Em duas atividades que ocorrem hoje, o IHU promove o debate acerca da conjuntura. Pela manhã, conferência reflete sobre Saúde Pública. À tarde, mesa debate cenários na política e na economia
Depois de um 2022 exaustivo em decorrência de um longo processo eleitoral, 2023 nem deu tempo de curar as feridas e a “ressaca eleitoral” de todo esse processo que os atentados de 8 de janeiro em Brasília causaram na democracia. Passada toda essa trepidação, o governo Lula III começa efetivamente com ares de reconstrução. Novos ministérios, protagonismo para indígenas, negros, mulheres e direitos humanos, pautas relegadas no governo passado, e a retomada de programas sociais são o elixir que revigora e dá esperança nos primeiros dias de gestão. Mas a crise é aguda, e equalizar programas sociais e as finanças acaba se impondo como um dos grandes desafios desses primeiros meses.
No entanto, este não é o único desafio do novo governo. O debate acerca do chamado Novo Marco Fiscal, com aprovação em um primeira etapa agora em junho, trouxe também a reedição dos debates sobre o desenvolvimento e a emergência de preservação ambiental, além dos embates entre o governo e um parlamento superpovoado por uma resiliente extrema-direita. Não obstante, a luta pela preservação e reconstrução da Sistema Único de Saúde – SUS segue acirrada, pois o nome da ministra Nísia Trindade, apesar da competência, chega a ser posto em xeque num jogo chamado de "oferta de cargos em prol da governabilidade".
Esses e muitos outros pontos inspiram dois debates que o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove hoje. O primeiro é a videoconferência com a professora Ligia Bahia, logo mais às 10h30, intitulada Gestão de Saúde no Brasil – (Des)caminhos e (Re)construção. O segundo é a mesa-redonda com Marcio Pochmann, Jean Marc von der Weid e Juliano Medeiros. A atividade, intitulada Seis meses do Governo Lula III. Balanços, desafios e perspectivas, ocorre às 17h30. Os eventos serão transmitidos pelo canal do IHU no YouTube. A inscrição é gratuita.
“Trataram de desmoronar a institucionalidade do SUS e alagaram com o negacionismo a terra arrasada”. Assim Ligia Bahia define a gestão Bolsonaro na área da Saúde, em entrevista concedida ao IHU no fim de 2022. A chegada de Nísia Trindade, como nova ministra da Saúde, foi celebrada por muitos da área. “Evidencia-se então um giro de 180o na direção da política de saúde no país. É nomeada Nísia Trindade, historiadora de formação, e primeira mulher a ocupar o posto na história brasileira”, observa Amélia Cohn, socióloga, professora aposentada da Faculdade de Medicina da USP, em artigo reproduzido pelo IHU.
No entanto, apesar de avanços já nos primeiros meses, como a reanimação do Programa Nacional de Imunização – PNI, uma tempestade se instala no Ministério da Saúde. São os ventos da busca pela governabilidade. Diante de um parlamento de extrema-direita viciado nas práticas bolsonaristas e de um centrão acostumado a benefícios nem sempre republicanos, o posto de Nísia passa a ser disputado como a joia da coroa. Mas, ao que parece, a ministra ainda resiste ao temporal. “Passamos por uma crise gravíssima, a pandemia teve um efeito muito maior do que poderia, houve negacionismo de vários preceitos da ciência e desestruturação do SUS. Minha convicção é de fortalecer o ministério o máximo possível. Recuperar o SUS é prioridade na plataforma do governo”, sintetizou, quando perguntada sobre as pressões do centrão pela sua pasta, em reportagem reproduzida pelo IHU.
Agora, durante a 17ª Conferência Nacional da Saúde – CNS, encerrada esta semana, cujo tema foi “Garantir direitos, defender o SUS, a vida e a democracia – Amanhã vai ser outro dia”, Nísia insiste nas ações efetivas. Em meio aos anúncios, destaca-se R$ 200 milhões para programas de saúde mental em 2023. Sinais de tempos de bonanza? Ao que parece, em termos. Como destaca Ligia Bahia, o fortalecimento do SUS é uma luta complexa e constante. Ela passa por fortalecer as bases de financiamento e manter a vigilância diante da sede privatista, especificamente o mercado de planos de saúde. “Está em curso uma operação de grande magnitude, cujos efeitos prejudiciais ao sistema de saúde são potencialmente superiores às irregularidades atualmente investigadas pela comissão de inquérito”, escreve Ligia, em artigo conjunto com Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, reproduzido pelo IHU.
Professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Possui graduação em Medicina pela UFRJ, mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Políticas de Saúde e Planejamento, principalmente nos seguintes temas: sistemas de proteção social e saúde, relações entre público e privado no sistema de saúde brasileiro, mercado de planos e seguros de saúde, financiamento público e privado, regulamentação dos planos de saúde.
Ligia Bahia (Foto: Elpídio Jr.)
Entre suas publicações, destacamos Planos e seguros de saúde: o que todos devem saber sobre a assistência médica suplementar no Brasil (Unesp, 2010) e Saúde, desenvolvimento e inovação (Cepesc, 2015).
Na área social, é importante reconhecer alguns avanços significativos. Muitos destes passam pela área da Saúde. É o caso da retomada do Programa Mais Médicos e outros célebres programas de governo passados, como o Farmácia Popular. “O Farmácia Popular vem de uma necessidade real. Pessoas que ganham um salário razoável ou moram bem não sabem o que é isso, não sabem o valor de uma cisterna, de um Luz Para Todos”, observou o próprio Lula, no relançamento do programa, em reportagem reproduzida pelo IHU.
Na área da assistência social, os avanços são celebrados, como a volta do Bolsa Família e programas habitacionais. É o caso das 446 casas entregues em Viamão/RS, na região metropolitana de Porto Alegre. As unidades habitacionais beneficiarão 1.784 pessoas. Na prática, é a transformação de vidas como a de Maria Conceição, uma das chefes de família que recebeu as chaves da casa própria. “Para mim é uma alegria. Eu sempre quis ter uma casa. Trabalho com faxina, então tenho que ir aos poucos”.
Beneficiárias do MCMV, Maria Conceição e Kelly | Foto: Lawrin Ritter
No entanto, nem mesmo esses avanços que ressignificam a vida das pessoas nesta intensidade parecem ser algo pacífico dentro do próprio governo. É em tal contexto que, ainda neste primeiro semestre, vimos emergir o debate acerca do novo arcabouço fiscal. Numa simplificação de uma complexa equação, há quem coloque neste debate, em campos opostos, os gastos em programas sociais e a chamada responsabilidade fiscal. “A manutenção do teto de gastos pelo projeto do ‘arcabouço fiscal’, com um pífio acréscimo real que pode ser de apenas 0,6 a 2,5% em relação às despesas primárias do ano anterior, vem no sentido contrário ao que a sociedade brasileira precisa”, critica Maria Lúcia Fattorelli, em entrevista ao IHU.
Este é justamente um dos pontos que devem estar presentes no debate de logo mais à tarde, com Marcio Pochmann, Jean Marc von der Weid e Juliano Medeiros.
Jean Marc von der Weid tem observado estas forças que tensionam e criam zonas de disputas dentro do próprio governo. É o caso da área ambiental. O episódio das reações à negativa do Ibama na concessão de licença para extração de petróleo na Foz do Rio Amazonas é um exemplo. De um lado, se arvora a área desenvolvimentista que pensa nos dividendos. No outro, a área mais aliada à ministra Marina Silva e a intenção de levar a cabo um plano de preservação ambiental e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. “O futuro do governo está na balança, ameaçado pelas forças do agronegócio, do tráfico, do setor financeiro, dos interesses dos congressistas e pela ação deletéria da milícia virtual da ultradireita”, diz Jean Marc em artigo reproduzido pelo IHU. E não há saída fácil. “O enfrentamento da questão da eliminação do uso dos combustíveis fósseis é complexa e exige um preparo da opinião pública e políticas ambiciosas de promoção de outras formas de energia e estratégias de substituição. Não podemos ficar na promoção do uso de lâmpadas de LED ou de carros elétricos ou de painéis solares no teto das casas dos mais bem aquinhoados”, observa ele em outro artigo reproduzido pelo IHU.
Pochmann, em entrevista concedida ao IHU, observa que “os governos do presidente Lula têm sido de entrega, especialmente ao povo que mais precisa”. Para ele, em geral, é o que se percebe nesses seis meses, mas é preciso ter em perspectiva a necessidade nos avanços de outras políticas públicas. É o caso da atenção para concepção de outros tipos de desenvolvimento que levem em conta, por exemplo, as questões ambientais e as novas relações do mundo do trabalho nessa era digital. “A solução geral para a classe trabalhadora passa pelo reposicionamento do Brasil na divisão internacional do trabalho da Era Digital”, observa.
Juliano Medeiros traz a perspectiva de que vivemos tempos de reorganização das forças políticas. Afinal, a extrema-direita que passou pelo Palácio do Planalto segue ativa no Congresso Nacional. E, com ela, vemos carregadas todas as pautas que podem trucidar a ideia de democracia como vivemos. É neste cenário que vimos a Câmara remar contra a maré do governo e desnutrir os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas para seguir deixando “a boiada passar”. São os sinais claros de uma tensão nas democracias liberais mundo a fora. “Com a integração dos diferentes partidos e movimentos do progressismo à democracia liberal, sua crise também se manifesta como um desdobramento das várias dimensões estruturais da crise capitalista”, observa Juliano em entrevista ao IHU. “O ciclo aberto com a crise de 2008 não se encerrou. Pelo contrário: ele inaugurou uma ofensiva ainda mais violenta contra os direitos sociais, o que seguirá alimentando o conflito social e a demanda por uma maior presença das maiorias sociais no centro das decisões”, completa.
Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Leciona no Instituto de Economia da Unicamp e na Universidade Federal do ABC – UFABC. É o presidente do Instituto Lula. Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e da Fundação Perseu Abramo – FPA, além de secretário municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo. É autor de Neocolonialismo à espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira (Sesc, 2022), A grande desistência histórica e o fim da sociedade industrial (Ideias & Letras, 2022), Políticas do trabalho e de garantia de renda: o capitalismo em mudança (ITR, 1995), E-trabalho (Publisher Brasil, 2002) e Desenvolvimento, trabalho e solidariedade (Cortez, 2002).
Márcio Pochmann (Foto: divulgação)
Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes – UNE, entre 1969 e 1971 e fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia – ASTA.
Jean Marc von der Weid (Foto: Fundação Maurício Garbois)
Historiador, formado na Universidade de Brasília – UnB, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História e doutor em Ciência Política, ambas as titulações obtidas na UnB. Foi presidente da Fundação Lauro Campos e é presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL.
Juliano Medeiros (Foto: divulgação PSOL)
É autor da tese A nova esquerda latino-americana: movimentos sociais, institucionalização e crise do progressismo. Iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista e foi duas vezes diretor da União Nacional dos Estudantes – UNE, entre 2005 e 2009. Ainda é autor de Cinco mil dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo Editorial, 2017).