19 Abril 2021
O presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais e renomado economista, Stefano Zamagni, explica a urgente necessidade de que as sociedades voltem a reavaliar o trabalho humano segundo o magistério da Igreja e se libertem das garras dos potentados econômicos: “É algo grave que cinco empresas farmacêuticas impeçam que se produzam as vacinas sob licença, mantendo o mundo em xeque-mate. Não se deveria aplicar uma norma de direito privado, mas sim de direito público. Está em jogo a vida de bilhões de pessoas”.
A reportagem é de Federico Piana, publicada por Vatican News, 17-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“O pontífice entende melhor do que ninguém que a situação que caracteriza hoje as nossas sociedades é uma radical subestimação do trabalho humano.” O presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, Stefano Zamagni, comentando a videomensagem do Papa Francisco para o congresso internacional “A politics rooted in the people” [Uma política arraigada no povo], organizada pelo Centro de Teologia e Comunidade, e realizada em Londres nos últimos dias, soou o alarme: “Esta subestimação é um risco que deveria ser evitado desde já, porque a fase atual da economia de mercado capitalista passou da centralidade da produção para a centralidade do consumo”.
E, para explicar melhor o perigo que principalmente as sociedades ocidentais estão correndo, o economista cita um exemplo: “Hoje, quem é considerado o herói de plantão? Quem consegue convencer massas de população a consumir. Isso significa que o trabalho é considerado apenas em chave instrumental, ao passo que, como São João Paulo II também lembrava, o trabalho não tem apenas uma dimensão instrumental em relação ao objetivo do consumo, mas também uma dimensão expressiva da dignidade humana”.
Em sua videomensagem, o papa exorta a política a “trabalhar para e com o povo, reconhecendo os seus valores espirituais” e a não se desinteressar pelos pobres...
A advertência do Papa Francisco deve ser lida no contexto que mencionei antes. A mais recente Doutrina Social da Igreja fez soar o alarme: parece quase que o elemento central das nossas sociedades é o acesso ao consumo. Em vez disso, colocar o novamente no centro do discurso econômico, político e cultural o tema do trabalho significa recuperar a antiga linha de pensamento que remonta até a Bento de Núrsia. Quando o santo lançou o seu famoso slogan Ora et Labora, representou uma virada epocal, porque significava colocar o trabalho no mesmo nível da oração: antes não era assim. É por isso que este papa sente a exigência de chamar a atenção de todos para rever o modo como conceitualizamos o trabalho.
Outra solicitação que o papa faz em sua videomensagem está ligada ao fato de que a Igreja não pode “separar a promoção da justiça social do reconhecimento dos valores e da cultura do povo, incluindo os valores espirituais”. Na sua opinião, como esse objetivo pode ser alcançado?
Ao dizer isso, o Papa Francisco se vincula ao pensamento de Paulo VI, quando, na encíclica Populorum Progressio, ele enunciou aquela frase que, desde então, se tornou famosa: o desenvolvimento é o novo nome da paz. Naquela ocasião, ele esclareceu que o conceito de desenvolvimento não é a mesma coisa que o conceito de crescimento: o desenvolvimento é típico da pessoa humana; os animais e as plantas não se desenvolvem, mas crescem. É por isso que falar de desenvolvimento humano integral hoje é muito importante. O desenvolvimento envolve três dimensões: o do crescimento, o sociorrelacional e o espiritual. Nesta época, infelizmente, sobre o altar do crescimento, são sacrificadas tanto a dimensão espiritual quanto a dimensão sociorrelacional.
E essa ganância do crescimento faz com que sejam levantados muros contra os pobres, que estão aumentando cada vez mais no mundo, ampliando a lacuna com os poucos ricos do planeta?
Certamente. Por isso, não é por acaso que o papa intitulou o capítulo quinto da sua encíclica Fratelli tutti como “A política melhor”. É a primeira vez que aparece em um documento oficial do magistério uma referência explícita à ação da política. Aqui, diz-se que a política deve voltar a ser a governante da economia, e não o contrário. O papa sabe muito bem, porém, que nos últimos 30 anos ocorreu uma mudança de porte histórico: é a esfera da economia que domina a esfera política, com o resultado de que muitos políticos não são mais livres para agir e tomar decisões pelo bem comum, porque são literalmente chantageados pelos potentados econômicos e financeiros.
Está pensando em algum episódio atual?
Basta ver o que está acontecendo nesta pandemia. É possível que cinco empresas farmacêuticas mantenham o mundo inteiro em xeque-mate, não permitindo que outros sujeitos possam produzir as vacinas sob licença? É uma coisa grave. Ninguém defende que as empresas que inventaram a vacina não devem ser recompensadas e obter um lucro justo, mas não se pode tolerar que, diante de situações de morte como as que estamos assistindo atualmente, haja uma negação em nome de um princípio de direito privado que, neste caso, não deve ser aplicado: em vez disso, deveria ser aplicada uma norma de direito público. É por isso que o papa defende que a política deve absolutamente retomar o controle da economia.
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“Ouçamos o papa: a política deve guiar a economia.” Entrevista com Stefano Zamagni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU