13 Junho 2023
Contra o Papa Francisco não existem apenas os ataques desorganizados de algumas franjas da extrema-direita Católica irritada com sua insistência nos imigrantes ou no fechamento da questão contra a missa em latim. Existem adversários menos visíveis, mas não menos ferozes, que adotam uma arma mais sutil: contestam Bergoglio citando Bergoglio, transformam suas provocações em palavras de ordem repetidas até o desgaste, destacam a expressão simpática ou o gesto em movimento para deixar na sombra a carga desestabilizadora de algumas de suas escolhas.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por la Repubblica, 12-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Igreja, aliás, as batalhas muitas vezes acontecem sob a superfície da água, abafadas pelos tons curiais, dissimuladas por detrás da citação de um versículo bíblico – e pretendendo a perfeita continuidade entre um Papa e outro. Como pode se desmentir uma instituição depositária de uma verdade imutável, é o grande dilema? No entanto, existe um fato que representa, para o catolicismo como para todas religiões, um divisor de águas, um nó impossível de desatar sem alguns cortes: a modernidade.
Diante da modernidade, do homem que descobre a autodeterminação, nem todos os Papas reagiram do mesmo jeito, muito pelo contrário. Francisco assumiu uma linha de governo que constitui uma cesura, sobre isso, em comparação com seus dois predecessores imediatos, João Paulo II e Bento XVI. Uma profunda mutação que Daniele Menozzi, professor emérito da Scuola Normale Superiore de Pisa, ilumina com o livro Il papato di Francesco in prospettva storica (O papado de Francisco em perspectiva histórica, em tradução livre, Morcelliana, 263 p., 19 euros). Um volume que tem o mérito de explicar estes dez anos de pontificado mostrando as profundas raízes tanto de muitas das escolhas de Jorge Mario Bergoglio – da Laudato si' aos casais homossexuais, da crítica ao "clericalismo" ao diálogo com o Islã, da revisitação da doutrina da "guerra justa" até à modalidade de se relacionar com a televisão e outros meios de comunicação de massa – quanto das aversões que elas despertam.
A oposição tradicionalista, mas também aquela menos manifesta, conservadora, atualizam de alguma forma aquela “cultura intransigente” oitocentista que “imaginava para o mundo um modelo mítico do passado que teria evitado os dramas, os desastres e as tragédias nas quais inevitavelmente se deparavam homens que pretendiam libertar-se da tutela da Igreja". Uma atitude que acabou por "abrir um fosso cada vez mais profundo entre a instituição eclesiástica e a sociedade contemporânea".
Em vez disso, o pontífice argentino se refere ao Concílio Vaticano II (1962-1965) e ao Papa que o convocou, João XXIII: para ele é “muito claro que o homem moderno, ambicionando uma construção autônoma de sua história, não aceita a imposição de normas elaboradas por uma autoridade que se autoproclama depositária de verdades universalmente válidas em todos os tempos e em todos os lugares". Opta por uma atitude de não beligerância em relação à modernidade: não por relativismo – não é, afinal, nem liberal nem progressista – mas por ser jesuiticamente otimista, convencida de que Deus está em todas as coisas, também no presente: não se trata, explica Menozzi, “de diluir os valores evangélicos, mas de torná-los plenamente compreensíveis" para o homem contemporâneo.
O caminho, adverte o historiador do cristianismo, é "complexo e acidentado", como é, caberia dizer, o pontificado de Francisco. Inevitável, quando a Igreja se move no mar aberto da sociedade moderna, sem se refugiar nos baluartes da doutrina ou da liturgia, coloca de lado as batalhas pelos “valores não negociáveis”, desde a bioética à sexualidade, e se propõe como prioridade “a compreensão das necessidades dos homens e atenção para curar suas feridas".
A batalha dos últimos anos, dentro da Igreja, é final, às vezes tão feroz como uma guerra civil porque é existencial: Francisco, explica Menozzi, está convencido de que "uma renovação eclesial centrada na formulação da mensagem evangélica em termos compreensíveis para o homem de hoje pode ser realizada sem determinar aquele eclipse da religião católica na cidade secularizada que o papado pós-conciliar temia, optando assim para as interpretações mais cautelosas da atualização conciliar".
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A modernidade de Bergoglio, dez anos depois das provocações que desconcertaram a Igreja. O ensaio de Daniele Menozzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU