15 Junho 2023
Professor-pesquisador da Universidade de Paris-I-Panthéon-Sorbonne, Mathieu Flonneau é especialista em história urbana e mobilidade. Ele lembra que o automóvel e as “culturas do volante” foram fatores de modernização e de libertação das sociedades.
A entrevista é de Pascal Paillardet, publicada por La Vie, 12-06-2023. A tradução é do Cepat.
Quando é que surge este “sonho do automobilismo” na nossa sociedade?
A virada na democratização de seu uso é muito recente. Podemos datá-la da primeira década do século XX. É anterior em cerca de cinquenta anos à sua posse. Os Trinta Gloriosos, no pós-Segunda Guerra Mundial, marcaram, na França, mas também no Ocidente liberal, uma fase de adesão e utilização generalizada do objeto automóvel, quer se trate de veículos utilitários, agrícolas ou pesados. O automóvel tornou-se um bem de consumo comum e um estilo de vida.
Um dos elementos fundamentais é a sua considerável difusão no campo, onde é quase indispensável à vida cotidiana. O lugar do carro surge de uma forma de consentimento popular. Esta difusão foi acompanhada de transformações no nosso espaço, com a instalação de superfícies padronizadas, equipamentos rodoviários ou rodovias: a autoestrada do Sul foi inaugurada em 12 de abril de 1960.
O setor automobilístico sempre foi um setor de inovação. Uma prova como as 24 Horas de Le Mans é um banco de ensaio?
As 24 Horas de Le Mans, que substituiu o Grand Prix de l'Automobile Club de France (ACF), a primeira grande corrida da história realizada no circuito de Sarthe em 1906, representa o ápice do desempenho. É todo o dinamismo do automobilismo que está por trás desta “corrida infernal”, e que se relaciona com vários elementos: pneus, iluminação, aerodinâmica, robustez, transição para a produção em massa, segurança... A obrigatoriedade do uso do capacete foi instituída em 1949.
A eficiência energética é também uma dimensão essencial, com a entrega de um troféu de classificação do índice de performance (calculado em função da cilindrada do carro e da distância percorrida, nota do editor). Este ponto é essencial, ainda mais porque nossa civilização do automobilismo se vê confrontada com o problema do desenvolvimento sustentável e da transição ecológica.
Podemos considerar que a década de 1970, especialmente após o segundo choque do petróleo, marcou o início de um questionamento dessa civilização motorizada?
Sim, podemos datar o ponto de virada nessa década. Trata-se de um questionamento do consumismo, para além da crítica ecológica. Porém, nunca esqueçamos que o automóvel, alavancado por uma indústria próspera, construiu a modernidade e a riqueza de um país que se construiu como uma “república automotiva”.
Um historiador deve recordar o que esta civilização trouxe, tanto na apropriação e reconstrução do território depois da Libertação como no desenvolvimento de uma sociedade inclusiva, participando, por exemplo, da emancipação das mulheres (será, no entanto, necessário esperar a década de 1980 para que mais de 50% das mulheres em idade de dirigir tivessem carteira, nota do editor). O automóvel não pode ser reduzido a uma soma de incômodos, como acontece com muita frequência. A rodovia representa hoje 80% do fluxo de bens de consumo e de pessoas.
Esta “civilização do automóvel” está ameaçada?
O automóvel é um objeto que cria sentimentos. Essa dimensão foi imortalizada pela literatura e pela arte desde o início do século XX, por exemplo, por Marcel Proust. Não há nada de medíocre nessa forma de impulso inicial, nessa exaltação. Por trás do sonho do automóvel, que não é apenas um sonho de egoísmo, está a ideia de que o homem pode se realizar.
À crítica uniforme e unívoca que sustenta que devemos nos livrar dessa “dependência”, oponho esta ideia: o automobilismo é um humanismo e um universalismo. Não devemos ignorar a dimensão convivial e sedutora deste objeto, portador de uma memória feliz. Estamos muito longe de ter desistido desse sonho! Mais do que desprezar o automóvel e abordar com desprezo essa invenção milagrosa, devemos pensar em como tornar essa mobilidade individual menos nociva ao nosso ecossistema.
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“Estamos longe de ter desistido do sonho do automóvel”. Entrevista com Mathieu Flonneau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU