21 Dezembro 2022
Certamente não é o melhor acordo possível e, de fato, há quem, como alguns estados africanos, fale de “um golpe de mão da China". Mas o risco de mais uma vez procrastinar os compromissos de proteção ambiental era alto demais para inviabilizar todo o processo.
A reportagem é de Paolo M. Alfieri, publicada por Avvenire, 20-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Assim, ao final de uma maratona de negociações e de um processo que durou quatro anos, os 192 países reunidos na cúpula COP15 sobre biodiversidade em Montreal - que começou em 7 de dezembro e terminou ontem - conseguiram chegar a um acordo definido por muitos como histórico, mesmo que imperfeito. Um “pacto de paz com a natureza”, segundo o secretário-geral da ONU Guterres, um acordo que visa inverter décadas de ação humana que destruiu o meio ambiente e ameaçou espécies, ecossistemas e recursos essenciais para a humanidade.
Rebatizado de Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework, o documento visa proteger terras, oceanos e espécies da poluição, degradação e crise climática.
Existe um acordo sobre a proteção de 30% do planeta e a restauração de 30% das áreas marinhas e terrestres degradadas até 2030, bem como o reconhecimento crucial dos direitos dos povos indígenas e a redução pela metade dos riscos associados aos agrotóxicos. Além disso, o acordo libera 30 bilhões de dólares anuais de ajudas ambientais para os países em desenvolvimento (atualmente eram estimados 10 bilhões de dólares por ano).
Isso não é tudo o que esses países estavam pedindo, mas ainda é um passo à frente. Países como a República Democrática do Congo, que abriga imensas florestas tropicais, protestam que não falta instituir um fundo especial para a biodiversidade, para o qual fazer fluir os novos financiamentos. O texto introduz um fundo, mas dentro de um mecanismo já existente da ONU, o Fundo Monetário para o Meio Ambiente, cujo principal beneficiário é justamente a China, seguida por Brasil, Indonésia, Índia e México. O Congo havia, portanto, levantado uma objeção ao acordo, mas Pequim declarou o documento aprovado, com Uganda e Camarões chegando a falar de um "golpe de estado" processual.
Presidida pela China, a Conferência deveria ter-se realizado em Kunming, mas foi transferida para Montreal, no Canadá, devido à covid. Os Estados Unidos não participaram formalmente (assim como o Vaticano), que nunca ratificaram a Convenção sobre Biodiversidade de 1992, mas Joe Biden pretende respeitar seus objetivos. O acordo recomenda que os países signatários aloquem 200 bilhões de dólares por ano para iniciativas de conservação da biodiversidade.
Os países em desenvolvimento queriam que metade dessa soma, 100 bilhões, fosse dos Estados ricos para os países mais pobres. O documento final, por outro lado, diz apenas que 20 bilhões por ano terão que vir dos países desenvolvidos até 2025 e 30 bilhões por ano a partir de 2030. O documento final da COP15 também recomenda que os subsídios prejudiciais sejam reduzidos em pelo menos 500 bilhões dólares por ano no final desta década e que aqueles para a conservação do meio ambiente sejam incentivados.
Também sugere que as empresas sejam solicitadas a avaliar e divulgar a perda do ambiente natural que causam. Um dos objetivos mais controversos do acordo visava reduzir o uso de agrotóxicos em até dois terços. Mas o texto se concentra mais nos riscos associados a agrotóxicos e produtos químicos altamente perigosos, empenhando-se a reduzir essas ameaças "pelo menos pela metade" e focando em outras formas de manejo de pragas.
Os cientistas concordam sobre a urgência da ação. As populações de vertebrados caíram 69% em menos de 50 anos, um milhão de espécies vegetais e animais estão ameaçadas de extinção nas próximas décadas e 75% da superfície terrestre já foi alterada por atividades humanas. Pelo menos 150 milhões de toneladas de plástico foram despejadas nos oceanos e 437 milhões de hectares de cobertura florestal foram perdidos desde 2000. Atualmente, apenas 17% da terra e 8% do mar são áreas protegidas.
Os primeiros comentários dos representantes indígenas na COP15 foram positivos, considerando que seu papel é reconhecido aos efeitos das indústrias extrativistas em suas terras tradicionais. Os povos indígenas representam apenas 5% da população mundial e no entanto preservam 80% da biodiversidade existente. "“Estão reconhecendo que as populações indígenas também podem contribuir para a conservação da biodiversidade", disse Viviana Figueroa, representante do Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade. "Para nós, é como uma mudança de paradigma".
“Rezemos para que as cúpulas COP27 e COP15 possam unir a família humana para enfrentar com decisão a dupla crise do clima e a redução da biodiversidade”, havia auspiciado recentemente o Papa Francisco. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, saudou "com favor o resultado histórico da COP15". De acordo com Von der Leyen, “o mundo concordou com objetivos mensuráveis e sem precedentes para proteger e restaurar a natureza”. Para o Greenpeace, ao contrário, eram necessários mais financiamentos, bem como "as especificações essenciais para excluir as atividades nocivas de áreas protegidas".
O WWF fala do acordo como "um ponto de partida: a menos que haja uma aceleração na implementação dos objetivos e uma séria mobilização dos recursos, o acordo permanecerá uma casca vazia de promessas". Em geral, das organizações ambientais chegam solicitações para tornar mensuráveis os compromissos assumidos. O texto fala de planos de ação nacionais que terão de ser elaborados pelos vários países, ainda que não sejam especificados prazos mais definitivos. É um acordo imperfeito, evidentemente, mas algum ponto precisava ser feito.
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Um terço da Terra “reserva protegida”. Acordo da COP15 sobre biodiversidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU