“Quem está certo é o Papa Francisco, e não Adam Smith: um pedido de desculpas aos meus alunos de Economia”

Adam Smith e Papa Francisco | Foto: Wikimedia Commons

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04 Março 2023

O Papa Francisco nos pede para deixar de racionalizar sobre a ganância e de levantar dúvidas sobre o comportamento moral. Em vez disso, devemos olhar para aquilo que nossa fé nos ensinou: amar o próximo.

A opinião é de Richard A. Levins, professor emérito de Economia Aplicada na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado em America, 17-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

Em uma missa da Vigília de Natal no ano passado, o Papa Francisco explicou “o problema da humanidade – a indiferença gerada pela pressa voraz de possuir e consumir”. Ele falou sobre como “uma humanidade insaciável de dinheiro, insaciável de poder e insaciável de prazer não dá lugar para os pequeninos, para tantos nascituros, pobres e esquecidos”.

Esse é um tema comum para o Papa Francisco. Em uma missa em 2015, ele caracterizou a ganância como uma espécie de porta de entrada para o vício, dizendo que ela “abre a porta para entrar a vaidade – pensar que você é importante, acreditar que você é poderoso – e, no fim, o orgulho, e a partir daí todos os vícios, todos eles”. A solução? “Um contínuo despojamento dos próprios interesses e não pensar que essas riquezas nos trarão a salvação.”

Francisco é bem-intencionado, sem dúvida, mas não é um economista. Eu, por outro lado, tenho doutorado em Economia e décadas de experiência tanto como professor universitário quanto como consultor de empresas. Ensinei os princípios do sistema de livre mercado, também conhecido como Economia Fundamental, para centenas de estudantes universitários. Ao fazer isso, apresentei-lhes uma visão de mundo completamente diferente da expressada pelo Papa Francisco.

Mais de 200 anos atrás, o padrinho econômico Adam Smith escreveu as frases de efeito que fundamentam o pensamento capitalista. Em “A riqueza das nações”, ele escreveu: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas sim da consideração que ele tem pelos próprios interesses. Apelamos não à sua humanidade, mas a seu amor-próprio”.

Um corolário dessa regra é que devemos ser céticos em relação a ações tomadas por preocupação com o bem comum. Como escreveu Smith, o indivíduo preocupado apenas com seu bem-estar “frequentemente promove o bem-estar da sociedade mais do que quando realmente pretende promovê-lo”.

A assombrosa arrogância de afirmar saber mais do que o papa, e até do que Deus, sobre como promover o nosso bem-estar comum surge facilmente ao se dar em uma aula de Economia. Por exemplo, se um estudante perguntasse sobre a fome que corre desenfreada em um mundo governado pela mão invisível do capitalismo, tudo o que eu precisava fazer era remetê-lo ao nosso livro didático (“Economia”, de Paul Samuelson e William Nordaus): “O gato de um homem rico pode beber o leite que um menino pobre precisa para se manter saudável. Isso ocorre porque o mercado está falhando? De modo algum, pois o mecanismo do mercado está fazendo seu trabalho – colocando os bens nas mãos daqueles que têm os votos em dólares”.

O objetivo subjacente de uma aula de Economia Fundamental é frequentemente expressado como o fato de ajudar os estudantes a aprenderem a “pensar como um economista”. Tal pensamento pode levar à crença de que tanto a ganância quanto o interesse próprio são bons, alimentam um motor econômico que nos impulsiona rumo à eficiência. Não é de se admirar que os estudos mostram que quanto mais alguém estuda economia, maior a probabilidade de se tornar mais egoísta e menos preocupado com o bem-estar dos outros.

Eu abandonei a academia anos atrás para começar uma vida na consultoria, na oratória e na publicação de textos, e minhas dúvidas e apreensões sobre o fato de ensinar Economia Fundamental só aumentaram. Então, veio o Papa Francisco. Ao ler seus escritos sobre os fracassos morais do capitalismo, percebi como o debate entre seus críticos mais ferrenhos perdia completamente o foco. O papa não é socialista. O papa não é comunista. O papa é católico. E, muito mais do que qualquer economista que eu estudei, seus escritos dão sentido à frase “In God We Trust” [em Deus nós confiamos].

O Papa Francisco nos pede para deixar de racionalizar sobre a ganância e de levantar dúvidas sobre o comportamento moral. Em vez disso, devemos olhar para aquilo que nossa fé nos ensinou: amar o próximo. “Todas as vezes que vocês fizerem isso a um destes pequeninos, é a mim que vocês o fazem.” Venda tudo o que você tem e dê aos pobres. Cada uma dessas diretrizes, assim como tantos outros ensinamentos do catolicismo, pode colocar um economista iniciante em uma nova e maravilhosa jornada intelectual.

Aos meus ex-estudantes, lamento por não tê-los encaminhado por esses caminhos. Por favor, não se esqueçam de que vocês, assim como eu, ainda têm tempo para explorá-los.

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