05 Dezembro 2022
Karol Wojtyla, nos anos em que foi arcebispo de Cracóvia, entre 1964 e 1978, tomou conhecimento de casos de abuso sexual contra menores cometidos por padres poloneses e, aliás, contribuiu para seu acobertamento? Segundo as revelações do jornalista holandês Ekke Overbeek, que mora na Polônia e passou os últimos anos investigando os arquivos dos serviços secretos da época comunista, a resposta é afirmativa.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 04-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
De fato, explicou Overbeek, muitos dos documentos diretamente relacionados com a obra do futuro João Paulo II foram destruídos, mas uma importante quantidade de documentação que menciona indiretamente Karol Wojtyla permaneceu nos registros e daí se pode deduzir o papel que interpretou o ex-arcebispo de Cracóvia na gestão de casos graves de abuso.
“Encontrei casos de sacerdotes que abusaram de crianças na arquidiocese de Cracóvia”, disse Overbeek. "O futuro papa estava ciente disso" e, no entanto, não hesitou em transferir esses padres para outro lugar, uma escolha que resultou na continuação dos abusos.
Em essência, Wojtyla, como arcebispo, teria se comportado da mesma forma que muitos de seus coirmãos ao redor do mundo antes que o escândalo da violência sexual cometida por membros do clero viesse à tona e a própria Igreja reagisse publicamente ao problema.
Deve-se lembrar, entre outras coisas, que a clamorosa investigação de 2002 conduzida pelo Boston Globe sobre a diocese de Boston começou precisamente com a descoberta de um sistema de encobrimento consolidado com base no qual, quando os abusos de um padre começavam para criar problemas numa paróquia ou numa diocese, o sacerdote era transferido para outro lugar onde, não raramente, repetia o crime.
Entre os casos mais graves que surgiram recentemente na Polônia está o do predador em série dom Eugeniusz Surgent, falecido em 2008 aos 77 anos, acusado de ter cometido abusos em várias paróquias e regiões do país. Bem, de acordo com Overbeek, Wojtyla estava ciente exatamente de seu caso.
Além disso, o jornalista que em janeiro próximo publicará um livro intitulado Máxima culpa no qual recolheu os resultados da sua investigação, cita, a propósito de Dom Surgent, a carta de um companheiro de cela do sacerdote em questão que “na época – o jornalista explicou à mídia –já havia sido preso por abusos. O companheiro de cela conta como o sacerdote tivesse pedido perdão por seu comportamento em uma carta ao arcebispo Wojtyla, depois de prometer que nada disso aconteceria novamente".
Mas, assim que saiu da prisão, ele começou de novo. De acordo com outra investigação publicada pelo jornal polonês Rzeczpospolita no final de novembro, na década de 1970 Surgent foi condenado a três anos de prisão por abusar sexualmente de seis meninos.
Porém, posteriormente ocupou outros cargos, sempre como padre, que o colocavam em contato com menores, inclusive ensinando o catecismo católico. O jornal descobriu como o padre continuou a abusar de outras vítimas na década de 1980.
A história foi assim comentada pelo padre Piotr Studnicki, chefe do departamento de proteção à criança da conferência episcopal polonesa: "a enormidade do dano causado por Eugeniusz Surgent é chocante e terrificante, mas agora deveríamos pensar ainda mais nas pessoas feridas”. O envolvimento de Karol Wojtyla estava, portanto, no ar, seu nome de fato já havia surgido em relação ao caso Surgent, porém as últimas revelações dos arquivos dos serviços secretos poloneses acrescentam um elemento importante à história.
Por outro lado, a conferência episcopal polonesa, evidentemente não por acaso, havia sentido a necessidade, no último dia 14 de novembro, de publicar uma longa nota de esclarecimentos, fortemente defensiva, sobre o comportamento de João Paulo II em relação à gestão dos casos de abuso sexual.
O documento se limita a examinar o pontificado - que durou 27 anos - mas, em todo caso, tende a proteger por inteiro a imagem de Wojtyla. Enquanto isso, afirma-se que as tentativas do papa polonês de demonstrar a relutância em enfrentar a pedofilia do clero fazem parte de uma manobra mais geral para diminuir seu ensinamento sobre temas que "dizem respeito ao valor da vida humana e sua proteção desde o momento da concepção à morte natural, o valor do matrimônio e da família, a moralidade da vida sexual”, disse o arcebispo de Poznan, Stanisław Gądecki, presidente dos bispos poloneses.
Um magistério que, afirma a nota, “não corresponde às atuais ideologias que propagam o hedonismo, o relativismo e o niilismo moral”. Em seguida, repete-se o argumento básico sempre defendido em todos esses anos pelos defensores do pontífice polonês: ou seja, que o papa desconhecia a vastidão do problema e, quando o fenômeno começou a surgir, estava convencido de que se tratasse de um problema principalmente estadunidense.
Segundo o documento da igreja polonesa, parece que “no período de meados dos anos 1980 a meados dos anos 1990, o escândalo dos abusos sexuais se manifestou para João Paulo II como um problema principalmente da igreja de Estados Unidos e dos países anglo-saxões".
Não apenas isso: “A ciência do papa sobre a dimensão e as consequências desses abusos cresceu ao longo dos anos. Para ele, tornava-se cada vez mais claro que os bispos e os superiores das ordens religiosas não tinham tomado as providências adequadas e previstas pelo direito”.
Claro que toda esta reconstrução é agora definitivamente questionada pelas últimas revelações. Vale a pena mencionar que alguns dos colaboradores mais próximos de João Paulo II, seu secretário pessoal, o atual Cardeal Stanislaw Dziwisz, o então Secretário de Estado, Cardeal Angelo Sodano, o Cardeal colombiano Dario Castrillon Hoyos, por muito tempo prefeito vaticano da Congregação para o clero, foram protagonistas ativos da política dos encobrimentos e do acobertamento do escândalo dos abusos sexuais.
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Wojtyla sabia dos abusos sexuais desde que era arcebispo de Cracóvia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU