20 Junho 2023
Jason Hickel, antropólogo, escritor e professor de economia ecológica do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambientais, da Universidade Autônoma de Barcelona, publicou Menos es más (Capitán Swing), que reúne um amplo leque de propostas para adaptar a economia à crise climática. Ele é um especialista em desigualdades sociais, mas suas incursões no mundo da economia ecológica fizeram dele uma referência.
A entrevista é de Antonio Cerrillo, publicada por La Vanguardia, 18-06-2023. A tradução é do Cepat.
Como devemos enfrentar a mudança climática?
Para deter o aumento de temperaturas em 1,5 grau, os países ricos, e cada um de nós, têm que reduzir as emissões muito rapidamente. E, neste momento, nenhum país está no caminho para reduzi-las e cumprir o Acordo de Paris. A principal razão é que consomem muita energia e quanto mais for utilizada, mais difícil será descarbonizar a economia.
Para os cientistas, está muito claro que esses países devem diminuir o seu consumo de energia, começando pelas elites. E para alcançar essas reduções de energia como um todo, é preciso diminuir o tamanho de alguns setores da economia que são prejudiciais para o clima.
Como quais?
Por exemplo, os carros SUVs, a carne, as armas... Sob a perspectiva da economia neoclássica dominante, todos os setores econômicos devem crescer. Isso poderia ser considerado normal e racional em outros tempos, mas em meio a uma crise climática como a que temos, obviamente, isso é uma loucura.
Deveríamos decidir de forma democrática quais setores devem ser reduzidos e quais devem crescer, por exemplo, as energias renováveis, a agricultura regenerativa, e em quais outros devemos decrescer.
E quais atividades devem ser reduzidas?
Deveríamos nos concentrar em reduzir os setores de atividade que não são necessários e que consomem muita energia; ou em setores que são pensados para as elites, não para cobrir as reais necessidades das pessoas. Devemos responder às necessidades reais.
Ou seja, é necessário adaptar a economia à mudança climática.
Devemos estabelecer um teto para o uso de recursos e energia que esteja nos atuais níveis desejáveis e ir reduzindo, a cada ano, até que estejamos novamente dentro dos limites planetários que ultrapassamos. Não me parece uma ideia radical, afinal, colocar limites à exploração das pessoas é algo que já se fez, incluindo as leis do salário mínimo, a legislação sobre trabalho infantil e a regulamentação do trabalho no final de semana.
Reivindica uma economia das pessoas.
Também vemos essa necessidade na Espanha, com 30% de desemprego juvenil. Nós a vemos nas dificuldades de acesso à moradia, na insegurança alimentar. Esses problemas podem ser solucionados em pouco tempo, simplesmente, seria necessário redirecionar a produção para bens que as pessoas realmente necessitam. Devemos satisfazer às necessidades das pessoas e, ao mesmo tempo, atendemos às questões ambientais.
Por que isso não acontece?
Estamos submetidos ao imperativo do crescimento. A tecnologia não é utilizada para fazer a mesma coisa em menos tempo, mas para fazer mais na mesma quantidade de tempo. As empresas madeireiras equipadas com motosserras não permitem que seus funcionários saiam antes do trabalho e aproveitem o resto do dia livre, mas os fazem cortar dez vezes mais árvores do que antes.
Em seu livro, diz que lutar contra a desigualdade é uma forte opção para reduzir a pressão ecológica.
Combater a desigualdade reduz o consumo de alto impacto de produtos de luxo por parte dos ricos e reduz o consumo competitivo no restante da sociedade. Um estudo recente prevê que só os milionários vão consumir energia e gerar emissões de CO2 suficientes para “ocupar” 72% do orçamento de emissões de carbono que nos resta, ou seja, as emissões que ainda restam para evitar um aquecimento perigoso. A dimensão das classes sociais é muito importante, aqui, porque há pessoas, por exemplo, que têm dificuldades em suprir suas necessidades básicas.
E fala de uma economia ecológica.
Grande parte da produção que é essencial para a nossa existência não está incluída na contabilidade nacional. Não se inclui o trabalho de cuidados pessoais no lar (que ainda recai principalmente sobre as mulheres), não se considera devidamente os danos ambientais e, agora, o impacto na atmosfera, ou seja, o dano climático.
As consequências das emissões de gases não são pagas. O aumento da produtividade não tem sido usado para livrar os seres humanos do trabalho, mas para alimentar o crescimento constante que só beneficia as elites.
Reduziria a jornada de trabalho?
Essa solução pode oferecer um triplo benefício para a sociedade: menos desemprego, mais qualidade de vida e menos pressões sobre o meio ambiente.
Você diz que a atmosfera foi colonizada.
Obviamente, a ideia de colonização da atmosfera não é minha, surgiu em um encontro em Cochabamba, na Bolívia, em 2010, no chamado encontro dos povos, onde se aponta esta ideia. Foram os primeiros a usar a ideia de colonização da atmosfera.
Contudo, em seu livro, você ressalta as diferentes responsabilidades dos países em relação à mudança climática. Explique-me...
A primeira coisa a reconhecer é que os países ricos têm a maior parte da responsabilidade em provocar a mudança climática.
Quem deve arcar com esses custos de compensação?
Efetivamente, é necessário prestar atenção nas grandes desigualdades de classe dentro das nações. A responsabilidade pelo excesso de emissões recai em grande medida sobre as classes endinheiradas, que têm um consumo muito alto e exercem um poder desproporcional sobre a produção e a política nacional. São elas que devem assumir os custos da compensação.
A China deve pagar ou receber compensações?
Obviamente, devemos considerar que a China é um país muito grande. Quando você olha para a sua responsabilidade histórica per capita, é muito baixa porque há muitas pessoas. É muito diferente da situação dos países ricos.
Se pensarmos que a China pode atingir a neutralidade climática em 2050 ou 2060, como se estabeleceu como meta, e se fizermos a contabilidade global, é possível concluir que não teria ultrapassado os limites do que pode ser considerado a sua justa contribuição em relação à meta de 1,5 grau, enquanto sabemos que os países ricos, nesse momento, já ultrapassaram esse limite.
Isso não quer dizer que os países do sul não devam ser descarbonizados. Todos devemos. Contudo, está claro que alguns países têm mais responsabilidade do que outros.
Quem deve pagar: os países ou as pessoas mais endinheiradas?
O conceito naciocêntrico não é mais adequado. A verdade é que as elites do Sul global também emitem muito e são um problema nesse sentido. Devem ser as elites, aqui na Espanha também, pois controlam o capital financeiro e produtivo. A ideia fundamental desse processo de compensação é que transfere poder e recursos das elites para as pessoas; do capital para as pessoas.
O capitalismo é o responsável pela mudança climática?
Sim, mas é preciso fazer uma distinção, pois quando as pessoas pensam em capitalismo, tendem a pensar nos mercados, no comércio e outros. Contudo, estas são atividades que existem há milhares de anos. O que é o capitalismo?
O que é?
Este é um sistema onde a produção é dominada pelas elites, pelo capital, por esse 1% que controla os mercados financeiros e, portanto, a produção. Vemos que a motivação que o move não é satisfazer as necessidades humanas, mas a acumulação de capital e a obtenção de lucros.
O resultado é que temos formas de produção muito perversas, e temos setores de alta rentabilidade, com um retorno muito alto em forma de capital. E não se investe em outros setores, como moradias sociais, serviços públicos e energias renováveis que, às vezes, não são tão rentáveis.
E qual é o papel das políticas sociais?
São essenciais. Quero enfatizar muito claramente as políticas sociais que são necessárias. Quando peço serviços públicos universais e garantia de emprego, não digo isso como algo “extra”, mas porque são fundamentais. Sem essas políticas sociais não pode haver política ecológica.
É urgente que o movimento ambientalista assuma as demandas por políticas sociais, chegando às classes trabalhadoras e aos responsáveis pelos sindicatos. Este é o tipo de aliança política que será necessária. E poderia ser uma plataforma política muito popular.
Você destaca o papel que as energias renováveis devem desempenhar. O crescimento verde é uma solução?
É preciso levar em consideração que quanto mais a economia cresce, mais energia consome, o que torna mais difícil e lento descarbonizar a economia. E, ao mesmo tempo, supõe mais esgotamento de recursos e mais extração de terras e materiais para produzir turbinas.
E muitos desses materiais são extraídos no sul global e vêm de lá a partir de relações muito desiguais. As energias renováveis são importantes e precisamos delas para a transição. Não obstante, sozinhas não são a solução, pois precisamos reduzir o consumo total de energia.
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“Para evitar os danos climáticos, é necessário produzir só o realmente necessário”. Entrevista com Jason Hickel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU