10 Junho 2023
Economista, matemático, teólogo, sacerdote, poliglota (fala sete idiomas), ex-conselheiro sombra do presidente socialista François Hollande, ex-economista-chefe e diretor executivo da Agência francesa de desenvolvimento fundada por Charles De Gaulle (único padre a administrar para o governo de Paris um orçamento de 8 bilhões de euros em favor dos países pobres), Gaël Giraud, 53 anos, trabalhou em Wall Street de 1999 a 2003, enquanto estava a caminho de se tornar jesuíta. Era o menino prodígio dos bancos: “Eu tinha que elaborar um modelo matemático sofisticado baseado na teoria dos jogos nascida do xadrez, para ser aplicado aos títulos podres a fim de evitar a crise financeira das hipotecas subprimes que três anos depois abalaria o mundo". Em vez disso, revelou como os algoritmos eram usados para fraudar os clientes. A partir daquele momento tornou-se o demônio. Tentam destruí-lo com campanhas de imprensa. Até tentaram colocar em sua cama uma encantadora chinesa.
A entrevista é de Stefano Lorenzetto, publicada por Corriere della Sera, 03-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O título de seu novo ensaio, Il gusto di cambiare (O prazer de mudar, em tradução livre; editora Slow Food e editora do Vaticano), escrito com Carlo Petrini e Stefano Arduini, representa o compêndio da vida desse jesuíta.
“Gerou em mim um gosto de esperança, de autenticidade, de futuro”, escreve o Papa Francisco no prefácio. Envolve também a dor: aos 28 anos perdeu o pai e aos 34 a mãe ("ambos por ataque cardíaco"); o mais velho de três irmãos, viu morrer o segundo aos 18 meses e o terceiro aos 34 anos. Como é ficar sozinho?
"Difícil de dizer. Aprendi a vulnerabilidade com a vida. E quanto vale o amor, embora tão breve, da família".
Um economista que se torna padre. Raro.
Aos 11 anos escolhi um trabalho que me permitisse ouvir Bach todos os dias. Organista ou sacerdote. Aos 19 anos eu estava nos Alpes com meu tio Martin Kopp, vigário geral da Suíça central. Ele me disse: ‘Você deve aprender a orar’. Ele me indicou um diretor espiritual, um jesuíta francês. Aos 25 anos, a virada, no Chade.
Convertido no caminho de N'Djamena?
Na savana, entre os meninos de rua. Eu estava lá para o serviço civil. Eu vi com meus próprios olhos que o modelo econômico-alimentar em que estamos imersos conhece o preço de tudo e o valor de nada, Francisco também o diz no prefácio.
“A transição ecológica como caminho para a felicidade”, lê-se no subtítulo. Mas a palavra "felicidade" não está no Evangelho. Ela promete mais do que o Novo Testamento.
Mas tem o discurso das bem-aventuranças: ‘Bem-aventurados os pobres...’. Essa é a felicidade. Não aquela mundana: dinheiro, poder, sexo.
Você possui doutorados em matemática e teologia, estudou economia. Eu não entendo se você gosta mais de raciocinar sobre números, dinheiro ou sobre o Pai Eterno.
A ternura de Deus é a única coisa que importa. Sem ela, nada podemos fazer. A matemática é uma ferramenta. E o dinheiro é apenas um meio: fiz voto de pobreza.
No entanto, em seu ensaio menciona Deus apenas sete vezes, enquanto transição ecológica ocorre 38 e bancos 28. O meio ambiente e o dinheiro são as divindades do homem moderno?
O meio ambiente, não. Os bancos, sim. E é uma idolatria extremamente perigosa.
Então, por que se colocou a seu serviço?
Somente do Crédit agricole e da Compagnie parisienne de réescompte. Eu era muito jovem. Eu sentia a responsabilidade para com a família após a morte de meu pai.
Eles o pagavam bem, pelo menos?
Eu trabalhava apenas um dia por semana, por 1.000-2.000 euros. Eu vivi a crise financeira de 2008 minuto a minuto, ao lado do meu irmão Aurèle, corretor, especialista em títulos do Bnp Paríbas. Ele estava horrorizado pela total ineficiência dos bancos e a quantidade de títulos tóxicos em circulação. Temos que fazer alguma coisa, dissemos um ao outro. Meu primeiro livro, um plano de reforma sistema, nasceu assim. Infelizmente naquele mesmo ano, em novembro, Aurèle faleceu. Enquanto isso os mercados financeiros mundiais haviam perdido cerca de um quarto de seu valor.
O que mais os bancos estão fazendo de ruim?
Se o petróleo, o gás e o carvão fossem proibidos, os 11 maiores da Europa iriam à falência. Eles estão cientes há anos, não esperaram por mim para entender.
É terrível. Como pode afirmar isso?
Entre ações e empréstimos, eles investiram 95% de seus respectivos capitais em energias fósseis. No total 530 bilhões de euros. Se mudarmos para as energias renováveis, eles vão à falência. Não sabem o que fazer para se livrar desse lastro.
E você sabe?
Em 2009 a Comissão Europeia propôs que cada país criasse um bad bank, um banco dos títulos podres: ontem eram as hipotecas subprimes, hoje os combustíveis fósseis. Mas essa não é a solução correta, porque socializa o déficit: as instituições de crédito privado ganham, o Estado perde, o cidadão paga. A alternativa é o Banco Central Europeu atuar como bad bank. Não custaria nada a ninguém. Meus colegas franceses me chamaram de louco. Mas o Banco de Compensações Internacional, que reúne os bancos centrais de todo o mundo em Basileia, publicou um relatório em que concorda comigo. Alguns amigos do BCE dizem-me: ‘Tecnicamente é possível, mas politicamente não’. Temem o pânico nos mercados. No entanto, essa é a única maneira para os bancos, limpos, financiem a transição ecológica.
Agora fica claro para mim: é melhor demonstrar que o padre Giraud é um mulherengo.
Essa garota de 23 anos aparece. Ela diz que é filha de um general chinês de alto escalão. Eu ignoro se isso é verdade. Quer que oriente o seu doutorado. Adio a resposta para o ano seguinte. Então ela me propõe explicitamente para fazer sexo. Eu a afasto. Depois descubro que ela havia alugado uma casa a 300 metros do meu estúdio em Paris.
Seja honesto: você teve dificuldade para resistir a ela?
Ela era muito bonita. Três meses depois, me escreveu um e-mail: ‘Sinto muito por ter lhe causado problemas. Mas eu era controlada de fora’. Eu não entendi. Convido-a para um café e pergunto: quem te mandou? Silêncio.
Recentemente “Le Monde” acusou você de plágio, conspiração, antissemitismo.
Um ataque direcionado porque, segundo alguns, encarno a alternativa ao sistema.
Você teoriza que a relação salarial dos funcionários e dos chefes de empresas deveria ser de 1 a 12. O número de apóstolos tem algo a ver com isso?
Uma pesquisa entre os franceses sugeriu 1 a 10. No público é 1 a 11. Na economia social 1 a 5. É preciso uma progressão. Pode-se partir também de 1 a 100. Mas não de 1 a 1.000 como acontece hoje.
Você acha que Elon Musk e Jeff Bezos querem receber aulas de um padre?
Formulei 20 propostas para reformar o capitalismo. Estou conversando sobre isso com grandes famílias, mas você não pode escrever isso. (Ele menciona algumas, realmente grandes).
Isso não me surpreende. Foi colega de estudo de Thomas Piketty, autor do controverso “O Capital no século XXI". De fato, o acusam de ser de esquerda.
Não sou. A ecologia é universal.
Você profetiza que as geleiras vão desaparecer.
Em 2050, o Mont Blanc será verde no verão, é a ciência que afirma isso. Dançamos no Titanic. Há anos falo da tropicalização do clima e agora veja o que aconteceu na sua Emilia Romagna.
O que você tem em comum com Petrini?
Esperança na humanidade. Nos Estados Unidos, são consumidos 130 quilos de carne per capita por ano, na África Subsaariana, 5. Para uma dieta correta bastam 60. Apollinare Veronesi deu o frango aos italianos. Ele me contou que na sua aldeia comiam apenas 1,4 quilos de carne por ano. Hoje em Lugo di Valpantena são muito mais saudáveis e ricos do que 70 anos atrás.
Passamos do nada para o excesso. O bife cotidiano é a confirmação simbólica de que o homem se considera o predador universal da Criação. Isso não está certo. Nós somos os servidores da Criação.
Você é bom de garfo como Petrini?
Oh não. Eu como pouco. Eu sou vegetariano. Gostaria de me tornar vegano, mas um francês tem dificuldades para se privar de queijo e ovos.
Como diretor da Agência francesa de desenvolvimento, qual é a pior tragédia que já viu circulando pelo mundo?
A desertificação do Sahel. A África tem hoje 1,3 bilhão de habitantes, em 2050 serão pelo menos 2.3. Daqui há sete anos, 2 em cada 5 pessoas no planeta não terão água potável.
O Clube de Roma previu em 1972 que chegaríamos a 8 bilhões de indivíduos na Terra em 2020. Chegamos lá.
O crescimento populacional não é o problema. Já hoje são produzidos alimentos suficientes para 12 bilhões pessoas, mas 33 por cento é jogado fora e 800 milhões de pobres não têm o que comer.
O que estava fazendo em uma comissão científica com Joseph Stiglitz, o Prêmio Nobel de economia que inspirou Beppe Grillo e o Movimento 5 Estrelas?
Eu não sabia dessa conexão. Ele é um colega e um amigo. Estudamos como determinar um imposto justo sobre o carvão: deveria chegar a 300 dólares por tonelada em 2030 e 400 em 2040.
É verdade que você está escrevendo o programa de desenvolvimento para o governo da África do Sul?
Sim, com o meu centro de pesquisa trabalho no primeiro modelo de política econômica e ambiental. Vai ser pronto em 2024.
Onde você aprendeu italiano?
Em Roma, em plena pandemia, trabalhando como cozinheiro e ajudante no refeitório para os refugiados do Centro Astalli. Depois eu atravessava a cidade deserta e ia tocar Bach, Mozart, Chopin e Debussy para a embaixadora da França na Santa Sé, no piano da Villa Bonaparte.
O que comportaria o "Il gusto di cambiare" aplicado à sua vida?
A redução das viagens aéreas. Em 2016, bati o recorde louco de 17 voos intercontinentais em um mês. Na rota Paris-Nova York e retorno, um avião a jato emite 3,2 toneladas de dióxido de carbono por passageiro. Isso é três vezes a pegada média de um ugandense em um ano.
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Gaël Giraud: economista, matemático, teólogo. Trabalhava para o governo de Paris, era o menino prodígio dos bancos e agora querem amordaçá-lo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU