10 Julho 2023
A rebelião abortada do oligarca Yevgeny Prigozhin, que marchou em direção a Moscou com sua milícia privada do grupo Wagner antes de recuar, lançou luz sobre as rivalidades no centro do poder russo.
Também confirmou o poder desse sexagenário extremamente rico, cuja fortuna é impossível de avaliar por estar distribuída em múltiplas atividades, arranjos financeiros opacos e uma infinidade de empresas de fachada.
A entrevista é de Eva Moysan, publicada por Alternatives Économiques, 01-07-2023. A tradução é do Cepat.
Personagem mafioso da Rússia pós-soviética, Prigozhin conseguiu se infiltrar nas engrenagens do regime de Vladimir Putin e apoiar os objetivos geopolíticos do “czar”. Kévin Limonier, mestre de conferências em Geografia e Estudos Eslavos no Instituto Francês de Geopolítica – Paris VIII, especialista em geopolítica e ciberespaço de língua russa, traça sua ascensão.
Após sua libertação da prisão na década de 1990 por roubo, fraude e participação em uma rede de prostituição, Yevgeny Prigozhin tornou-se um empresário de sucesso. Como se explica essa ascensão?
Tem-se muito pouca informação sobre esta parte da vida de Prigozhin. Primeiro, ninguém sabe exatamente quando ele conheceu Vladimir Putin, embora se suponha que seja nessa época. Em segundo lugar, existem poucos dados sobre as origens da sua fortuna.
Provavelmente ganhou muito dinheiro no ramo dos restaurantes de luxo em São Petersburgo, especialmente com um onde Vladimir Putin costumava ir e onde recebia chefes de Estado estrangeiros como Bush, Chirac e outros.
Depois, Prigozhin fez fortuna ganhando contratos públicos para alimentação coletiva de escolas, funcionários públicos, para o Exército. Isso significa que ele tem vínculos estreitos com o poder?
Com certeza. Essa é uma lógica muito comum de progressão capitalista na Rússia pós-soviética, um Estado estruturado pela corrupção. Em todos os níveis, na escala da Federação como um todo, das regiões, das cidades, sistemas clientelistas se desenvolveram onde os empresários compartilharão mercados, terras e indústrias.
Como se pode ver, Prigozhin conseguiu se firmar no mercado da alimentação coletiva, nas regiões de São Petersburgo e Moscou, com sua empresa Concord – que ainda existe e que ele usa hoje em dia para distribuir seus comunicados de imprensa.
É um modelo econômico extremamente comum na Rússia dos anos 1990 e 2000.
Mais recentemente, por volta de 2014, participou da criação do grupo Wagner, uma empresa militar privada. Como isso se dá?
A data de criação do grupo Wagner é questionável, na medida em que não possui uma empresa que exista com este nome. O grupo Wagner é mais parecido com uma franquia que permitirá que uma miríade de entidades tenha uma identidade de marketing.
Por isso, muitas vezes mantemos a data de 2014, que na verdade marca o fim de um processo que começou por volta de 2011-2012. Neste momento, Vladimir Putin está concorrendo a um terceiro mandato e, como sabemos, é reeleito.
Isso levou às maiores mobilizações populares desde a queda da URSS. As manifestações são então organizadas nas redes sociais, que são relativamente novas e pouco conhecidas das autoridades. O Serviço Federal de Segurança não tem como controlar as redes sociais nem identificar os líderes. É o pânico.
É nessa época que vemos aparecer nas redes sociais os primeiros trolls e robôs que publicarão massivamente mensagens hostis aos líderes das manifestações, como Alexeï Navalny. Há indícios sérios de que viriam de Prigozhin ou de seus parentes.
Entre 2011 e 2014, houve uma lenta ascensão do poder dos “mercenários digitais”. Simultaneamente, sabemos que o Ministério da Defesa da Rússia deseja criar empresas militares privadas. E por razões que não sabemos, provavelmente devido ao conhecimento de Prigozhin com o poder e sua ânsia de ocupar o espaço da informação, as autoridades lhe propõem a criação de uma.
É aqui que o empresário do setor de restaurantes se torna um empresário influente, ou seja, um ator que fará crescer um capital apoiando o retorno geopolítico da Rússia ao mundo.
Prigozhin teve que investir em mercenários digitais e depois na milícia do grupo Wagner, que é caro. Até que ponto o governo russo participou do financiamento?
Uma “fazenda de trolls” [um grupo de hackers que espalham informações falsas] não custa muito. Por outro lado, uma empresa militar privada (EMP) obviamente requer recursos e logística.
Putin anunciou na terça-feira, dia 27 de junho, que o grupo Wagner foi financiado com recursos oriundos do orçamento do Ministério da Defesa [até mais de 920 milhões de euros nos últimos doze meses, nota do editor]. Este último provavelmente via com bons olhos o fato de contar com uma EMP que pudesse atuar em determinadas frentes sem incorrer na responsabilidade do Estado.
O grupo Wagner permitiu que as autoridades russas negassem qualquer relação durante muito tempo, mesmo que hoje isso esteja mudando, já que a administração presidencial reconhece seus vínculos diretos com o grupo.
Por outro lado, não se sabe até que ponto Prigozhin investiu sua fortuna pessoal na EMP.
Ao ser contratado por diferentes chefes de Estado ou senhores da guerra, o grupo Wagner abocanha contratos de mineração, por exemplo. Isso lhe rende muito dinheiro?
Com certeza. O modelo de negócios da Prigozhin na África é baseado em três pilares. Em primeiro lugar, a segurança privada. Isso corresponde ao fornecimento de tropas auxiliares à Rússia em determinados teatros de operações, como na Síria.
Não temos prova formal, mas também podem ser contratos de prestação de serviços com Estados nos quais a galáxia Prigozhin se estabelece. O grupo Wagner, por exemplo, serviu como Guarda Pretoriana no regime centro-africano.
O segundo pilar é a exploração de matérias-primas e recursos. Trata-se de minas de ouro, de diamantes, extração de madeira. O coletivo All Eyes on Wagner tenta documentá-los em seu site.
O terceiro pilar são as manobras informativas, ou seja, as operações de influência on-line. Não é o setor mais rentável economicamente falando, mas Prigozhin torna-se assim uma das principais correias de transmissão da palavra russa no continente africano.
Fora da África, existem outros setores nos quais Yevgeny Prigozhin investiu?
Ele tem um império imobiliário em São Petersburgo, que gera muito dinheiro. Prigozhin já esteve muito fortemente presente no setor da construção, conquistando diversos contratos públicos do Ministério da Defesa. Ele também é um magnata da mídia digital, com dezenas de sites de notícias nas regiões russas.
Toda a galáxia Prigozhin é composta de empresas de fachada, que às vezes estão ligadas entre si por endereços de correio eletrônico ou números de telefone comuns. Construir tal rede é uma estratégia típica de negócios pós-soviética. Nestes países de permanente instabilidade, é melhor não colocar todos os ovos no mesmo cesto e assim segmentar a atividade entre várias entidades.
Após a rebelião de 23 e 24 de junho, podemos nos perguntar até que ponto Prigozhin é economicamente independente do Kremlin. Ele tem os meios financeiros para administrar todo ou parte de seus negócios sem Putin?
Esta é a grande questão. Sabemos que ele tentou diversificar suas fontes de renda, tentando, por exemplo, tomar a mina de sal de Soledar, na Ucrânia, à margem da batalha de Bakhmout. Seu império de terras em São Petersburgo é independente do poder. Mas até que ponto isso é suficiente para financiar suas estruturas, não sabemos.
Com a decadência do Estado russo e o fim dos serviços públicos, que foram substituídos por máquinas de fazer dinheiro, personagens parasitas como Prigozhin surgiram e começaram a adquirir cada vez mais poder. O oligarca tornou-se um parasita indispensável para a sobrevivência do regime de Putin.
Agora, o império de Prigozhin cresceu tanto que estamos chegando a um ponto crítico. Ele soube se posicionar sobre todas as questões centrais do Kremlin: a guerra na Ucrânia e o sistema de informação russo no exterior. Disso ele extrai um equilíbrio de poder. Então, se Prigozhin é poderoso o suficiente para ficar sem Vladimir Putin, eu não sei.
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“Prigozhin tornou-se um parasita essencial para a sobrevivência do regime de Putin”. Entrevista com Kévin Limonier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU