07 Novembro 2022
Prestes a iniciar em Buenos Aires a XV Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe (7 a 11), a socióloga e ativista feminista nicaraguense María Teresa Blandón denuncia as violações dos direitos humanos que ocorrem em seu país. “O que estamos pedindo é que não nos deixem sozinhos ou sozinhas”, diz quem, justamente, foi a uma reunião preliminar da CEPAL em julho e foi exilada praticamente por ordem – comunicada pela companhia aérea – de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua e responsável, juntamente com sua esposa e vice-presidente. Blandón fez parte da Revolução Sandinista quando tinha 17 anos. Agora, aquele que considerava seu líder é responsável por um processo repressivo que mata, expulsa e encarcera defensores dos direitos humanos.
A entrevista é de Estefanía Santoro, publicada por Página/12, 04-11-2022. A tradução é do Cepat.
Em abril de 2018, Daniel Ortega, ex-revolucionário da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) e atual presidente da Nicarágua, desencadeou uma forte repressão a uma massiva revolta popular contra suas políticas. Na ocasião, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciou a morte de pelo menos 25 pessoas, dezenas de feridos, violência contra jornalistas e um plano de censura que ordenou o fechamento de quatro canais de televisão que faziam a cobertura dos protestos.
As manifestações começaram em rejeição a uma reforma do sistema de saúde que o próprio governo mais tarde abandonou. No entanto, o descontentamento social cresceu com a gestão de Ortega, e a violência institucional recrudesceu. Em meados de junho de 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) registrou, devido à repressão, 212 mortes, 1.337 feridos e pelo menos 500 detidos. Em junho desse ano, a CIDH revelou 355 mortes devido aos atos repressivos do regime.
“Em uma cela escura na Nicarágua, no meio da América Central, está sentada Tamara Dávila Rivas. Baratas e ratos andam sobre seus pés, mas ela não pode vê-los porque em sua cela a luz foi banida. Ela não consegue se lembrar de quando comeu pela última vez e não sabe que dia é hoje. Esta semana completam-se sete meses desde que o regime de Daniel Ortega parou sua vida por contradizê-lo”, relatou a jornalista María Laura Quesada em janeiro deste ano sobre a prisão de Dávila, a principal referência feminista e defensora dos direitos humanos da Nicarágua, que hoje se encontra trancada em uma masmorra, isolada de qualquer contato humano.
María Teresa Blandón deixou a Nicarágua em 1º de julho deste ano para participar de uma reunião no Chile da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) – cuja conferência sobre as mulheres acontecerá a partir da segunda-feira em Buenos Aires – e nunca mais pôde retornar ao seu país. Ao chegar ao aeroporto de San Salvador, a própria companhia aérea a informou que Ortega tinha proibido sua entrada sem qualquer explicação. Blandón, socióloga e importante ativista feminista nicaraguense, foi assim exilada com apenas a bagagem que carregava há alguns dias. Aos 17 anos, ingressou na revolução sandinista como guerrilheira e hoje enfrenta e denuncia as atrocidades cometidas pela ditadura de Ortega, seu ex-líder.
“O exílio é uma forma de violência que tem impacto brutal na vida das defensoras e de suas famílias. Muitas defensoras (dos direitos humanos), de um dia para o outro, são separadas de seus filhos e filhas, das pessoas de quem cuidam, de seus parentes e entes queridos; não podem retornar para sua casa, seu trabalho, suas lutas, seus tratamentos médicos e rotinas de vida”, assegura a Iniciativa Mesoamericana de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos (IM-Defensoras).
Chamam isso de “repressão migratória”, uma forma de violência que o governo Ortega vem realizando na Nicarágua desde 2018 para punir ativistas e defensores dos direitos humanos e a implementa sob três modalidades: o exílio, as detenções de imigrantes e o assédio migratório. Desde 2010, a IM-Defensoras documentou mais de 140 casos de pessoas afetadas por esse tipo de violência na Nicarágua, dos quais 96 ocorreram entre 2021 e 2022. Quase metade desses ataques (60) foram dirigidos contra mulheres defensoras dos direitos humanos, ativistas ou parentes de defensoras.
A repressão migratória é sofrida por muitos nicaraguenses e outros estão proibidos de sair do país. Algumas pessoas tiveram seus passaportes apreendidos no próprio aeroporto do país onde se encontram e ali mesmo são informadas de que têm restrições de imigração. É algo que o regime de Ortega fez com seus próprios funcionários que criticaram algumas de suas medidas.
“Recentemente, emitiu uma circular que estabelece que os trabalhadores do Estado, incluindo os trabalhadores da universidade pública, devem solicitar permissão para deixar o país e explicar as razões pelas quais vão sair, para onde vão e por quanto tempo pretendem ficar lá fora, e se não obtiverem autorização, não podem sair”, explica Blandón, de Honduras, em conversa com o Suplemento Las12.
O que Ortega está tentando evitar com esse controle migratório?
Por um lado, quer evitar que as pessoas denunciem, que haja protestos da população e apoio às vítimas da repressão e, em geral, que as pessoas se organizem. Eles têm medo de que volte a acontecer um protesto massivo como o que aconteceu em 2018. Por outro lado, querem punir aqueles que foram muito beligerantes na manifestação, denunciando a violação dos direitos humanos e também apoiando as vítimas da repressão. No caso de seus próprios simpatizantes, fez essas coisas para manter todo mundo controlado, porque teve algumas deserções importantes, incluindo, por exemplo, o ainda magistrado da Suprema Corte de Justiça, seu representante na OEA e alguns juízes e prefeitos que abandonaram suas fileiras e confirmaram que Daniel Ortega e Rosario Murillo ordenaram a repressão que foi desencadeada em 2018 e que continuam a realizar até hoje.
Como vocês definem esse momento político do país?
Nós falamos de ditadura por várias razões. Primeiro, porque eles têm o controle absoluto do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. Segundo, porque cometeram uma enorme fraude nas eleições de novembro de 2021. Terceiro, porque existe um estado policial, um estado de exceção onde todas as garantias, os direitos e liberdades estão de fato suspensos. Quarto, estabeleceu-se uma política de censura muito rígida, a grande maioria da imprensa independente foi para o exílio, o único jornal impresso que tínhamos foi fechado e seus equipamentos confiscados. Estamos falando de um regime que não tem apoio popular, mas tem o apoio dos chefes da polícia e do Estado-Maior do Exército.
Qual é a situação do movimento feminista na Nicarágua?
Por um lado, eles baniram todas as organizações feministas que tinham status jurídico e confiscaram seus bens, de fato porque não há lei de confisco no país. Por outro lado, fecharam emissoras de rádio feministas, vigiaram e continuam a fazê-lo, mulheres que se organizam nas comunidades e proíbem seu direito de reunião, até vigiam as casas das feministas para impedir que se reúnam. Pelo menos 16 feministas e defensoras dos direitos humanos foram proibidas de entrar no país. Há lideranças feministas presas, uma delas está privada de liberdade há 16 meses em situação de isolamento.
Em que situação se encontram as ativistas feministas privadas de sua liberdade?
Temos hoje mais de 220 presos, alguns dos quais privados de liberdade há mais de dois e até três anos por terem participado das manifestações de 2018, inclusive por terem dado declarações à mídia independente sobre a crise na Nicarágua. Desse total, pelo menos 21 são mulheres, uma delas é Tamara Dávila, feminista, integrante do Movimento de Renovação Sandinista, agora conhecido como partido Unamos. Também estão presas três de suas companheiras, incluindo a lendária guerrilheira Dora María Tellez, fundadora do partido. Essas mulheres estão presas há 16 meses na prisão de El Chipote, estão isoladas, algumas delas têm luz 24 horas por dia e outras estão no escuro o tempo todo. Elas estão proibidas de ler qualquer coisa.
No momento, estão há 65 dias sem receber visitas. A prisioneira política Suyen Barahona foi inclusive proibida de telefonar para seu filho de cinco anos, Tamara Dávila foi autorizada uma única vez a ver sua filha que acabou de completar seis anos. A Dra. María Tellez está em greve de fome exigindo que seja tratada com humanidade, ou seja, que respeitem as Regras de Mandela, mas não tivemos nenhuma informação e também não estão recebendo assistência médica, estão até impedidas de sair para tomar sol. Isso está acontecendo com os mais de cinquenta presas e presos políticos que estão na penitenciária de El Chipote.
Qual é a situação econômica da Nicarágua em meio a essa situação?
A Nicarágua já era um país pobre, o segundo mais pobre da América Latina; com a crise tudo piorou. Há uma altíssima taxa de desemprego e estima-se que apenas 20% da população economicamente ativa tenha um emprego estável. Os salários são os mais baixos da América Central e o custo da cesta básica gira em torno de quatro salários mínimos. De tal forma que as pessoas estão fazendo grandes esforços para sobreviver, e os serviços de saúde se deterioraram.
A resposta do Estado aos três últimos furacões foi completamente tardia e deficiente. As regiões mais afetadas estão enfrentando escassez de alimentos e, consequentemente, isso provoca uma onda de migração sem precedentes. Só este ano, mais de 160 mil nicaraguenses tentaram entrar nos Estados Unidos, desesperados para encontrar alternativas. Além disso, estima-se que mais de um milhão de nicaraguenses já estejam na Costa Rica, ou seja, houve um êxodo e os jovens dizem: "Não há oportunidades, não há futuro na Nicarágua, quero deixar este país."
Que mensagem daria à América Latina sobre o que está acontecendo na Nicarágua?
O que está acontecendo na Nicarágua é uma crise prolongada e até agora nenhum esforço da OEA, da União Europeia ou dos países de esquerda que tentaram mediar com Daniel Ortega e sua esposa funcionou. Eles estão dispostos a se perpetuar no poder e isso é muito negativo, não apenas para a sociedade nicaraguense, que luta em condições muito difíceis para recuperar direitos, mas também para a comunidade internacional. O que estamos pedindo é que não nos deixem sozinhos e sozinhas.
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Nicarágua. “Vivemos uma ditadura”. Entrevista com María Teresa Blandón, socióloga e ativista feminista, forçada a se exilar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU