21 Outubro 2023
Na cidade de Fortaleza (CE), no período de 12 a 15 de outubro, os grupos, coletivos e núcleos da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT se reuniram no IV Encontro Nacional de Católicos LGBTQIAPN+ sob o lema "Diversidade e Unidade: por um novo céu e uma nova terra", inspirados na passagem bíblica "Eis que faço novas todas as coisas" (Ap 21,5).
Na carta, direcionada à Igreja, organizações sociais, organismos governamentais e toda sociedade brasileira, foi demonstrada profunda preocupação com a aprovação, por uma Comissão da Câmara dos Deputados, de uma proposta de lei inconstitucional que tem como objetivo proibir a união civil de pessoas do mesmo gênero no país.
Os grupos, coletivos e núcleos da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+, reunidos no IV Encontro Nacional de Católicos LGBTQIAPN+, em Fortaleza (CE), entre os dias 12 de outubro (Celebração de Nossa Senhora Aparecida) e 15 de outubro, com o lema “Diversidade e unidade: por um novo céu e uma nova terra” e inspiração bíblica “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5), manifestam à Igreja, às organizações sociais, aos organismos governamentais e a toda a sociedade brasileira, sua visão pastoral, teológica, social e política a respeito da conjuntura nacional e internacional, ressaltando elementos da sociedade que nos toca, de forma direta e indireta, como pessoas cidadãs de um país com uma democracia ameaçada em constante construção e como sujeitos eclesiais de uma Igreja marcada pela diversidade de dons.
Do ponto de vista social e político, nos indignamos com a ameaça de retrocessos em nossa caminhada como pessoas LGBTQIAPN+, com a atuação de grupos fundamentalistas de base cristã no Parlamento brasileiro que buscam, não apenas impedir a extensão de nossos direitos, como ainda retirar os já conquistados. Exemplo disso foi a aprovação, por ampla maioria (12 a 5 votos), na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, de um projeto de lei inconstitucional com o objetivo de proibir a união civil de pessoas do mesmo gênero no Brasil. Um retrocesso sem precedentes em nossa luta por cidadania plena e que mostra como os nossos direitos podem ser liquidados a qualquer momento.
Preocupam-nos, ainda, as estratégias adotadas por grupos contrários aos direitos sexuais e de gênero em espalhar pânicos morais por meio de fake news e desinformação contra as populações LGBTQIAPN+, em especial contra as pessoas trans. Somos alvos preferenciais do violento discurso de ódio da instrumentalização das Sagradas Escrituras para sustentar um projeto político de poder, desumanizador e demonizador das nossas vidas, afetos e relações. As mentiras sobre “banheiros unissex” e os ataques a parlamentares trans são exemplos disso. Outra preocupação são as falaciosas terapias de reversão sexual, as chamadas "curas gay", causadoras de graves sofrimentos psíquicos que culminam até em atos de suicídio.
Temos a compreensão de que as ofensivas anti-LGBTQIAPN+ — em curso em diferentes partes do mundo — são uma reação a transformações importantes na sociedade e na consolidação dos direitos humanos das populações dissidentes sexuais e de gênero. Conquistas que se deram por conta de muita luta social. Nesse sentido, em honra a luta daquelas pessoas que vieram antes de nós e que dedicaram suas vidas pela vida plena de nossas populações, não vamos retroceder.
Unimos forças a outras organizações, redes e movimentos, religiosos ou não religiosos, que atuam pela cidadania plena das pessoas LGBTQIAPN+ para impedir retrocessos e trabalhar por transformações sociais, culturais e políticas. Somamos nossos esforços também na luta pela dignidade e cidadania de outras populações oprimidas e discriminadas, como as mulheres, pessoas negras, povos originários e tradicionais, população de rua, pessoas com deficiência, migrantes e refugiadas. Entendemos que não há hierarquia de opressão e a justiça social só será alcançada com a nossa comunhão.
Nossa organização existe porque acreditamos que o Reino de Deus – Pai e Mãe da Diversidade e da Misericórdia – é para todas as pessoas. E como membros inalienáveis da Igreja Católica Apostólica Romana, queremos contribuir com a nossa comunidade de fé na construção de uma Igreja acolhedora para “todos, todos, todos”, como pediu o Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, em Portugal. Por amor ao Evangelho, apoiamos e nos engajamos no processo sinodal em curso na Igreja. Só uma Igreja sinodal dará conta de acolher todas as pessoas.
O nosso amor ao Evangelho e à comunidade cristã tem chamado a atenção da Igreja institucional. Assim, no Sínodo da Sinodalidade a questão LGBTQIAPN+ está posta em diferentes níveis. A presença de pessoas não-bispos e mulheres nesse fórum de discussão é celebrada por nós. De modo especial, saudamos a participação na Assembleia Sinodal do Sínodo dos Bispos de Sonia Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato Brasileiro (CNLB), organização da qual a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT é filiada.
A discussão sinodal se insere no conjunto de ações e falas do Papa Francisco e de outras lideranças católicas a respeito do tema. Enche-nos de esperança a insistência de Francisco na necessidade de construir uma Igreja em saída e de entender que ela não é uma alfândega moral, mas um lugar de misericórdia.
Ainda que a polarização política e a atuação de grupos fundamentalistas estejam presentes no contexto eclesial católico, entendemos que temos muito a celebrar. Há cada vez mais abertura para a discussão sobre a temática católica LGBTQIAPN+ em paróquias, movimentos, congregações religiosas e outros organismos de inspiração católica. Abertura essa conquistada em razão da nossa atuação e, sobretudo, por conta dos nossos testemunhos de fé, amor e comunhão.
Há ainda iniciativas menos institucionalizadas que apostam na potência das margens para a construção de comunidades de amor, afeto e esperança. E, por conta da diversidade de possibilidades de nos reunirmos, reafirmamos o nosso direito humano, constitucional e sagrado de vivenciar a nossa fé desde a catolicidade até outras expressões de fé, em espaços seguros e respeitosos à nossa existência. À vista disso, defendemos o protagonismo do laicato e o enfrentamento ao clericalismo, nos termos do Concílio Vaticano II.
Diante desse cenário, nos preocupa a atuação de alguns bispos, sacerdotes, pessoas religiosas e leigas que persistem em adotar uma postura condenatória, preconceituosa e homotransfóbica contra nós. Em virtude disso, saudamos nossos aliados e aliadas, inseridos no clero e em outras organizações religiosas, que, apesar das pressões e perseguições, insistem em caminhar ao nosso lado. Assim, convidamos essas pessoas a não terem medo. Mais do que o nosso apoio, tenham certeza de que Jesus Cristo está ao lado de vocês.
Anunciamos a Novidade do Evangelho. O Espírito é vento incessante e por isso o nosso trabalho prospera para além das barreiras. Pedimos a Nossa Senhora Aparecida que interceda pelas nossas vidas e pelo nosso trabalho pastoral ao Seu Filho Amado, Jesus Cristo, nosso irmão e amigo.
Participantes do IV Encontro Nacional de Católicos LGBTQIAPN+
Fortaleza (CE), 15 de outubro de 2023
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Carta do IV Encontro Nacional de Católicos LGBTQIAPN+ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU