01 Dezembro 2022
O professor Stefano Zamagni é um dos criadores e signatários do apelo pela paz na Ucrânia que "tem alimentado um forte debate dentro da Igreja", e está cada vez mais convencido da validade de sua abordagem para parar a guerra. “Devemos fazer como o Papa, abandonar a via do justo para alcançar o bem: ou seja, a sobrevivência de todo um povo, o ucraniano. Especialmente agora – acrescenta – que os russos estão atacando os civis e as infraestruturas”.
A entrevista com Stefano Zamagni é de Alessia Grossi, publicada por Il Fatto Quotidiano, 30-11-2022. A tradução de Luisa Rabolini.
Professor Zamagni, o Kremlin parecia disposto à mediação do Papa, então Bergoglio acusou os chechenos de crueldade e Putin se ressentiu.
O discurso do Papa no outro dia é verdadeiramente extraordinário: este Papa nunca deixa de me surpreender. Ele teve a coragem de levantar a questão do Holodomor e alguns podem torcer o nariz e dizer que a semelhança não é nem perfeita nem completa. Mas ele observa que então, em 1932-33, uma carestia foi deliberadamente provocada por Stalin que levou à morte de milhões de ucranianos. Agora algo semelhante está acontecendo, porque efetivamente, como vários analistas observaram, os objetivos perseguidos pelo exército russo não são mais de natureza militar, como seria de esperar em um conflito. E isso é uma novidade.
Você está dizendo que entramos em uma nova fase da guerra?
Sim. O objetivo é aterrorizar para levar à fuga. Até porque milhões de ucranianos que chegam à Polônia ou à Alemanha levam à desestabilização interna destes países que veem chegar bocas para alimentar, criando problemas econômicos e sociais.
Qual é a solução?
A solução continua sendo aquela que eu dizia há mais de um mês, praticamente sozinho, mesmo que eu não soubesse o que iria acontecer. Existe uma tese ligada à deontologia kantiana que é uma posição de filosofia moral muito famosa: fiat justitia, pereat mundus, que significa 'faça-se a justiça e que o mundo pereça' seguido por aqueles que agem só pelo dever. Agora está claro que a justiça está inteiramente de um lado, que é dos ucranianos, portanto aqueles que defendem a solução do conflito por meios militares aplicam basicamente esta máxima: queremos a paz justa à custa de matar a todos.
Não sou dessa ideia: estou com Aristóteles em afirmar a primazia do bem sobre o justo. Nesse caso, o primeiro bem é salvar a vida das pessoas. E se isso continuar por alguns meses, a população ucraniana será dizimada somando mortes por fome, frio e aqueles que fogem. Para isso se deve buscar a negociação.
Que tipo de negociação ainda é possível?
A negociação possível é aquela que obviamente não concede tudo à Rússia como ela gostaria, e deve ser montada pelos dois países beligerantes, mas com os Estados Unidos e a Europa por trás de um e a China do outro. Porque se a China pressionar um pouco mais Putin, ele por razões óbvias não pode dizer não. O mesmo vale para Zelensky com a OTAN, ou seja, com os EUA.
Quais são as concessões que se deve estar disposto a fazer à Rússia?
Primeiro, a Crimeia, que já é russa há oito anos, mas ninguém nesses oito anos se desesperou. Enquanto o Donbass não deve ser concedido. A Rússia é obrigada a aceitar. Portanto, é preciso pressionar Biden de um lado e Xi Jinping do outro, para que eles encarnem o papel de supermediadores.
Falando de mediadores, o Papa ainda pode encarnar esta figura?
O Papa é uma pessoa sábia, que tem a função de dignitário de Cristo e tem que se acertar com o Altíssimo se fechar os olhos para o bem do povo ucraniano em favor da justiça. Mas para se sentar à mesa, não pode ser ele. Ele pode insistir sobre o caminho da negociação e lembrar a todos o primado da vida, esta é a minha opinião, agindo sobre Biden e Xi para induzi-los a assumir o papel de avalistas.
Zelensky também é pela justiça à custa do bem?
É claro. Ele também não pode insistir em não querer se sentar se o outro se sentar à mesa das negociações, em nome do martírio do povo ucraniano, não é moralmente aceitável. Ele não pode sacrificar a vida de um povo. Porque, além disso, ele sacrifica a vida dos outros, não a sua.
O decreto do governo italiano prevê o envio de armas para Kiev até 2023. Mas há quem, como o 5Estrelas, que se opõe.
É uma grande confusão, porque quando alguém diz 'não às armas na Ucrânia', deve acrescentar 'sim à retirada das armas russas da Ucrânia', caso contrário é como dizer 'a Rússia pode continuar a exterminar aquele povo'.
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“Para punir Putin corre-se o risco de sacrificar os ucranianos”. Entrevista com Stefano Zamagni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU