânico Middle East Eye, acredita-se que tenham sido executados pelos israelenses enquanto estavam tentando fugir. Ex-ganhador de uma bolsa de estudos do Royal College of Surgeons of England por seu trabalho sobre ferimentos de armas de fogo em Gaza, Ahmad era – de acordo com Ghassan Abu Sitteh, um cirurgião plástico palestino britânico que trabalhou com ele – “uma alma tão gentil e entusiasmada, sempre calmo, sempre composto”.
Calcular as vítimas é difícil. As forças israelenses afirmam ter matado 200 pessoas e preso 900. A proteção civil de Gaza fala em cerca de 300 pessoas mortas. O exército afirma que não causou danos a civis e pessoal médico. As organizações médicas e as testemunhas oculares rejeitam veementemente essa afirmação, apoiadas pelas mortes de Ahmad e Yusra al-Maqadmeh.
Segundo a OMS, pelo menos 21 pacientes morreram durante o cerco. Os sobreviventes relataram ao Middle East Eye que dezenas de civis foram mortos. A Euro-Med está em condições de confirmar que centenas de cadáveres, incluindo alguns queimados e outros com cabeças e membros decepados, foram descobertos tanto no hospital como nas redondezas. Relatórios preliminares sugerem que mais de 1.500 palestinos tenham sido mortos, feridos ou estão desaparecidos, sendo metade das vítimas mulheres e crianças.
Pelo menos 22 pacientes morreram nos seus leitos hospitalares porque foram intencionalmente privados de acesso a alimentos e cuidados médicos. O exército israelense também impediu conscientemente que equipes de socorro e representantes das organizações internacionais entrassem no Al-Shifa para realizar missões humanitárias ou evacuações.
O brutal ataque ao complexo médico de Al-Shifa é o aspecto mais visível do plano sistemático de Israel de destruir o setor da saúde da Faixa de Gaza, negando à população palestina qualquer oportunidade de cuidados médicos e, em última análise, de sobrevivência.
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Os fantasmas do hospital dos horrores. Artigo de Angelo Stefanini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU