22 Setembro 2011
De um lado, o escritor e economista Eduardo Giannetti da Fonseca, professor do Insper, que participou da campanha "verde" de Marina Silva à Presidência.
De outro, Sérgio Reze, presidente da Fenabrave, entidade que representa o setor de distribuição de veículos no Brasil. Na véspera do Dia Mundial sem Carro, os dois aceitaram convite para debater a saturação da malha viária e a decisão governamental de aumentar o IPI para os carros importados.
As entrevistas são de Morris Kachani e publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo, 22-09-2011.
Eis as entrevistas.
A idéia de promover um dia sem carro é utopia?
Giannetti - O automóvel que veio como símbolo da liberdade de ir e vir se tornou uma espécie de cárcere privado, e de câmara de estresse. É uma modernidade que caducou. Sua cadeia produtiva sempre contou no Brasil com uma rede muito grande de suporte. O automóvel é apenas um elo na cadeia de uma cidade mais funcional. Não pode ser tudo subordinado a ele como se fosse o único meio de transporte de que dispomos.
Sérgio Reze - Eu adoraria que pudéssemos comemorar um dia sem carro, sem guerra, sem fome. Mas o que seria do mundo se você não tivesse a mobilidade? A discussão não é sobre o que fazer com o automóvel, é o que fazer com os recursos que o automóvel gera para um país. Essa indústria gera 1 milhão de empregos e uma enorme arrecadação, além de seguro, IPVA, pedágio.
Giannetti - Se você vai ao trabalho a pé, isso não aparece no PIB. Agora, se eu tenho que comprar um automóvel e me deslocar duas horas gastando combustível e ficando estressado, sim. Precisamos de um indicador mais fidedigno mostrando o que acontece com o bem-estar humano.
Reze - O Brasil não se preparou para o que está acontecendo agora. E o automóvel não é causa, ele é consequência dessa falta de planejamento. São Paulo é uma cidade em que as ruas não foram feitas para automóveis e as calçadas não foram feitas para pedestres.
Que soluções visualizam a curto prazo?
Giannetti - Um caminho muito interessante é o pedágio urbano. Você passar a cobrar pelo uso do espaço urbano em determinados momentos do dia.
Reze - Londres pode fazer isso porque já resolveu o problema da mobilidade coletiva há muito tempo. Em São Paulo, se você instalar o pedágio urbano, a única coisa que vai fazer é encarecer a vida de quem usa o carro. Aqui as pessoas andam de carro por absoluta necessidade.
Giannetti - O transporte público ainda é precário. Mas eu me desloco nesta cidade sem automóvel há muitos anos. É só planejar seus passos e ter uma logística adequada.
Reze - Da Vila Madalena para o centro, tudo bem. Mas eu penso na empregada doméstica que levanta às 4h e pega três ou quatro ônibus em um percurso de 30 km.
Que acharam do decreto do governo aumentando o IPI dos importados?
Reze - O tiro foi dado em cima dos chineses, que eram uma ameaça para os carros populares, que hoje respondem por 37% do mercado. E quanto ao segmento de carros de maior valor agregado, também atingido, não vejo problemas porque esse é um consumidor que poderá pagar a diferença.
Mas nos produtos de entrada o consumidor estava pagando menos para um carro que vem com mais equipamentos.
Reze - A indústria de autopeças nacional estava sendo muito prejudicada, por isso o governo aplicou a proporção de um mínimo de 65% de componentes nacionais. Eu acho que essa proporção deveria ser até maior, de 85%. Mas essa medida não pode ser utilizada para recomposição de margem da indústria.
Giannetti - Mas será. E nós voltamos ao protecionismo da pior espécie dos anos 80, que nos levou a uma década perdida. Nessa discussão toda ninguém pensa no consumidor brasileiro. Ele que pague a mais pelo produto de melhor qualidade que poderia obter por um preço mais baixo. A resposta saudável à ameaça competitiva é a melhor produtividade: inovação, capacitação, pesquisa e desenvolvimento.
Reze - A indústria nacional precisa se adequar tecnologicamente. Oferecer produtos com mais agregados tecnológicos. Isso está no decreto do governo, que as obriga a investir em inovação.
Giannetti - Outros setores da economia estão passando por uma situação muito complicada, mas não têm o acesso aos governantes que a indústria automobilística tem. Em 2008 foram premiados com a redução do IPI. E eu me pergunto: por que uma isenção setorial para aumentar a demanda de automóveis em um país que não comporta a frota atual?
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